AbdonMarinho - UM NOVO MENSALÃO?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UM NOVO MENSALÃO?

UM NOVO MENSALÃO?

Em 2005 foi denun­ci­ado o esquema de com­pra de par­la­mentares pelos atu­ais donatários do poder. Inves­ti­gações real­izadas pela polí­cia fed­eral, com­pro­vou os crimes denun­ci­a­dos, levando o judi­ciário, através de sua instân­cia máx­ima, o STF, a acatar a denún­cia do min­istério público e con­denar mais de duas dezenas de políti­cos, empresários, ban­queiros, cor­rup­tos de vários naipes.

Nos últi­mos dias os mes­mos donatários do poder nos brindam mais um escân­dalo de grandes pro­porções, este, envol­vendo, mais uma vez, o Con­gresso Nacional, mais pre­cisa­mente o Senado da República. Primeiro fiz­eram o que podiam e o que não deviam para impedir a insta­lação da CPI, depois escol­heram os inte­grantes “a dedo”, con­duzi­ram os tra­bal­hos a não causar nen­hum abor­rec­i­mento ao governo.

Ape­sar disso tudo, de todos os inte­grantes da CPI rezarem na car­tilha do gov­erno, tin­ham que ir além. Como se tornaram useiros e vezeiros no desre­speito as insti­tu­ições repub­li­canas, tin­ham que ava­cal­har o Con­gresso Nacional, fazendo com que senadores, depoentes, jor­nal­is­tas, servi­dores e a pop­u­lação em geral, fizessem papel de bobos, enquanto gas­tavam horas e horas em depoi­men­tos, que na ver­dade não pas­savam de uma ence­nação grotesca.

Emb­ora, a primeira vista, pareça ape­nas um peça do teatro da depressão com a qual a política nacional nos assom­bra de tem­pos em tem­pos, acho que esta­mos diante de algo bem mais grave. O fato em si, já de gravi­dade ímpar – e emb­ora viva­mos em tem­pos de rel­a­tiviza­ção da ética –, parece pas­sar de qual­quer medida que se desmor­al­ize, a esse ponto, o Senado da República. Esta­mos falando de senadores, rep­re­sen­tantes dos esta­dos da fed­er­ação que acor­daram ou foram usa­dos por inte­grantes do gov­erno para sim­u­lar uma inves­ti­gação do Con­gresso Nacional, enganando os demais senadores, par­la­mentares e o povo brasileiro. Algo tão ou mais grave que a suposta troca de favores, as nego­ci­ações espúrias, as mesadas pagas em troca de apoio nos primeiros anos da década passada.

Durante anos os exec­u­tivos da Petro­bras se gabaram de serem, os mais com­pe­tentes, os mais capazes. Se são tudo isso, qua a neces­si­dade de se valerem do instru­mento da fraude para respon­der a uma comis­são tão domes­ti­cada? Rece­ber as per­gun­tas com ante­ci­pação e, mais que isso, ensa­iar com os téc­ni­cos, advo­ga­dos, as respostas, não parece ridículo para exec­u­tivos tão com­pe­tentes? Colar é coisa que nem mesmo os alunos mais vagabun­dos da sétima série ainda fazem.

Na ver­dade, temos duas situ­ações a mere­cerem atenção, a primeira que esses diri­gentes da Petro­bras, chama­dos de téc­ni­cos não devem ser tão com­pe­tentes assim, se o fos­sem não se vale­riam de expe­di­entes tão sór­di­dos; a segunda, que o negó­cio que fiz­eram era de tal forma danoso aos inter­esses do país que só através de per­gun­tas com­bi­nadas e respostas ensa­iadas pode­riam respondê-​las. Em ambos os casos sobra a falta de pos­tura dos que par­tic­i­param da farsa.

Esta­mos as por­tas de eleições gerais. Em out­ubro escol­her­e­mos pres­i­dente, senadores, gov­er­nadores, dep­uta­dos fed­erais e estad­u­ais, rep­re­sen­tantes de poderes cujo papel a ser exer­cido de forma har­mônica é a vig­ilân­cia de um sobre o outro e não em con­luio. E, con­tra os inter­esses dos cidadãos, montarem farsas.

Essa última estrip­u­lia dos donos do poder é um grave aten­tado a ordem insti­tu­cional e a própria democ­ra­cia e por isso merece rig­orosa apu­ração e punição. Como é que o cidadão pode ir a urna escol­her seus rep­re­sen­tantes se eles, ao invés de exercerem os papeis que lhe cabem, con­cor­dam com esse tipo de armação, com esse tipo de engodo? A leitura que se faz é que esses rep­re­sen­tantes têm os cidadãos que votam e pagam impos­tos a não mais poderem, na conta de arremata­dos otários. Mais, que eles quando estão no poder estão pouco lig­ando para a del­e­gação de poder que rece­beram, por isso mesmo fazem qual­quer tipo de negó­cio, inclu­sive gas­tar mil­hões e mil­hões em um teatro para ludib­riar os eleitores que con­fi­aram o mandato.

A comprovar-​se o que está noti­ci­ado, sig­nifica que para os engen­draram essa armação, não existe qual­quer lim­ite a ser ultra­pas­sado, sig­nifica o desprezo total e abso­luto pelas insti­tu­ições e pela democ­ra­cia que ten­ta­mos a todo o custo con­struir. Se no men­salão orig­i­nal as nego­ci­ações, as com­pras de apoio se deram através de pes­soas jurídi­cas de dire­ito pri­vado, os par­tidos políti­cos, nesta, o acon­te­cido ocorre den­tro de uma Comis­são do Senado da República, seus artí­fices são senadores, exec­u­tivos da maior empresa do Brasil, a Petro­bras, servi­dores públi­cos dos mais altos escalões do Con­gresso e do Exec­u­tivo. Todos agentes públi­cos, pagos pelos con­tribuintes para defend­erem os inter­esses do país e que não pode­riam, em hipótese alguma, coon­es­tar com essas práti­cas. Não adi­anta o gov­erno e seus xerim­ba­bos tentarem dizer que não ocor­reu nada demais, que é nor­mal o que fiz­eram. Não é.

Por mais que se tente, não há outra palavra a definir o engodo, a farsa, o teatro que mon­taram que não crime. Um crime con­tra a democ­ra­cia, um crime de lesa-​pátria que o só o cin­ismo mais ver­gonhoso faz com que se ignore e se tente colo­car “panos quentes”. Pou­cas vezes na história deste país de tan­tos exem­p­los desas­trosos se viu sub­me­ter um par­la­mento a tamanha humil­hação. Vivêsse­mos sob o império das leis, seus autores seriam expul­sos dos car­gos e mandatos pelas por­tas dos fun­dos, sujeitando-​se ainda a pas­sar uma boa tem­po­rada atrás das grades.

Infe­liz­mente, no Brasil, ninguém liga, os mes­mos que desre­speitam a democ­ra­cia são eleitos e reeleitos inúmeras vezes, crimes viram meras “esperteza\» e seus autores são rec­om­pen­sa­dos e festejados.

Abdon Mar­inho é advogado.