FORMIGAS E CIGARRAS.
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- Criado: Sexta, 17 Julho 2015 16:30
- Escrito por Abdon Marinho
FORMIGAS E CIGARRAS.
Este ano a Alemanha ficou de fora do campeonato mundial de fórmula um. Acompanho a modalidade esportiva desde criança, o que já se conta em décadas, mais de trinta anos e neste período nunca ficamos sem o GP da Alemanha, em alguns anos até dois.
Aliás, segundo soube, a última vez que o país ficou de fora do mundial, foi em 1960 e vejam que já realizavam corridas de carros desde 1923. Nos últimos anos a etapa do circuito ocorriam em revezamento entre os circuitos de Nürburgring e Hockenheim.
O lado positivo é não termos que ouvir, pela enésima vez, aquele conhecido narrador explicar que parte do autódromo de Hockenheim não fica mais dentro da Floresta Negra, que tiraram a parte que ficava dentro.
Uma das alegações para a não realização da etapa é a crise econômica. Não sei se há investimento estatal no evento, mas a informação que nos chega é que organizadores e administradores do circuito não chegaram a um acordo sobre os custos do mesmo, preferindo o cancelamento.
A Alemanha com seus 80 milhões de habitantes, um PIB de US$ 3,5 trilhões de dólares, e renda per capita de US$ 43 mil dólares, sabe que cada centavo economizado tem importância e deve ser valorizado. Em que pese a crise econômica não afetar tanto no bolso da população, já que a sua economia é a mais forte do continente, entendem que os tempos são de parcimônia e zelo com o dinheiro.
Vejam que a Alemanha é possuidora de grandes empresas automobilísticas, como a Volkswagen e a Mercedes, que desponta no campeonato mundial. Mesmo assim entendem que não é hora de se fazer gastos que não sejam essenciais.
Esse caráter disciplinado do povo alemão é uma das causas das desavenças com alguns dos seus vizinhos.
Por conta da crise econômica na Grécia, os alemães são criticados por não serem mais flexíveis com os gregos, dispensarem parte da dívida que o país em crise tem com eles.
A Alemanha entende que a dívida foi contraída por conta do descontrole dos administradores gregos que não economizaram e sairam gastando a torto e a direito como se o dinheiro não tivesse fim. Pior, pedindo dinheiro emprestado.
Se atravessarmos o Atlântico e aportamos em um país tropical ao sul do equador, com uma população de 200 milhões de habitantes, um PIB bem inferior ao alemão (US$ 2,48 trilhões de dólares) e renda per capita de meros US$ 12,5 mil dólares, com praticamente todas as autoridades sendo investigadas pelas mais diversas práticas de corrupção, com graves desentendimentos entre os poderes, com recessão, indicadores apontando que a retração do PIB será de 2% (dois por cento) ou mais, com a inflação ameaçando chegar a 10% (dez por cento), infraestrutura de rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos em colapso, a palavra crise parece não existir.
O Brasil realizou uma Copa do Mundo no maior numero de estados possível – e queria mais – para agradar os chefetes estaduais. Para isso, investiu na construção de diversas arenas esportivas, que passado um ano, são absurdamente deficitárias, que custaram caro ao contribuinte e que não dão retorno algum.
Isso, sem contar os milhões que foram dragados pela corrupção.
Tudo porque o Brasil queria se mostrar para mundo como grande potência, incapaz de ser atingida pela crise.
Nesta mesma linha, e atender fetiches ideológicos, o Brasil saiu por aí emprestando e financiando, através do BNDES, obras em diversas ditaduras e semi-ditaduras na América Latina, Caribe e África. Dinheiro do contribuinte que deixaram o país para financiar hidrelétricas, portos, metrôs, rodovias. Mais, os diversos perdões de dividas de muitas destas nações.
Nem falemos, da forma leniente com que o Brasil tratou a usurpação, pelo governo da Bolívia, do patrimônio da Petrobras.
Mas podemos, somos ricos.
Com todas essas graças e desvios, as perdas do país são contadas em bilhões de dólares. Dinheiro seu, meu, nosso.
Apesar disso a sociedade não se apercebe da gravidade que vivemos, continuamos embevecidos pelo consumo desenfreados de produtos nacionais e principalmente os vindos de outros países. Quem frequenta shopping center, dificilmente encontra algum que não esteja lotado a qualquer dia da semana e a qualquer hora.
Não bastasse a poupança privada esvair-se no ralo do consumo, o país indiferente a crise, financia, com o dinheiro público todo tipo de farra. As que darão algum lucro e aquelas que só servirão para enricar os oportunistas de sempre.
Se avançamos Brasil a dentro e chegarmos ao Maranhão, um dos mais pobres estados da federação, perceberemos que a crise não chegou mesmo por aqui.
Os municípios não produzem nada, não geram praticamente nenhuma riqueza, estão absolutamente quebrados mais não cessam de fazer festas.
Não faz muito encerrou-se as festividades juninas. Indiferentes à cultura local, os municípios, ao que parece, competiam para saber quem bancava as atrações mais caras, as bandas mais famosas. Se somarmos o que foi gasto em junho, veremos que pequenas fortunas se esvaíram com as festas, como se a economia estivesse numa boa e como se o dinheiro estivesse sobrando.
Nada contra que se comemore, festeje e se incentive a cultura local, mas que estas festanças sejam bancadas com recursos privados, que sejam pagos pelos que lucram e não pelo conjunto da sociedade.
O Maranhão continua investindo no turismo de forma enviesada, invertida. Pois ao invés de atrairmos os turistas para que gastem aqui, ocupem a rede hoteleira local, fazemos é atrair milhares de bandas de diversos estados para que levem o dinheiro do povo maranhense, assim como as fábricas de bebidas que abocanham sua parte.
Vemos o governo estadual, junto com os municípios, investindo no turismo assim. Ao invés de incentivar a cultura local para que ela atraia os turistas, atraímos bandas caríssimas.
Nesta forma equivocada de ver as coisas estão todos: municípios, governo estadual e deputados estaduais (com suas emendas “culturais”).
Não duvidem, o Maranhão, assim como Brasil, é uma terra muito rica, o dinheiro, brota e sobra. Pobre mesmo e a Alemanha que diante de simples e boba crise, deixa de realizar um evento quase centenário.
Vendo estas coisas, lembro de uma história, ouvida ainda na infância. Dizia que numa terra distante habitavam formigas e cigarras. Durante todo o verão as formigas não cessavam o trabalho, organizando sua casa e guardando alimento. Enquanto isso a cigarra estava de farra em farra, cantando dia e noite. Para encurtar a conversa quando o inverno chegou a formiga tinha alimento para atravessa-lo e a casa aquecida para ficar. Já a cigarra, sem casa e alimento, pereceu.
Ao que parece, o Brasil, o Maranhão e seus municípios, tal como a cigarra, não se deram conta, sequer, da crise que atravessa o país, continuam na farra, na velha e surrada política do pão e circo.
Abdon Marinho é advogado.