AbdonMarinho - DEU SAÚVA NO JARDIM.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DEU SAÚVA NO JARDIM.

DEU SAÚVA NO JARDIM.
NÃO É SEG­REDO para ninguém: gestores inex­pe­ri­entes e/​ou cor­rup­tos causam tan­tos males ao serviço público quanto uma praga de saúva às cul­turas agrí­co­las. Quanto estas condições reunidas num único lugar e a elas se somam doses cav­alares de falta de com­pro­misso ou desin­ter­esse pela coisa pública, tem-​se as condições per­feitas para uma tragé­dia mais que anun­ci­ada.
O municí­pio de Bom Jardim, dis­tante 270 km da cap­i­tal do estado, tornou-​se «famoso» no país inteiro, e além fron­teiras, pelos desati­nos de seus gestores. Por diver­sas vezes foi manchete nos prin­ci­pais órgãos de imprensa nacionais – os locais e region­ais, perdemos as con­tas. Já escrevi algu­mas vezes sobre a triste situ­ação do municí­pio.
Por estes dias estive em Bom Jardim a pedido do novo prefeito para, jun­ta­mente com out­ros profis­sion­ais, encon­trásse­mos soluções para virar­mos a página dos escân­da­los dos últi­mos tem­pos.
A mis­são não será fácil. Em vinte anos de profis­são asses­so­rando municí­pios, não me recordo de ter encon­trado nen­hum numa situ­ação de tamanha gravi­dade.
O «desmonte» ocor­reu de diver­sas for­mas e con­tou com cumpli­ci­dade inter­es­seira de inúmeros servi­dores públi­cos que bus­caram suas van­ta­gens cor­po­ra­ti­vas, indifer­entes às reais condições do municí­pio e à con­jun­tura econômica do país, agravada como nunca se viu desde 2012.
Um dos prin­ci­pais gar­ga­los a ser enfrentado pela nova gestão é orga­ni­zar a situ­ação dos servi­dores públi­cos.
Os gestores, talvez para escon­derem suas defi­ciên­cias ou malfeitos, saíram a dis­tribuir van­ta­gens inde­v­i­das indifer­entes aos estu­dos de impactos finan­ceiros para os anos futuros. Como resul­tado disso, ape­nas as fol­has de servi­dores efe­tivos, ultra­pas­sam, e muito, os lim­ites esta­b­ele­ci­dos pela Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF.
E, emb­ora pareça piada, o municí­pio não pos­sui servi­dores sufi­cientes para aten­der os serviços bási­cos, como saúde, edu­cação, limpeza pública.
Pois é, o descal­abro acabou por gerar para­doxos como este: emb­ora já tenha ultra­pas­sado todos os lim­ites da LRF, o municí­pio pre­cis­ará con­tratar para man­ter em fun­ciona­mento seus serviços.
A expli­cação para isso é que, sobre­tudo, no último ano, e no período vedado, os gestores acharam por bem aumen­tar salários e dis­tribuir out­ras van­ta­gens aos servi­dores públi­cos já exis­tentes.
Um exem­plo disso é a emblemática situ­ação da edu­cação munic­i­pal. Esta, aliás, motivo de algu­mas matérias jor­nalís­ti­cas em rede nacional.
No último ano (den­tro do período vedado), os gestores resolveram «rev­olu­cionar» a edu­cação, pro­duzindo uma lei que, den­tre out­ras van­ta­gens, pro­moveu a unifi­cação da carga horária para 20 (vinte) horas sem­anais, man­tendo os mes­mos venci­men­tos que fazem jus quem tra­bal­hava 40 (quarenta) horas, ou seja, o piso nacional de R$ 2.290,80 (dois mil duzen­tos e noventa reais e oitenta cen­tavos) para o ano de 2017.
Con­siderando que a chamada Lei do Piso, já esta­b­elece que um terço da carga horária deve ser usada para plane­ja­mento, os pro­fes­sores tra­bal­harão ape­nas 14 horas, na sua mis­são prin­ci­pal de edu­car as cri­anças.
Tem mais, além desta redução de carga horária que alcança todos profis­sion­ais, uma lei munic­i­pal, do pacote de bon­dades, com o din­heiro do con­tribuinte, garante mais 30% (trinta por cento) de redução de carga horária. Com isso, inúmeros servi­dores tra­bal­harão cerca de 7 (sete) horas sem­anais. Acham pouco? A mesma lei, garante aos profis­sion­ais que a hora/​aula será de 50 e 45 min­u­tos, respec­ti­va­mente, para os turnos diurnos e noturnos. Assim, se apli­ca­dos todos os «dire­itos» cer­tos pro­fes­sores, rece­berão o piso nacional do mag­istério para min­is­trarem 1.400 min­u­tos de aula por mês ou menos, con­siderando a hora/​aula 45 min­u­tos, o tempo que gas­tam com chamadas, piadas, recla­mações.
Com todo o respeito que temos pelos mestres, falta bom senso a sus­ten­tar tamanha enormi­dade. Não acho que faça sen­tido, um país como nosso, pes­soas rece­berem R$ 2.290,80 (dois mil duzen­tos e noventa reais e oitenta cen­tavos para o ano de 2017, para uma carga horária que podemos con­tar em min­u­tos.
Longe de mim dizer que não mereçam. Devem mere­cer até mais, o prob­lema é que os municí­pios, nen­hum deles, não ape­nas Bom Jardim, pos­sui condições de arcar com tais salários. Nem mesmo os esta­dos fed­er­a­dos podem. Fal­tam condições mate­ri­ais. Sig­nifica a mesma coisa que ten­tar colo­car a Sé na capela de San­tan­inha.
O munici­pio que já gasta mais de 80% (oitenta por cento) com salários de pro­fes­sores, vai ultra­pas­sar mais de 100% (cem por cento) com as con­tratações que será obri­gado a fazer para com­pen­sar a carga horária exces­si­va­mente cama­rada.
Os pro­fes­sores dev­e­riam saber a matemática básica: para cada dois edu­cadores com carga horária reduzida (ape­nas para 20 horas) necessário se faz a con­tratação de mais um na situ­ação extrema de usar todas as van­ta­gens, necessário será a con­tratação de dois para cada efe­tivo. Não há econo­mia que resista. Estão matando a gal­inha dos ovos de ouro.
O pior é que este tipo de van­ta­gens traz impli­cações a todas out­ras car­reiras. Pois os gestores não têm como mel­ho­rar suas condições de tra­balho e salari­ais por conta dos lim­ites a que estão obri­ga­dos a respeitar.
Será que alguém faz ideia do que acon­te­cerá com a implan­tação de uma carga horária maior para os alunos, con­forme começa-​se a exi­gir como forma de mel­ho­rar a qual­i­dade do ensino?
Sem uma cor­reção de rumo, o municí­pio não terá como inve­stir um cen­tavo na manutenção e recu­per­ação das unidades esco­lares, que estão caindo sobre a cabeça dos alunos, como já vimos nos meios de comu­ni­cação.
O quadro da edu­cação torna-​se ainda mais des­o­lador quando con­sid­er­amos que nos últi­mos qua­tro anos o municí­pio perdeu para municí­pios viz­in­hos (tam­bém graças a incom­petên­cia da gestão pública) mais de 3 mil alunos, uma perda ano, em recur­sos finan­ceiros, de mais de 7 mil­hões de reais.
Os pacotes de «bon­dades» vão além dos dis­pen­sa­dos aos pro­fes­sores, se esten­deram a diver­sas out­ras cat­e­go­rias, gerando o caos já referido acima. Isso sem con­tar a infinidade de ações judi­ci­ais – cen­te­nas delas –, nas quais servi­dores e ex-​servidores, cobram, com ou sem razão, sua parte no butim.
Os efeitos colat­erais, caso não se con­siga reverter tais absur­dos, serão sen­ti­dos por toda a pop­u­lação, por longo tempo. A começar pelo fato do municí­pio não poder cel­e­brar con­vênios ou con­tratos de repasses se não cumprir os índices esta­b­ele­ci­dos pela Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal.
A praga de saú­vas não se deu ape­nas na deses­tru­tu­ração admin­is­tra­tiva rela­cionada aos servi­dores públi­cos, um lev­an­ta­mento pre­lim­i­nar aponta quase trinta con­vênios em aberto, ou seja, mais de 11 mil­hões de reais, que viraram esquele­tos de unidades de saúde, esco­las e out­ros serviços urbanos.
Ape­sar da visível falta de con­t­role admin­is­tra­tivo da gestão da ex-​prefeita que ficou nacional­mente con­hecida, ou talvez por conta dele, choveram con­vênios para o municí­pio, dos quais grande parte dos recur­sos foram repas­sa­dos sem que as obras ten­ham acon­te­cido.
Estes e out­ros mis­térios estão sendo objeto de inves­ti­gação interna e logo mais entregues as autori­dades com­pe­tentes.
A inadim­plên­cia de tan­tos con­vênios, o des­cumpri­mento do que deter­mina a LRF no que tange as infor­mações para os cadas­tros de reg­u­lar­i­dade junto ao SIAFI (RREO, RGF; SIOPS, SIOP e SIN­CONFI) e, ainda, ausên­cia de prestação de con­tas dos pro­gra­mas PDDE, PNAE, PNATE, SACOP, den­tre out­ros, só agrava o já desalen­tado quadro de des­or­ga­ni­za­ção.
A solução, a curto e médio prazo, para tan­tos prob­le­mas, passa por um amplo «Pacto Social», com a classe política, servi­dores, Min­istério Público, Poder Judi­ciário e a sociedade, prin­ci­pal­mente esta, que fim de tudo é quem paga as con­tas, unidos e con­tribuindo cada um destes agentes com as soluções para o municí­pio.
Não adi­anta cada um pen­sar em si, em como tirar alguma van­tagem ou fin­gir que nada têm com os prob­le­mas pois são prob­le­mas de todos com con­se­quên­cias para todos, prin­ci­pal­mente para os que mais pre­cisam.
Sem uma cor­reção de rumos, com colab­o­ração mútua, acon­te­cerá o que já pre­visto desde os sécu­los pretéri­tos: as saú­vas vencerão.
Abdon Mar­inho é advogado.