AbdonMarinho - A vitória e o preconceito reverso.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A vitória e o pre­con­ceito reverso.


A VITÓRIA E O PRE­CON­CEITO REVERSO.

Por Abdon C. Marinho.

DEPOIS que me inscrevi para dis­putar a vaga de desem­bar­gador no critério do quinto con­sti­tu­cional – nos ter­mos da Con­sti­tu­ição um quinto das vagas dos tri­bunais devem ser des­ti­nadas alter­nada­mente aos mem­bros da Advo­ca­cia e do Min­istério Público –, alguns e queri­dos ami­gos têm me abor­dado com uma indagação:

—Abdon, quais são as “nos­sas” chances de chegar lá, de lhe ter­mos como desem­bar­gador?

A todos – até para evi­tar fal­sas esper­anças diante da com­plex­i­dade do processo: primeiro os advo­ga­dos escol­hem 12 (doze); depois o Con­selho do OABMA escolhe 06 (seis); aí o TJMA escolhe 03(três); e por fim, o gov­er­nador escolhe 01(um) –, tenho dito:

— A nossa maior vitória é ter­mos chegado até aqui.

Se algum mais “teimoso” ou curioso argu­menta que diver­sos out­ros cole­gas igual­mente capazes tam­bém chegaram “até aqui”.

Com­pleto a resposta com ver­são “standard”:

— Pois é, mas difi­cil­mente (ou descon­heço) algum fez o mesmo “cam­inho” que fize­mos para chegar onde chegamos.

Con­cluo dizendo que até esse ponto da cam­in­hada depen­deu de nós, já, daqui para frente, depende de out­ras pes­soas: do jul­ga­mento dos cole­gas advo­ga­dos e das cole­gas advo­gadas que, pela primeira vez, terão a opor­tu­nidade de escol­her livre­mente quem gostariam de ter como rep­re­sen­tante no Tri­bunal de Justiça; do Con­selho Estad­ual; dos mem­bros do próprio tri­bunal; e do governador.

É o grau de con­sciên­cia e de con­sci­en­ti­za­ção sobre a importân­cia do ato de escol­her que fará a difer­ença. E esse ato já não depende de mim – ou de qual­quer outro can­didato, mas, sim, dos “eleitores”: advo­gadas e advo­ga­dos.

Imagina-​se – e essa é a minha real expec­ta­tiva –, que antes de votar nos can­didatos à vaga disponível, esse eleitorado faça uma análise cri­te­riosa da vida de cada um, para escol­her aque­les que mel­hor possa desem­pen­har a mis­são que lhe será con­fi­ada.

Trata-​se de uma escolha impor­tante e, tam­bém, uma respon­s­abil­i­dade imensa dos advo­ga­dos e advo­gadas, pois, difer­ente de eleições comuns – de prefeitos, vereadores, dep­uta­dos, gov­er­nadores, senadores e até pres­i­dente da República –, que se sub­me­tem ao jul­ga­mento de rotina a cada qua­tro anos, escol­her­e­mos alguém que ditará a justiça de forma vitalí­cia, por anos, por décadas – muitas décadas, em alguns casos.

Acred­ito que todas essas questões serão sope­sadas na hora da escolha.

Não será um tap­inha nas costas, um “happy hour”, um almoço, um jan­tar ou uma visita que serão deter­mi­nantes para a escolha do futuro rep­re­sen­tante da advo­ca­cia nos tri­bunais, mas, sim, o que as e os pos­tu­lantes fiz­eram ao longo da vida – pelo menos imag­ino isso.

Nesse sen­tido que “con­tabi­lizo” como vitória ter­mos chegado até aqui – ainda mais quando lem­bro que há pouco mais de cinquenta anos, quando fui acometido pela poliomielite, os médi­cos dis­seram que não sobre­vive­ria, caso viesse a “escapar”, jamais iria andar –, cinquenta anos depois, sobre­vivi, andei, corri pra cima e pra baixo, e, ape­sar de tudo, sobre­vive­mos “sem um arran­hão” e aqui esta­mos como can­didato a desem­bar­gador.

Vez ou outra quando algum me per­gunta como estou. Respondo: — escapando. Rsrs.

Essa é a ver­dadeira vitória. Um filho de agricul­tores anal­fa­betos, que pas­sou por todas as difi­cul­dades da vida, nunca se deu por ven­cido e levou uma vida pro­du­tiva e respeitável.

Essa pos­tu­lação tem mostrado isso.

Tenho rece­bido diver­sas man­i­fes­tações de cole­gas advo­ga­dos.

Outro dia recebi uma men­sagem de apoio emo­cionada do Dr. Car­los Couto, que muito me ensi­nou; não faz muito li em um grupo de What­sApp uma declar­ação do Dr. Vini­cius César de Berrêdo Mar­tins, me colo­cando entre aque­les cole­gas que dig­nifi­cam a advo­ca­cia maran­hense – reg­istro que na nossa car­reira comum de advo­ga­dos, doutor Viní­cius e eu sem­pre estive­mos em lados opos­tos; doutra feita, há mais tempo, recebi uma declar­ação do pro­fes­sor doutor José Claú­dio Pavão San­tana, onde o mesmo dizia sen­tir orgulho por ter sido seu aluno.

Essas ape­nas algu­mas declar­ações já que as out­ras, igual­mente impor­tantes, por não terem sido dadas em ambi­ente público ou por não ter sido autor­izado, guardo reservas.

São essas coisas que me fazem vito­rioso inde­pen­dente do resul­tado dos vários escrutínios do processo eleitoral para o quinto: a certeza que não me afastei dos meus princí­pios.

Agora mesmo, sou colo­cado diante de uma questão.

Como sabem – informei isso no dia –, por ocasião do reg­istro da can­di­datura ao quinto não estava na cidade. Como decidi ser can­didato na undécima hora, deixei com amigos/​auxiliares a incum­bên­cia de jun­tar os últi­mos doc­u­men­tos (cer­tidões de atu­ação proces­sual e out­ros doc­u­men­tos), com a ori­en­tação de não deixar de jun­tar nada, bem como, de efe­t­uar o reg­istro já que estaria ocu­pado em diver­sos com­pro­mis­sos inadiáveis de tra­balho no inte­rior e que a inter­net, às vezes, sobre­tudo em perío­dos de chuva, nos deixa na mão.

Estava em uma reunião na Câmara de Vereadores de Luís Domingues, às 17:30 horas, quando recebo uma lig­ação da equipe. Do outro lado linha, o amigo Emer­son Pinto, que estava coor­de­nando o reg­istro informa: — pre­cisamos de uma fotografia 3×4, para jun­tar no reg­istro. Outra coisa, tu te declaras, branco, preto ou pardo?

A resposta veio automática, pois desde sem­pre foi assim que me iden­ti­fiquei: — Pardo.

E corri para prov­i­den­ciar a dita fotografia. Alguém empurrou-​me, numa cadeira de rodízio, para uma parede de fundo branco para que ficasse mel­hor, tiramos e encam­in­hamos para o reg­istro. Ato con­tínuo, seguimos com a reunião e no iní­cio da noite anun­ci­ava que fiz­eram o reg­istro de can­di­datura.

Esqueci do assunto e segui com a “cam­panha”, normalmente.

Na última sem­ana (terça-​feira) recebi da Comis­são Eleitoral um edi­tal para com­pare­cer a comis­são para identificar-​me, bem como, uma inti­mação sobre uma impug­nação da can­di­datura por haver me declar­ado pardo.

Não teria qual­quer con­se­quên­cia, caso não com­pare­cesse, bem como, a impug­nação seria jul­gada deserta se me RETRATASSE.

Aí surgiu uma questão de princí­pio e pre­con­ceito reverso.

Ora, não me declarei pardo para inte­grar qual­quer cota – muito emb­ora recon­heça a importân­cia das ações afir­ma­ti­vas –, no meu tempo não exis­tia essa política, pobres, ricos, pre­tos, bran­cos, par­dos, indí­ge­nas, amare­los ou de qual­quer cor, faziam o mesmo vestibu­lar e dis­putavam as mes­mas vagas nos vestibu­lares da UFMA ou da UEMA.

Quando, no calor do pedido de reg­istro disse que era pardo, o fiz por ser essa uma expressão da ver­dade.

Meus avós pater­nos eram negros; meus avós mater­nos, emb­ora não fos­sem “bran­cos”, eram mais claros; logo, meu pai era negro e minha mãe “branca”. E nós, seus fil­hos, por parte de pai, mãe e parteira, nasce­mos mul­ti­col­ori­dos, uns mais escuros, uns mais claros. Os mais escuros, aliás, até os chamamos de “nego”, o nego Goça, o nego Armando …

Muito emb­ora não tenha tido qual­quer intenção de con­cor­rer uti­lizando cota – se fosse uti­lizar alguma teria sido em relação a defi­ciên­cia, pois tal condição e o fato de ter que fazer fisioter­apia três vezes na sem­ana por conta da ter­ceira recidiva da doença, têm impe­dido de via­jar em cam­panha pelo inte­rior e até mesmo de vis­i­tar os cole­gas –, retratar-​me para dizer que sou “branco” seria/​será negar minha história, min­has ori­gens – e até meus doc­u­men­tos ofi­ci­ais –, e não posso fazer isso pois tenho orgulho delas.

Ninguém pode se retratar da ver­dade e das suas ori­gens.

Aliás, quando estudei no Liceu Maran­hense, tive uma pro­fes­sora extra­ordinária, Profª. Maria da Luz, ela lecionava Orga­ni­za­ção Social e Política Brasileira (OSPB), no Liceu e matéria sim­i­lar no Santa Tereza, dessa con­vivên­cia com real­i­dades tão dís­pares nos doava o mel­hor que podia.

Essa pro­fes­sora, uma “negra ret­inta”, como se dizia antiga­mente, uma autên­tica princesa da África, me dizia sem­pre: — Abdon, teus genes negros são mais acen­tu­a­dos que os meus, branco nen­hum tem esse for­mato de nariz que tens.

Mas essa é ape­nas uma digressão. Não pre­tendi de forma alguma con­cor­rer através de cota, mas retratar-​me para sat­is­fazer algum tipo de patrulha, negando min­has ori­gens e ances­tral­i­dade é algo que não posso aceitar. Não vou negar meus avós, negar os meus pais, negar meus irmãos. Jamais faria isso.

Como disse na defesa, aceitarei a decisão da comis­são, mas não posso me retratar da ver­dade. Não faço isso por uma questão de dig­nidade e princí­pio.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.