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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

HOBBES, LOCKE, ROUSSEAU E … BOLSONARO.

Por Abdon Marinho.

O LEITOR que não tenha gazeado muitas aulas no ensino fundamental deve ter ouvido falar dos três primeiros personagens que nominam o título do presente texto.  

Com um pouco de sorte até devem lembrar que se tratam de filósofos “contratualistas” que voltaram seus estudos para explicar a relação entre os seres humanos e o Estado. 

Tal relação, segundo estes filósofos, recebeu o nome de “contrato social”, uma figura de linguagem para dizer que o homem e o Estado celebraram tal “contrato” para garantir a sobrevivência da sociedade. 

Ainda segundo tais filósofos o ser humano vivia no “Estado Natural” e sem conhecer qualquer organização política. 

Vivendo cada um por si, em estado natural, o ser humano passa a se sentir amaçado, partindo daí a necessidade de se proteger, buscando para isso algo ou alguém capaz de assegurar os seus direitos naturais. 

Em tal contexto de necessidade o homem aceita abdicar da sua liberdade individual, do direito de fazer o que quiser e como quiser para submeter-se às leis da sociedade e do Estado. 

Já o Estado investido de tal poder se compromete em defender o homem, o bem comum e a criar as condições para que ele, respeitando um conjunto de normas, possa se desenvolver. 

É a esta relação constituída sem qualquer norma escrita mas firmada nos primórdios da sociedade que se denomina contrato social.

Com poucas variações, mas tendo como espinha dorsal tais conceitos – os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679), para quem os homens precisavam de um Estado forte pois a sua ausência resultaria numa guerra constante; John Locke (1632 - 1702), segundo o qual o homem vivia num estado natural onde não havia organização política, social, restringindo a assim a sua liberdade impossibilitando o desenvolvimento da ciência ou arte; e o francês Jean-Jacque Rousseau (1712 - 1778), para quem o homem no estado natural vivia em harmonia e que o aparecimento da propriedade privada fomenta a desigualdade social partindo daí a exigência para o surgimento do estado como garantidor das liberdades e evitar o caos –, desenvolveram seus estudos e dedicaram a vida. 

Estes conceitos são básicos e constam da grade curricular do ensino fundamental e que você encontra em qualquer pesquisa que faça sobre o assunto inclusive com as mesmas palavras. 

Claro que muitas vezes o Estado (ou seus dirigentes) exageram ou esquecem os fundamentos básicos que o fez surgir: o bem comum e proteção dos seres humanos, e passa a oprimir os governados. 

Daí surgem as revoluções, as insurreições e as destituições dos governantes estatais e/ou a própria eliminação física de tais governantes. 

Nas democracias consolidadas, onde as instituições funcionam de forma adequada, há o respeito ao “contrato social” firmado no surgimento do sociedade. 

Até onde lembro, estudamos sobre tais conceitos, surgimento do Estado e os filósofos citados acima nas aulas de Educação Moral e Cívica. 

Pois bem, trago tal assunto porque o quarto personagem que nomina o texto – e um grupo de aliados seus –, diferente de nós, gazeou todas as aulas de Educação Moral e Cívica e/ou de Filosofia e não apenas acha estranho tais conceitos como acredita que o resto da humanidade que os formularam e procuram viver sob seus auspícios estão errados. 

Outro dia, como faz sempre que pode, sua excelência deu mais uma prova que gazeou as aulas. 

Passando o feriado da padroeira do Brasil no litoral paulista ele reclamou que não pôde assistir ao jogo do Santos no estádio por não ter o passaporte da vacina, documento exigido em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro para acesso a eventos de grande porte. "Por que cartão, passaporte da vacina? Eu queria ver o jogo do Santos. Agora me falaram que tem que estar vacinando. Por que isso? Eu tenho mais anticorpos de que quem tomou a vacina", questionou. 

Essa “insurreição” presidencial – compartilhada, inclusive, com as mesmas palavras por seus seguidores –, é aprova que desconhece os conceitos básicos do que seja o Estado. 

Ele ignora que deste o estado originário – e por conta disso o seu surgimento –, nossos antepassados acordaram em abrir mão de parte de suas liberdades individuais, por exemplo o direito de não se vacinar, em nome do interesse coletivo. 

Outrora, registre-se, não havia a opção de recusa, a vacinação era compulsória. 

Agora, o cidadão tem o “direito” de recusar a vacina, em contrapartida o Estado adota medidas restritivas à sua livre circulação pelos ambientes onde sua presença poderá causar algum dano à saúde dos demais – ou apenas para mostrar que deve cumprir uma norma ou orientação em nome do bem comum. 

Essas medidas nada têm com cerceamento da liberdade individual, mas sim, com a proteção do interesse coletivo. 

E, como dito anteriormente, constitui fundamento essencial do “contrato social” celebrado entre os cidadãos e o Estado. 

Pensar diferente, defender o império da liberdade individual sobre o interesse coletivo, seria negar o sentido da existência do Estado e defender o retorno ao “estado natural” existentes nos primórdios da humanidade. 

Ora, se não é lícito que o cidadão comum esclarecido pregue a negação do Estado e o retorno do “estado natural” em nome da “liberdade individual”, menos lícito, ainda, que seja o próprio governante a fazê-lo. 

Explico o motivo. Ao ser investido no cargo de governante, pela confiança dos seus concidadãos, o indivíduo deixa de ser um cidadão comum e passa a ser o responsável pelo bem comum, pela defesa do interesse coletivo. Em outras palavras passa a ser o “fiador” do “contrato social” celebrado entre o povo e o Estado. 

Muito embora aproveite todos os bônus do cargo, sua excelência ignora os seus ônus, entre os quais o de ser fiador do contrato social que coloca o interesse coletivo acima do interesse e da liberdade individual, até mesmo da sua própria liberdade. 

Assim, o comportamento do presidente em relação as vacinas – já que estamos falando disso –, deveria ter sido o oposto do que foi até aqui. 

Ao invés de, sem qualquer base, falar mal das vacinas – que a realidade prova, é o que vem salvando vidas –, deveria ter sido o primeiro a oferecer o braço para ser vacinado, servindo de exemplo para o povo que “administra”, quando muito que aguardasse a sua vez. 

Fez o contrário disso, como assistimos e por último disse que não vai mesmo se vacinar. 

Quer dizer que o Estado que dirige não é “fiador” do imunizante que comprou e mandou aplicar nos cidadãos? Quer dizer que a sua liberdade individual é superior ao interesse coletivo? 

Uma outra prova que o presidente desconhece o sentido da existência do Estado é a defesa obsessiva que faz do direto do cidadão armar-se para defender a sua liberdade individual. 

Ora, como vimos no início do texto o Estado surgiu justamente para isso: proteger o cidadão e garantir a sua liberdade. 

Ao pregar em sentido diverso, o cidadão que é o fiador do Estado no cumprimento de sua missão, diz com outras palavras que Estado que dirige é incapaz de cumprir a missão para o qual foi criado daí a necessidade do cidadão se armar e exercer a “lei do mais forte”, mais armado, numa espécie de retorno tardio ao “estado natural” em era cada um por si. 

No mesmo passeio sua excelência pediu para não ser “aborrecido”  com perguntas sobre o número de vítimas da COVID-19 no dia em que atingimos a triste marca de 600 mil mortos. 

Ora, a quem nos resta perguntar sobre o número de mortos que não ao presidente? 

Muito embora não queira,  “aborrecimentos” como o número de mortos, a inflação, o preço dos alimentos, dos combustíveis, a fome dos cidadãos e tantos outros, vieram “embutidos” no cargo, se não quer ser “aborrecido” que desocupe o posto.  

Como os leitores podem perceber, ao “gazear” as aulas de Educação Moral e Cívica e/ou Filosofia, sua excelência faz um mal tremendo ao Brasil.

O pior é que a ignorância parece ser um mal contagioso. 

Abdon Marinho é advogado.