AbdonMarinho - NO DIA DA MENTIRA, CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERDADE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NO DIA DA MEN­TIRA, CON­SID­ER­AÇÕES SOBRE A VERDADE.

NO DIA DA MEN­TIRA, CON­SID­ER­AÇÕES SOBRE A VER­DADE.

Por Abdon Marinho.

DESDE que voltei a escr­ever, há cerca de seis anos – e fiz isso por sug­estão de um amigo jor­nal­ista que me propôs ter uma col­una em um jor­nal local –, me deparo com uma con­statação: o medo e, tam­bém, o incô­modo, que a ver­dade causa.

Tanto assim, que já escrevi sobre este fato, por baixo, uma dúzia de vezes.

Penso, por vezes, que isso se deve àquela velha lenda – já con­tada aqui –, mas que sem­pre é bom repetir.

Conta a lenda que certa vez andava a Ver­dade por uma estrad­inha bucólica do inte­rior quando avis­tou a Men­tira tomando um refres­cante banho em um ria­cho.

— Bom dia, Ver­dade! Dia quente, não é?

A Ver­dade sen­tido o calor que lhe tomava o corpo, concordou:

— Sim. O dia está, de fato, muito quente.

A Men­tira, então, prosseguiu:

— Pois é, dev­ido a isso resolvi parar e me refres­car neste arroio. A água límp­ida está uma delí­cia. Venha se refres­car um pouco.

A Ver­dade, vendo a limpi­dez da água e o seu fres­cor, con­cor­dou em nadar um pouco a fim de fazer pas­sar o calor. Despiu-​se e entrou na água.

Era um ardil da Men­tira. Já nas primeiras braçadas da Ver­dade, aquela (a Men­tira) pegou-​lhe as roupas e vestiu-​se, saindo por aí propagando-​se com as vestes da Verdade.

Já a Ver­dade, por sua vez, recusou-​se a vestir as roupas da Men­tira e pas­sou a andar nua.

E assim foi. Por isso que muitos (senão a maio­ria), pref­erem enganar-​se com a Men­tira vestida com as roupas da Ver­dade a ter que con­viver com a Ver­dade nua e crua.

O anôn­imo que con­tou, pela primeira, vez tal lenda não pode­ria ter sido mais feliz.

Com o pas­sar dos anos – a cul­mi­nar com os dias atu­ais –, assis­ti­mos as pes­soas preferirem a men­tira, o engodo, a empul­hação a ter que con­viver com a ver­dade na sua inteireza; preferirem a adu­lação desaver­gonhada ao con­selho sincero.

Na quadra atual uma das vestes da men­tira atende pelo nome de “pós-​verdade”, um emaran­hado de infor­mações des­en­con­tradas que longe de serem ver­dades são “ven­di­das” como tais.

Como se a ver­dade pudesse ser rel­a­tivizada, como se a men­tira ou o engodo fos­sem uma “ver­são” da ver­dade, quando não é, aliás, nunca foi. Nada mais é do que outro ardil da men­tira.

Para nossa tris­teza, con­stata­mos que o mundo – dito –, civ­i­lizado atual é dos enganadores, dos fal­sos, dos adu­ladores e dos hipócritas. E, tam­bém, dos tolos e ingên­uos que gostam – e pref­erem – a enganação, a mentira.

Queres perder um amigo? Seja sin­cero com ele. Diga-​lhe, sem reser­vas, o que efe­ti­va­mente pen­sas.

Pou­cas são as amizades que resistem ao escrutínio da ver­dade.

Essa é a con­statação que fiz desde que come­cei a externar pub­li­ca­mente min­has posições sobre os temas colo­ca­dos per­ante a sociedade, nestes anos.

Nos mais de mil tex­tos que escrevi – e que faço questão que sejam lon­gos, na intenção que as pes­soas, de fato, parem para ler –, ninguém aponta uma men­tira, uma incor­reção, uma mal­dade. Ape­nas ver­dades e opiniões pes­soais as quais sem­pre se pode – e se deve –, ques­tionar, faz parte do debate. Mas, são min­has opiniões, meus ques­tion­a­men­tos, min­has inquietações.

A ver­dade é a matéria-​prima dos tex­tos que escrevo. Não me ocupo de escr­ever sobre pes­soas, mas sim, sobre fatos, situ­ações e ideias, por isso mesmo, só cito qual­quer nome próprio quando isso é impre­scindível para a com­preen­são do texto.

Ape­sar disso – talvez por isso –, incomodam-​se tanto. Não pelo texto em si. O que causa o descon­tenta­mento é a ver­dade nua e crua. É a falta do que ques­tionar.

É um defeito que tenho. Aprendi, ainda menino, que a ver­dade “cabe” em qual­quer lugar e que o “errado” é “da conta” de todo mundo.

Assim, ao meu sen­tir, apon­tar equívo­cos, dis­cor­dar de posi­ciona­men­tos, cobrar o que enten­demos cor­reto, nada mais é que um ato de cidada­nia.

Infe­liz­mente, causa estran­hamento, parece não ser mais assim, isso foi noutros tem­pos, antes da mar­gin­al­iza­ção da ver­dade, antes que a mesma fosse colo­cada na clan­des­tinidade ou tida por blas­fêmia.

Hoje, se dizes algo já pen­sam que é movido por algum inter­esse: aten­dido ou con­trari­ado. Ninguém com­preende a man­i­fes­tação livre e des­im­pe­dida como um ato de indig­nação cidadã.

Outro dia alguém me per­gun­tou se tinha algum inter­esse por escr­ever o que escrevo; outro, o que eu “gan­hava” com isso; um ter­ceiro, mais inco­modado ou com o desejo de “prestar serviço” ou só adu­lar, par­tiu para a difamação.

Quando retomei a escrita como um ato de exer­cí­cio de cidada­nia – lá por volta de 2012 –, diziam que era por conta da oposição ao grupo político de então, donatários do poder de lon­gas datas. Nunca foi. Ape­nas achava (e acho) errado muitas práti­cas empreen­di­das por aque­les gov­er­nantes.

Agora, já no quinto ano do gov­erno comu­nista (oposição(?) ao antigo grupo, mas sim­i­lar nas práti­cas) dizem a mesma coisa: que sou “de oposição”, “do con­tra”, “revoltado”, “doidão”, e tan­tas out­ras adje­ti­vações.

Isso quando não partem para a agressão mais rasteira ou o ataque vul­gar.

A estes não socorre a ideia que ape­nas exerço uma con­quista legí­tima e pela qual tanto luta­mos, e com a qual me iden­ti­fico, desde sem­pre: o dire­ito de expor meus pen­sa­men­tos, chamada liber­dade de expressão.

Out­rora, quando escas­sos os meios de comu­ni­cação, dizia-​se que a liber­dade de pen­sa­mento era priv­ilé­gio de alguns, dos ricos, das elites pro­pri­etárias dos veícu­los de comu­ni­cação. Hoje, quando qual­quer um pode dizer e difundir o seu pen­sa­mento, nunca se viu tanta indigên­cia int­elec­tual, tanta pobreza de ideias, tanto mal­trato a ver­dade.

Certa vez per­gun­tei a um amigo da mídia a razão de ninguém “ligar” para a ver­dade, questionando-​o para o fato de ter­mos uma “imprensa” tão pouco com­pro­metida com o seu papel social.

Respondeu-​me de forma cor­tante: — Abdon, metade dela (imprensa) anda em “car­rões”, mora em man­sões. Escrevem ape­nas para agradar os que estão lhes pagando. A isso dão o nome de “parce­ria”. A outra metade esta “doida” para andar em “car­rões” e morar em man­sões.

Deu por encer­rado o assunto.

Decerto, deve­mos rel­e­var o exagero daquele amigo. Não é pos­sível que “todos” este­jam mais com­pro­meti­dos com a “sua” ver­dade – ou inter­esses –, do que com a ver­dade real. E, talvez, seja bem mais que a exceção, para jus­ti­ficar a regra.

O certo é que os cidadãos de bem não podemos nos con­for­mar com o império da men­tira. Não deve­mos nos calar e per­mi­tir que men­tira con­tinue a levar van­tagem em detri­mento dos inter­esses maiores da sociedade.

E deve­mos fazer isso sem qual­quer receio, sem qual­quer medo de retal­i­ação, e movi­dos ape­nas pelo inter­esse do tri­unfo da ver­dade.

Por fim, meus ami­gos, a ver­dade tornou-​se tão rara e inusi­tada que ao invés de se ter um dia ded­i­cado à men­tira dev­eríamos ter­mos um ded­i­cado à ver­dade. Seria mais justo.

Abdon Mar­inho é advo­gado