AbdonMarinho - Cotidiano
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

NO DIA DA MENTIRA, CONSIDERAÇÕES SOBRE A VERDADE. 

Por Abdon Marinho.

DESDE que voltei a escrever,  há cerca de seis anos – e fiz isso por sugestão de um amigo jornalista que me propôs ter uma coluna em um jornal local –, me deparo com uma constatação: o medo e, também, o incômodo, que a verdade causa. 

Tanto assim, que já escrevi sobre este fato, por baixo, uma dúzia de vezes. 

Penso, por vezes, que isso se deve àquela velha lenda – já contada aqui –, mas que sempre é bom repetir.

Conta a lenda que certa vez andava a Verdade por uma estradinha bucólica do interior quando avistou a Mentira tomando um refrescante banho em um riacho. 

— Bom dia, Verdade! Dia quente, não é? 

A Verdade sentido o calor que lhe tomava o corpo, concordou:

— Sim. O dia está, de fato, muito quente.

A Mentira, então,  prosseguiu:

— Pois é, devido a isso resolvi parar e me refrescar neste arroio. A água límpida está uma delícia. Venha se refrescar um pouco.

A Verdade, vendo a limpidez da água e o seu frescor, concordou em nadar um pouco a fim de fazer passar o calor. Despiu-se e entrou na água. 

Era um ardil da Mentira. Já nas primeiras braçadas da Verdade, aquela (a Mentira) pegou-lhe as roupas e vestiu-se, saindo por aí propagando-se com as vestes da Verdade.

Já a Verdade, por sua vez,  recusou-se a vestir as roupas da Mentira e passou a andar nua. 

E assim foi. Por isso que muitos (senão a maioria), preferem enganar-se com a Mentira vestida com as roupas da Verdade a ter que conviver com a Verdade nua e crua. 

O anônimo que contou, pela primeira, vez tal lenda não poderia ter sido mais feliz. 

Com o passar dos anos – a culminar com os dias atuais –, assistimos as pessoas preferirem a mentira, o engodo, a empulhação a ter que conviver com a verdade na sua inteireza; preferirem a adulação desavergonhada  ao conselho sincero.

Na quadra atual uma das vestes da mentira atende pelo nome de “pós-verdade”, um emaranhado de informações desencontradas que longe de serem verdades são “vendidas” como tais. 

Como se a verdade pudesse ser relativizada, como se a mentira ou o engodo fossem uma “versão” da verdade, quando não é, aliás, nunca foi. Nada mais é do que outro ardil da mentira. 

Para nossa tristeza, constatamos que o mundo – dito –,  civilizado atual é dos enganadores, dos falsos, dos aduladores e dos hipócritas. E, também, dos tolos e ingênuos que gostam – e preferem – a  enganação, a mentira.

Queres perder um amigo? Seja sincero com ele. Diga-lhe, sem reservas, o que efetivamente pensas. 

Poucas são as amizades que resistem ao escrutínio da verdade. 

Essa é a constatação que fiz desde que comecei a externar publicamente minhas posições sobre os temas colocados perante a sociedade, nestes anos. 

Nos mais de mil textos que escrevi – e que faço questão que sejam longos, na intenção que as pessoas, de fato, parem para ler –, ninguém aponta uma mentira, uma incorreção, uma maldade. Apenas verdades e opiniões pessoais as quais sempre se pode –  e se deve –, questionar, faz parte do debate. Mas, são minhas opiniões, meus questionamentos, minhas inquietações.

A verdade é a matéria-prima dos textos que escrevo. Não me ocupo de escrever sobre pessoas, mas sim, sobre fatos, situações e ideias, por isso mesmo, só cito qualquer nome próprio quando isso é imprescindível para a compreensão do texto. 

Apesar disso – talvez por isso –, incomodam-se tanto. Não pelo texto em si. O que causa o descontentamento é a verdade nua e crua. É a falta do que questionar. 

É um defeito que tenho. Aprendi, ainda menino, que a verdade “cabe” em qualquer lugar e que o “errado” é “da conta” de todo mundo. 

Assim, ao meu sentir, apontar equívocos, discordar de posicionamentos, cobrar o que  entendemos correto, nada mais é que um ato de cidadania. 

Infelizmente, causa estranhamento, parece não ser mais assim, isso foi noutros tempos, antes da marginalização da verdade, antes que a mesma fosse colocada na clandestinidade ou tida por blasfêmia. 

Hoje, se dizes algo já pensam que é movido por algum interesse: atendido ou contrariado. Ninguém compreende a manifestação livre e desimpedida como um ato de indignação cidadã.

Outro dia alguém me perguntou se tinha algum interesse por escrever o que escrevo; outro, o que eu “ganhava” com isso; um terceiro, mais incomodado ou com o desejo de “prestar serviço” ou só adular, partiu para a difamação. 

Quando retomei a escrita como um ato de exercício de cidadania – lá por volta de 2012 –, diziam que era por conta da oposição ao grupo político de então, donatários do poder de longas datas. Nunca foi. Apenas achava (e acho) errado muitas práticas empreendidas por aqueles governantes. 

Agora, já no quinto ano do governo comunista (oposição(?) ao antigo grupo, mas similar nas práticas) dizem a mesma coisa: que sou “de oposição”, “do contra”, “revoltado”, “doidão”, e tantas outras adjetivações. 

Isso quando não partem para a agressão mais rasteira ou o ataque vulgar. 

A estes não socorre a ideia que apenas exerço uma conquista legítima e pela qual tanto lutamos,  e com a qual me identifico, desde sempre: o direito de expor meus pensamentos, chamada  liberdade de expressão. 

Outrora, quando escassos os meios de comunicação, dizia-se que a liberdade de pensamento era privilégio de alguns, dos ricos, das elites proprietárias dos veículos de comunicação. Hoje, quando qualquer um pode dizer e difundir o seu pensamento, nunca se viu tanta indigência intelectual, tanta pobreza de ideias, tanto maltrato a verdade. 

Certa vez perguntei a um amigo da mídia a razão de ninguém “ligar” para a verdade, questionando-o  para o fato de termos uma “imprensa” tão pouco comprometida com o seu papel social. 

Respondeu-me de forma cortante: — Abdon, metade dela (imprensa) anda em “carrões”, mora em mansões. Escrevem apenas para agradar os que estão lhes pagando. A isso dão o nome de “parceria”. A outra metade esta “doida” para andar em “carrões” e morar em mansões. 

Deu por encerrado o assunto.

Decerto, devemos relevar o exagero daquele amigo. Não é possível que “todos” estejam mais comprometidos com a “sua” verdade – ou interesses –, do que com a verdade real. E, talvez, seja bem mais que a exceção, para justificar a regra.

O certo é que os cidadãos de bem não podemos nos conformar com o império da mentira. Não devemos nos calar e permitir que mentira continue a levar vantagem em detrimento dos interesses maiores da sociedade. 

E devemos fazer isso sem qualquer receio, sem qualquer medo de retaliação, e movidos apenas pelo interesse do triunfo da verdade. 

Por fim, meus amigos, a verdade tornou-se tão rara e inusitada que ao invés de se ter um dia dedicado à mentira deveríamos termos um dedicado à verdade. Seria mais justo.

Abdon Marinho é advogado