AbdonMarinho - GUERRA AOS MENINOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

GUERRA AOS MENINOS.

GUERRA AOS MENINOS.

O TIT­ULO deste texto é, sim, uma alusão à música de Roberto Car­los lançada em 1981, denom­i­nada “Guerra dos Meni­nos”. A música, de letra sim­ples, fala dever ser a infân­cia, luz em forma de menino, a inocên­cia da sabedo­ria, da esper­ança na voz de um menino e, que aos poucos, enquanto can­tavam, iam for­mando um batal­hão de paz, (com cri­anças) que vin­ham de todos os lugares e aos poucos eram mil­hões espal­hando amor aos corações.

Depois de incon­táveis «lá, lá, lá”, encerra última estrofe dizendo que «uma luz imensa apare­ceu, tocaram fortes os sinos, os sons eram divi­nos e a paz tão esper­ada acon­te­ceu, inimi­gos se abraçaram e jun­tos fes­te­jaram, o bem maior, a paz, o amor e Deus”.

Nos últi­mos tem­pos tenho pen­sando e, sobre­tudo, can­taro­lado essa música. Tenho me feito inúmeros ques­tion­a­men­tos sobre o que o país fez com o seu futuro nos últi­mos anos. O Brasil e sua sociedade fra­cas­sou. Um redun­dante fra­casso em tudo – ou quase tudo – que se ref­ere as nos­sas crianças.

As cri­anças são víti­mas e autoras (dupla­mente víti­mas) de vio­lên­cias inom­ináveis. Em ape­nas um mês diver­sos casos foram expos­tos para o con­junto da sociedade pelos meios de comu­ni­cação. Um deles, uma cri­ança de 10 anos foi morta pela polí­cia enquanto empreen­dia fuga num carro que acabara de roubar em um con­domínio com um par­ceiro de 11 anos.

O pará­grafo acima, prin­ci­pal­mente a última parte é de mere­cer ser lido como se estivésse­mos em câmera lenta e em caixa alta: UMA CRI­ANÇA DE 10 ANOS FOI MORTA PELA POLÍ­CIA ENQUANTO EMPREEN­DIA FUGA NUM CARRO QUE ACABARA DE ROUBAR EM UM CON­DOMÍNIO COM UM PAR­CEIRO DE 11 ANOS.

Não podemos ficar indifer­entes a este tipo de notí­cia. Em um mês, ape­nas um mês, li e assisti, out­ras três ou qua­tro matérias semel­hantes, envol­vendo cri­anças nesta faixa de idade, que nem entraram na adolescência.

No mesmo mês, tam­bém, tive­mos notí­cias de estupros cole­tivos, um ou dois, se não me falha a memória, prat­i­ca­dos por menores (ou com a par­tic­i­pação deles) con­tra out­ras cri­anças, adolescentes.

Quando Roberto Car­los lançou essa música, se não me falha a memória, tinha esta idade ou um pouco mais, e estava brin­cando com car­rin­hos de lata, pas­sar­in­hando, descendo as ladeiras em car­rin­hos de rolimã ou numa cox­upa de coqueiro.

A menos para mim, parece incom­preen­sível que ao invés de estarem brin­cando com car­rin­hos de lata ou de rolimã ou pas­sar­in­hando, ten­hamos cri­anças roubando car­ros (de luxo ou pop­u­lares) e tro­cando tiros com polícia.

Não são poucos os que atribuíram as mortes destas cri­anças, ocor­ri­das em ape­nas um mês, repita-​se, à bru­tal­i­dade poli­cial. Pode até ser, não podemos fechar os olhos ao fato de ter­mos uma polí­cia mal treinada, mal for­mada, por vezes, despreparada, cor­rupta e acuada pela crim­i­nal­i­dade cada vez mais cres­cente, mas não podemos nos con­tentar com esta expli­cação, colo­car mais uma vez a culpa na poli­cia e nos fur­ta­mos ao debate da questão central.

Lem­bro que quando da morte da cri­ança pela polí­cia den­tro do carro rou­bado (se não me falha a memória, uma pajero), a mãe do mesmo, em pran­tos dizia: era ape­nas uma cri­ança. Uma colo­cação ver­dadeira, abso­lu­ta­mente ver­dadeira, mas que esconde inúmeras out­ras, como por exem­plo, o que fazia uma cri­ança de dez anos, altas horas da noite, se ocu­pando do ofi­cio de roubar? Onde estava a mãe ou o pai, avós ou tios, que não tomavam de conta da cri­ança? Desta ou de tan­tas out­ras que povoam os dois lados da vio­lên­cia: como prat­i­cantes ou vítimas?

A sociedade brasileira habituou-​se a querer tratar das con­se­quên­cias das coisas sem preocupar-​se com as suas ori­gens. Faz tempo que digo – aqui mesmo – que o país enfrenta um prob­lema serio: o aban­dono das cri­anças pelo núcleo familiar.

Estas cri­anças aban­don­adas pelos seus, acabam gan­hando as ruas, seja na prática de crimes – os mais graves –, no uso de dro­gas – dos mais vari­a­dos tipos –, e aí, uma coisa vai ali­men­tando a outra (o vicio ali­menta o crime e vice-​versa), na pros­ti­tu­ição e suas variantes.

Quando apro­fun­damos qual­quer pesquisa sobre o tema con­stata­mos até absur­dos mais graves (se é que isso seja pos­sível), como a venda de meni­nos e meni­nas pelos próprios pais ou na explo­ração pelos mes­mos na prática dos mais vari­a­dos crimes.

A con­tribuição estatal a esse tipo de coisa é mate­ri­al­izada nas leis que – com a des­culpa de pro­te­ger as cri­anças e ado­les­centes – os tor­nam imunes à qual­quer punição inde­pen­dente do crime que ven­ham praticar. Uma cri­ança de até 12 anos que saque uma arma e mate um pai de família que volte do tra­balho ou da padaria, não sofre qual­quer con­se­quên­cia pelo seu ato. Ele é sim­ples­mente entregue aos pais e pode voltar para casa e dormir tran­qüilo, podendo no dia seguinte fazer tudo de novo.

A situ­ação das cri­anças mor­tas ou deti­das no último mês e que nos refe­r­i­mos neste texto (os autores) já tin­ham diver­sas pas­sagens pela polí­cia, pela prática de crimes semelhantes.

Emb­ora em menor número, tam­bém, não temos como deixar de recon­hecer a outra con­tribuição mate­ri­al­izada no estim­ulo à mater­nidade incen­ti­vada por pro­gra­mas soci­ais como “Bolsa Família” e seus correlatos.

Lem­bro de já ter con­tado por aqui a exper­iên­cia vivida por uma amiga feita secretária munic­i­pal de saúde em deter­mi­nado inte­rior maran­hense. Repito. Certa vez ela chegou ao tra­balho e encon­trou uma cri­ança, com no máx­imo 13 anos, em adi­antado estado de ges­tação. Chamou-​a para alerta-​lhe dos riscos da gravidez na ado­lescên­cia e dos cuida­dos que dev­e­ria ter. Foi a vez da ado­les­cente surpreende-​la: – Doutora, já sei destes riscos. Este já é o meu segundo filho. O primeiro “fiz” porque pre­cisava “arru­mar” a casa, agora, com este, com­binei com o pai dele, que vamos com­prar uma moto.

Os pro­gra­mas soci­ais no Brasil – que nasce­ram com o propósito de serem pro­visórios –, viraram per­ma­nentes e, pior, não temos mais como pre­scindir dos mes­mos. Outro dia um amigo, advo­gado do inte­rior, chegou para mim e disse: – Abdon, se o gov­erno acabar com os pro­gra­mas nos moldes dos “Bolsa Família” é só a «conta» de muita gente mor­rer de fome. Ninguém pro­duz mais nada no inte­rior, fazem um “bico” aqui ou ali e pas­sam o resto do mês pedindo esmo­las aos políti­cos e esperando o bolsa família, a aposen­ta­do­ria do INSS, o seguro-​defeso, etc.

A real­i­dade é esta: os pro­gra­mas foram detur­pa­dos, viraram esmo­las, moedas de tro­cas políti­cas e incen­tivos para as pes­soas terem fil­hos como estraté­gia para mel­ho­rar a renda famil­iar. Sem con­tar as infind­áveis fraudes.

Um país onde cri­anças nascem para sus­ten­tar adul­tos não tem perigo algum de dar certo. As últi­mas décadas é prova viva do que digo.

No episó­dio em que a criança/​assaltante foi morta pela polí­cia (dói dizer isso, mas não temos como dizer difer­ente), a mãe ou tia bra­dava: «– era uma cri­ança; era uma cri­ança». Pena que só fora enx­er­gar que era uma cri­ança quando esten­dida no asfalto. Ninguém lem­brou tratar-​se de uma cri­ança quando esta neces­si­tava de cuida­dos, acom­pan­hamento ou mesmo amor.

A guerra dos meni­nos de Roberto Car­los, can­tada como um hino de paz, não acon­te­ceu, no seu lugar, o país nos brinda com uma «guerra aos meni­nos», onde o que se escuta é o barulho dos tiros, o brandir das facas. Uma guerra onde não tem espaço para a inocência.

Ninguém é inocente no Brasil.

Abdon Mar­inho é advogado.