AbdonMarinho - Barra Torres “pisa” mãe de Bolsonaro, que foge.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Barra Tor­res “pisa” mãe de Bol­sonaro, que foge.

BARRA TOR­RES PISA MÃE DE BOL­SONARO, QUE FOGE.

Por Abdon Marinho.

ANTIGA­MENTE, há muito anos, lá na minha aldeia quando havia uma rusga entre dois meni­nos era comum que se fizesse dois riscos na terra sim­bolizando as mães dos con­tendores.

Riscos feitos, era aguardar quem iria pas­sar o pé sobre a “mãe” do outro para ini­ciar a peleja até que hou­vesse um vence­dor ou a turma do “deixa disso” apartasse a briga.

Na quinta-​feira, 6 de janeiro de 2022, o pres­i­dente da República, Jair Bol­sonaro, fez os dois riscos no chão ao sug­erir inter­esses sub­al­ter­nos da ANVISA na aprovação da vacina pediátrica da Pfizer para cri­anças de cinco a onze anos.

Em uma entre­vista, onde revelava-​se desin­for­mação sobre o número de víti­mas naquela faixa etária, que segundo o próprio Min­istério da Saúde, ultra­passa três cen­te­nas de mortes, disse sua excelên­cia: “Qual é o inter­esse da Anvisa por trás disso aí? Qual o inter­esse daque­las pes­soas taradas por vacina? É pela sua vida? É pela sua saúde?»

Qual seria o inter­esse “por trás” de uma agên­cia reg­u­ladora do Estado?

Foi essa insin­u­ação mal­dosa da parte do pres­i­dente, lev­an­tando dúvi­das sobre uma decisão téc­nica da agên­cia que levou o gen­eral Barra Tor­res a “pisar” o risco cor­re­spon­dente à mãe do pres­i­dente, na nossa ale­go­ria, e escora-​lo com um soco de dire­ita nas “fuças”.

A Anvisa nada fez senão aprovar uma med­icação (vaci­nas) para cri­anças de 5 a 11 anos na esteira do que fiz­eram, desde o ano pas­sado, out­ras grandes e respeitáveis agên­cias, como a amer­i­cana e a europeia, sem que ninguém sug­erisse ou insin­u­asse que a aprovação se deu porque tais agên­cias tin­ham “inter­esse por trás disso aí”.

O que as agên­cias fazem é apu­rar com rigor extremo os riscos que um medica­mento ou imu­nizante pode trazer para quem o ingerir ou inoc­u­lar. Apu­rado o risco faz-​se o cote­ja­mento entre as van­ta­gens e desvan­ta­gens de se aprovar o medica­mento e/​ou imu­nizante.

No caso em tela as agên­cias chegaram à con­clusão que as van­ta­gens são infini­ta­mente maiores que as desvan­ta­gens oca­sion­adas por alguma inter­cor­rên­cia ou efeito colat­eral que, segundo as pesquisas, são rarís­si­mos e/​ou desprezíveis.

Os cidadãos, acred­i­ta­mos que uma agên­cia reg­u­ladora com tamanha respon­s­abil­i­dade não iria aprovar alguma coisa a ser min­istrada a estes cidadãos moti­vada por “inter­esses por trás disso aí”.

Chega a ser ina­cred­itável que um pres­i­dente da República coloque em dúvida o tra­balho de agên­cia reg­u­ladora do Estado e a hon­radez dos seus inte­grantes.

Chega a ser mais ina­cred­itável, ainda, que a Procuradoria-​Geral da República e o Con­gresso Nacional se man­tenha, até agora, diante de fatos de tamanha gravi­dade como se nada tivesse acon­te­cido e guarde um silên­cio sepul­cral.

Chega a ser bisonho que a honra da pátria ultra­jada pelos despautérios da excelên­cia que pre­side o país tenha sido feita por uma emis­sora de tele­visão, a Rede Globo, que em edi­to­r­ial no seu prin­ci­pal noti­cioso, o Jor­nal Nacional, repôs as coisas aos seus dev­i­dos ter­mos e ainda “puxou” a orelha da autori­dade na mesma quinta-​feira.

Mas a resposta ver­dadeira­mente acacha­pante veio na “nota-​pisa” de Bar­ras Tor­res, no sábado.

A nota de Barra Tor­res é de uma sin­geleza cor­tante e rev­ela muito mais pelo não dito que pelo dito.

Começa por dizer serviu ao país por 32 anos, como Ofi­cial Gen­eral da Mar­inha, pau­tando a vida pes­soal na aus­teri­dade e na honra.

Quem não teria honra?

Prossegue dizendo que como cristão, bus­cou cumprir os man­da­men­tos, muito emb­ora tenha abraçado a car­reira das armas. Nunca tendo lev­an­tado falso testemunho.

Quem teria cometido falso teste­munho e/​ou vio­lado os mandamentos?

Con­tinua dizendo que vai mor­rer sem con­hecer a riqueza mas que mor­rerá digno.

Quem será que enri­cou a si e aos seus no serviço público e por isso seria indigno?

Veja que no iní­cio da nota Tor­res assenta que serviu ao país por 32 anos na car­reira mil­i­tar e tam­bém como médico.

No mesmo pará­grafo em que diz que mor­rerá sem con­hecer a riqueza porém digno, diz que nunca se apro­priou de nada que não fosse seu e que não pre­tende fazer isso frente à Anvisa.

Seria uma indi­reta aque­les que tomavam (ou tomam) os salários dos servi­dores de seus gabi­netes nos esque­mas con­heci­dos como “rachadinhas”?

Con­tinua dizendo que preza pelos val­ores morais que seus pais praticaram e que pelo exem­plo deles somou ao seu caráter.

Veja que cada afir­mação sus­cita uma per­gunta.

Ao dizer isso, estaria dizendo que o pres­i­dente carece de val­ores morais?

E já se aprox­i­mando do final, o desafio acacha­pante, o “piso no risco da mãe” ao dizer que se ele, pres­i­dente, pos­suir infor­mações que lev­an­tem qual­quer indí­cio de cor­rupção dele, que não perca tempo ou pre­varique, mas, deter­mine ime­di­ata inves­ti­gação poli­cial.

O chama­mento à razão do pres­i­dente da República pelo diri­gente da Anvisa é o fato prin­ci­pal da nota.

Ele diz que se o pres­i­dente insinua sem pos­suir sequer indí­cios está sendo leviano ou, se pos­sui e não manda inves­ti­gar, comete o crime de pre­var­i­cação, artigo 319 do Código Penal.

Num gesto de grandeza der­radeiro, Bar­ras Tor­res dar a chance do pres­i­dente se retratar, dizendo que seria um gesto de grandeza se retratar caso não pos­sua infor­mações ou indí­cios de quais­quer irreg­u­lar­i­dades prat­i­cadas pelo mis­sivista, apelando ao Deus que o pres­i­dente tanto cita.

Voltando às min­has memórias de ser­tanejo, nota de Bar­ras Tor­res ao pres­i­dente da República é aquilo que se chamava de “pisa con­ver­sada”, em que pai ou a mãe ao “dis­ci­pli­nar o filho” ia dizendo as razões e motivos de cada “lapada”. Muitas das vezes a con­versa era mais dolorida que a própria “pisa”.

A resposta do pres­i­dente à nota altiva de Barra Tor­res, veio nesta segunda-​feira, 10, provando ser inca­paz de sus­ten­tar em pé o que diz sen­tado, ensaiou um pedido de des­cul­pas, engoliu o choro e disse, tam­bém, em entre­vista à Jovem Pan: “Me sur­preendi com a carta dele. Não tinha motivo para aquilo. Eu falei o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo? Ninguém acu­sou ninguém de cor­rupção. Por enquanto, não tenho o que fazer no tocante a isso aí”.

Dito isso, se tivesse sido na minha aldeia, teria cor­rido para debaixo da saia da mãe.

Meu pai cos­tu­mava dizer que cada um “mede os out­ros com sua régua”.

Acos­tu­mado a ser des­men­tido dia sim e no outro tam­bém; a ser chamado (e provado) que não pos­sui qual­quer apego à segu­rança do que diz ou noutras palavras, um men­tiroso con­tu­maz, Bol­sonaro se sur­preende que exis­tam pes­soas com hom­bri­dade para defender a própria honra.

O pres­i­dente não sente o menor con­strang­i­mento ao ser con­frontado com as inver­dades que pro­fere ou ao ser pub­li­ca­mente des­men­tido. Sim­ples­mente dar de ombros e conta outra.

A sur­presa de Bol­sonaro tam­bém é decor­rente da leniên­cia das demais insti­tu­ições e poderes da República que ao longo dos últi­mos três anos o tem tratado como inim­putável.

Quando disse: “Qual o inter­esse da Anvisa por trás disso aí?” que­ria dizer o que mesmo?

No pedido de “penico” a Barra Tor­res ou para fugir à pecha de leviano ou de pre­var­i­cador saiu-​se com essa: “Não acu­sei a Anvisa de cor­rupção, per­gun­tei o que está por trás dessa gana, dessa sanha vaci­natória”.

O enviesado pedido de des­cul­pas por parte de Bol­sonaro, difer­ente do que pre­tendeu Barra Tor­res está longe de ser um gesto de grandeza do pres­i­dente, pelo con­trário é ape­nas uma ten­ta­tiva de escapar de uma desmor­al­iza­ção ainda maior.

Desde que coman­dante da Anvisa divul­gou a nota em repú­dio às declar­ações do pres­i­dente, que este assunto gan­hou destaque no seio da sociedade. Com quase cem por cento dos comen­tários favoráveis ao chefe da Anvisa e con­trários ao pres­i­dente.

Imag­ino que que no meio dos mil­itares, um dos pilares do bol­sonar­ismo, a reper­cussão tenha sido ainda maior.

Barra Tor­res pode ter aberto uma porta para aque­les que, por fidel­i­dade ou dever, ainda se deixam humil­har pelo pres­i­dente.

Final­izo dizendo que aceitos ou não o pedido de des­cul­pas pelos envolvi­dos, talvez essa con­tenda sirva para o pres­i­dente (se pos­suir capaci­dade para tal) rever seus val­ores e enten­der muitos não aceitam que lhes tirem a honra.

Abdon Mar­inho é advo­gado.