AbdonMarinho - VIOLÊNCIA: O TEMA INCONTORNÁVEL.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

VIO­LÊN­CIA: O TEMA INCONTORNÁVEL.

VIOLÊN­CIA: O TEMA INCONTORNÁVEL.

Certa vez, há muitos anos (acho que mea­dos dos noventa), per­gun­tei ao jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues a razão dele não pub­licar o seu “Col­unão”, na segunda-​feira, à época encar­tado nas edição de domingo, no Jor­nal Pequeno, quando, por algum motivo, o mesmo não cir­cu­lara (alguma prensa que­brada, atraso na entrega, etc).

Como, muitas vezes, dis­cutíamos deter­mi­na­dos assun­tos, ficava curioso para ver a abor­dagem na edição impressa. Aliás, a primeira coisa que fazia todas as man­hãs de domingo, antes mesmo do café, era cor­rer, para ler os jornais.

Respondeu-​me, o grande jor­nal­ista: – Pre­firo deixar para a terça – feira, Abdon. Geral­mente, as edições das segun­das são tomadas por cenas de vio­lên­cia, cor­pos, não gosto de misturar.

Cheguei a fazer uma pil­héria com ele de que as edições de segunda-​feira eram edições de segunda.

Não pre­tendia me ocu­par de falar deste tipo de pauta. Infe­liz­mente, difer­ente daque­les tem­pos, a pauta da matança não ocupa mais os jor­nais só às segun­das, pegando o rescaldo dos fins de sem­ana, mas todos os dias. Tornou-​se incon­tornável, não só para a imprensa, mas para toda sociedade.

Em pleno meio da sem­ana, não con­sigo olhar para a capa de O EMA, lá, amar­rado em um poste, um corpo amarrado.

Era a última vítima de um lin­chamento, na cap­i­tal do estado. O primeiro com vítima fatal deste ano, neste atual governo.

Nos últi­mos anos tive­mos diver­sos casos idên­ti­cos. Lem­bro de ter me repor­tado a mais de um em meus tex­tos. Um dos que nar­rei, com certeza, foi o do ado­les­cente (acho que tinha 15 anos) tru­ci­dado e morto por taxis­tas em um bairro da per­ife­ria da cap­i­tal, em pleno Domingo de Páscoa.

Além do crime em si, da bar­bari­dade, da idade da vítima, o que me fez escr­ever sobre o tema foi esse: era Pás­coa, tempo de ressur­reição, de mod­er­ação, reflexão, entre­tanto, pes­soas, até onde se sabiam, “de bem”, tra­bal­hadores, se ocu­pavam em sujar as mãos – que, talvez mais cedo, tenha car­regado a sagrada hós­tia à boca – com o sangue de um adolescente.

Como não sou mil­i­tante da área jor­nal­ista e sim, um advo­gado que escreve uma vez ou outra, não sei os des­do­bra­men­tos do caso, se o crime foi inves­ti­gado, se os autores foram iden­ti­fi­ca­dos, se alguém foi preso, responde a processo ou se, sim­ples­mente, ficou o feito pelo não feito, o dito pelo não dito.

Descon­heço tam­bém as razões que motivou o EMA a estam­par, em sua capa, foto tão chocante, colo­cando ainda um chama­mento a reflexão, em detri­mento do outro fato ocor­rido não faz muito tempo, tão ou mais grave, quanto o de agora, e dec­re­tar de pronto, a falên­cia total do gov­erno que se instalou em janeiro último.

Claro que o fato é gravís­simo, hor­rendo, inqual­i­ficável. Mas já o era quando fiz­eram o mesmo com o ado­les­cente em plena pás­coa, com os out­ros tan­tos, antes e depois.

Por que só ficaram indig­na­dos, hor­ror­iza­dos, agora?

Talvez aí esteja o cerne da questão.

Os políti­cos, os gov­er­nos, deixaram de se pre­ocu­par com o enfrenta­mento da vio­lên­cia para se ocu­par de polit­icagem, a fazer pros­elit­ismo, enquanto as pes­soas andam assus­tadas nas ruas, com medo de colo­car os pés para fora de casa, com medo de ficarem den­tro de casa, de irem para o tra­balho e não voltarem.

Enquanto isso os nos­sos políti­cos se ocu­pam de fazer pros­elit­ismo, angariar votos com suas posições: reduzir ou não a maior­i­dade penal? Punir ou não os que come­tem crimes?

Tudo é debatido sob a égide da busca de votos, de angariar sim­pa­tia dos gru­pos de pressão.

Quando defendo, como cidadão, um endurec­i­mento da leg­is­lação penal, o faço na con­vicção que a impunidade tem sido um dos motores da crim­i­nal­i­dade, quando defendo a punição con­forme o crime cometido, não impor­tando quem seja o autor (desde que tenha capaci­dade de dis­cernir), o faço na certeza que o atual mod­elo é muito mais prej­u­di­cial à sociedade, jovens, mul­heres, cri­anças, vel­hos, não porque quero agradar este ou aquele.

O Brasil não pode mais sac­ri­ficar vidas enquanto os políti­cos dis­cutem olhando para o umbigo.

Os atos de lin­chamento que viti­maram um ado­les­cente e um adulto, ambos ladrões, tendo o adulto per­dido a vida de forma hor­rível, servi­ram, mais uma vez, de com­bustível a uma tola batalha ide­ológ­ica, com dep­utado chamando maran­henses de psi­co­patas (como se lin­chamen­tos não estivessem cada vez mais fre­quentes em cada canto país), com out­ros fazendo analo­gia entre um quadro retratando um negro no troco sendo chicoteado (no tempo que pre­cedeu a lei Áurea, em 1888, e que na ver­dade, emb­ora fatos reais, ten­ham ocor­ri­dos, a imagem retratada é ape­nas um quadro, bem famoso, por sinal) e o ladrão tru­ci­dado no poste.

São coisas abso­lu­ta­mente dis­tin­tas, não vejo sen­tido na analo­gia, nem em tan­tas out­ras teses, que se dis­cute diante do fato, inclu­sive das que querem trans­for­mar a sociedade em psi­co­pata e o ladrão em vitima indefesa.

Fico com a clara impressão que os políti­cos brasileiros habitam um mundo para­lelo. Pois se ocu­pam de dis­cu­tir a vio­lên­cia em abstrato enquanto a vio­lên­cia que mas­sacra a sociedade brasileira diari­a­mente é algo bem con­creto. Ocorre, toda hora. É uma guerra, em que a sociedade, os homens de bem estão em clara desvan­tagem, perdendo.

Claro que não é des­culpável, sob qual­quer aspecto, a sociedade tomar para si o papel de estado, sobre­tudo para pren­der, jul­gar, con­denar e aplicar a pena que achar dev­ida, inclu­sive a de morte (inex­is­tente no dire­ito penal, mas bem real no dia a dia), pelo con­trário, acho que os respon­sáveis pre­cisam ser iden­ti­fi­ca­dos, proces­sa­dos, jul­ga­dos e punidos.

Por outro lado, a sociedade, entre os quais aque­les que fazem «justiça» com as próprias mãos, assim agem, diante da omis­são cada vez pre­sente do Estado.

O Brasil cam­inha para o caos, para a mais com­pleta des­or­dem, e os gov­er­nantes não se dão conta disso. O que mais tenho ouvido de pes­soas de bem, cidadãos tra­bal­hadores, pagadores de impos­tos, é que não hora que for pos­sível, deixarão o país, deixarão, seus famil­iares, suas raízes.

Não é para menos.

Com base na pub­li­cação “Mapa da Vio­lên­cia”, edi­tado por um dos organ­is­mos da ONU, estimo que Brasil, ocor­reram 1.300.000 (um mil­hão e trezen­tos mil) homicí­dios, de 1980 até 2014.

Trata-​se de um número astronômico diante de qual­quer análise que se faça. Nem nações em guerra se mata tanto quanto no Brasil no seu dia a dia.

A coisa fica mais mais feia, quando percebe­mos que quase metade destes homicí­dios (cerca de 600.000) ocor­reram nos últi­mos 12 anos, durante as gestões do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, o qual vende, interna e exter­na­mente, a ideia dos seus grandes inves­ti­men­tos e feitos na área social, e que, por­tanto, ao menos no plano teórico, fariam diminuir os índices de violência.

Sem dis­cu­tir os méri­tos das políti­cas soci­ais, necessárias e urgentes, os números mostram que elas, soz­in­has, sem a mão forte do Estado, não têm o condão de debe­lar a vio­lên­cia, que não adi­anta, tratar crim­i­nosos como viti­mas e a sociedade como culpada.

Vou adi­ante, políti­cas soci­ais e repressão estatal, não são, como querem fazer crer os ilu­mi­na­dos da int­elec­tu­al­i­dade brasileira, coisas que se excluem.

Não é porque se faz esco­las que os presí­dios são desnecessários, como dizem a cansar: mais edu­cação, menos cadeias.

Isso é só tolice.

Pre­cisamos de mais saúde, mais edu­cação de qual­i­dade, mais assistên­cia social e tam­bém de um sis­tema penal que fun­cione, com uma polí­cia forte e capac­i­tada para iden­ti­ficar cul­pa­dos, um Min­istério Público que cumpra seu papel, um Judi­ciário que os con­dene e um sis­tema pri­sional que os façam cumprir as penas.

Pre­cisamos de leis penais, mais rígi­das, que iniba a prática crim­i­nosa, que faça o cidadão ten­tado pelo lucro fácil do crime, pen­sar duas ou três vezes antes de come­ter o crime.

Ah, aos que defen­dem a impunidade dos crimes cometi­dos por menores, se o IPEA estiver certo, os crimes desta natureza, chegam a 10% (dez por cento), se ape­nas pegar­mos os homicí­dios ocor­ri­dos nos últi­mos doze anos, temos algo em torno de 60.000 (sessenta mil), cerca de 5 mil/​ano.

Como as estatís­ti­cas não são con­fiáveis, e há quase uma una­n­im­i­dade em dizer que nas ações crim­i­nosas os chama­dos “menores» são os mais bru­tais, acred­ito que sejam números bem maiores, ainda que seja o diz o IPEA, não são números desprezíveis.

Aos políti­cos, mil­i­tantes ide­ológi­cos, aos que não têm o com­pro­misso de resolver os prob­le­mas que afligem a sociedade, os números nada rep­re­sen­tem, para os que per­dem um ente querido, um filho, um irmão, um primo, um amigo, é bem mais que isso. Talvez essa seja uma das razões da forra arbi­trária, despro­por­cional, sem­pre que surge uma oportunidade.

Um ato bár­baro pode ser ape­nas um pedido de socorro de uma sociedade exausta com tanto descaso.

Abdon Mar­inho é advogado.