AbdonMarinho - A tragédia, a omissão e o silêncio.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A tragé­dia, a omis­são e o silêncio.

A TRAGÉ­DIA, A OMIS­SÃO E O SILÊN­CIO.

Por Abdon Marinho.

QUANDO os Esta­dos Unidos ultra­pas­saram a trág­ica marca de 500 mil mortes rela­cionadas à COVID-​19, fato ocor­rido em 22 de fevereiro de 2021, o pres­i­dente amer­i­cano, Joe Biden, em solenidade na Casa Branca fez um dis­curso emo­cionado onde pon­tuou: «Hoje atingi­mos um marco ver­dadeira­mente triste e comovente, mais amer­i­canos mor­reram em um ano nesta pan­demia do que na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra e na Guerra do Vietnã com­bi­nadas, peço a todos os amer­i­canos que lem­brem. Que se lem­brem daque­les que perdemos e daque­les que eles deixaram”.

Encer­rou o pro­nun­ci­a­mento, visivel­mente emo­cionado assen­tando: «Como nação, não podemos aceitar um des­tino tão cruel. Enquanto luta­mos con­tra esta pan­demia por tanto tempo, temos que resi­s­tir a nos torn­ar­mos entor­peci­dos pela tris­teza», con­tin­uou. «Deve­mos acabar com a política de desin­for­mação que dividiu famílias, comu­nidades e o país. Isso já cau­sou muitas vidas. Temos que lutar con­tra isso jun­tos como um só povo.»

Após o pro­nun­ci­a­mento, o pres­i­dente, a vice-​presidente, seus côn­juges e todas as demais autori­dades e pes­soas pre­sentes à cer­imô­nia fiz­eram um min­uto de silên­cio e o pres­i­dente decre­tou luto ofi­cial de cinco dias e que as ban­deiras amer­i­canas fos­sem hasteadas a meio mas­tro em honra das víti­mas.

O pres­i­dente amer­i­cano fez o que é nor­mal a um chefe de nação fazer diante de uma tragé­dia: demon­strar empa­tia pelos que perderam a vida e aos seus famil­iares e, ainda, con­for­tar a sociedade.

Noutras palavras, demon­strar sol­i­dariedade.

Há uma sem­ana, em 19 de junho, foi a vez do Brasil com­ple­tar a triste marca: 500 mil vidas per­di­das para a pan­demia. Do gov­er­nante de plan­tão nen­huma man­i­fes­tação, nen­huma demon­stração de pesar ou sol­i­dariedade.

As ban­deiras per­manece­ram hasteavas como se nada tivesse acon­te­cido.

Luto, nem pensar.

Ape­nas dois dias depois do reg­istro, assim mesmo mesmo por ter sido provo­cado, o pres­i­dente da República disse lamen­tar os mor­tos.

Disse isso de forma enviesada e pouco antes de agredir ver­bal­mente uma jor­nal­ista que lhe per­gun­tou o motivo pelo qual não estava usando más­cara ao chegar à cidade e um veículo de comu­ni­cação, numa das cenas con­strange­do­ras que se tem notí­cia na história da República.

Para com­ple­tar a des­graça ainda teve uma man­i­fes­tação deplorável – para dizer o mín­imo –, do min­istro das comu­ni­cações “recla­mando” da sol­i­dariedade prestada às vidas que se perderam na pan­demia e não aos mil­hões de pes­soas que se sal­varam.

A estu­pidez parece-​me fez morada no atual gov­erno.

Criticar a sol­i­dariedade prestada a tan­tas vidas per­di­das, con­fesso, é inédito.

O nor­mal é que as pes­soas vivam e mor­ram “no tempo certo” e não que ten­ham a vida ceifada pre­mat­u­ra­mente em uma pandemia.

Assim, muito emb­ora deva-​se cel­e­brar a vida é impen­sável que não se lamente os mor­tos, sobre­tudo, quando são tan­tos.

Já não cabem nos dedos das min­has mãos a soma dos ami­gos que perdi. Pes­soas próx­i­mas, com quem par­til­há­va­mos ideias, batíamos papo e tomá­va­mos um cafez­inho.

No dia seguinte à triste marca um desses ami­gos, que foi na primeira onda da pan­demia, no ano pas­sado, com­ple­taria 62 anos.

Como não sen­tir a par­tida de tanta gente querida e lamen­tar?

No curso do ano quan­tos mais não foram?

Na última sem­ana mais uma amiga par­tiu na juven­tude de seus 48 anos.

Agora mesmo uma prima, um amigo … e tem sido assim todos os dias há mais de um ano.

O gov­erno, infe­liz­mente, desde o iní­cio da pan­demia age como se ela fosse um instru­mento político cri­ado para destruí-​lo.

E, “fechado” em tal ideário comporta-​se como se as víti­mas fos­sem cul­padas por suas mortes, daí não demon­strar qual­quer sol­i­dariedade, empa­tia ou respeito.

— Vão chorar até quando? Vão con­tin­uar a agir como um bando de “mar­i­cas” até quando? Não foi isso que disse o pres­i­dente em uma de suas man­i­fes­tações intempestivas?

Não bas­tasse a falta de empa­tia e sen­ti­mento pelos que par­ti­ram e pelos que ficaram, o pres­i­dente da República e o seu gov­erno fiz­eram o que podiam para sab­o­tar o com­bate ao vírus.

Se a nossa pop­u­lação cor­re­sponde a 2,7% da pop­u­lação mundial e soz­inho responde por 13% dos mor­tos sig­nifica que alguém não fez o “dever” de casa como dev­e­ria.

Esse alguém é o gov­erno, é, prin­ci­pal­mente, o pres­i­dente, o chefe da nação, o cidadão encar­regado pelo povo brasileiro para chamar para si a respon­s­abil­i­dade.

Não assumiu suas respon­s­abil­i­dades, se escon­deu e se esconde atrás de nar­ra­ti­vas des­men­ti­das reit­er­adas vezes enquanto dia após dia se encar­rega de sab­o­tar o tra­bal­hos dos out­ros.

Na CPI da COVID os cien­tis­tas ouvi­dos afir­maram que mil­hares de vidas teriam sido poupadas se os gov­er­nantes brasileiros ape­nas tivessem seguido aquilo que out­ros gov­er­nos estavam fazendo mundo afora.

Não era fazer nada de extra­ordinário. Ape­nas seguir o mod­elo da média dos demais países.

Nem isso foi feito.

Quan­tas vidas teriam sido poupadas? Cem mil, duzen­tas mil, qua­tro­cen­tas mil vidas, como afir­mou um dos cien­tis­tas?

A estratos­férica quan­ti­dade de mor­tos – logo, logo o Brasil vai ultra­pas­sar os EUA no côm­puto do número de víti­mas –, é fruto da neg­ligên­cia, da incom­petên­cia e agora, sabe-​se, tam­bém, da cor­rupção.

Agora mesmo esta­mos sabendo que enquanto o gov­erno “se escon­dia” de pro­postas sérias para com­prar vaci­nas, nos basti­dores alguém cor­ria para lucrar com um imu­nizante fajuto, reprovado pela Anvisa e super­fat­u­rado.

Mais grave de tudo isso: com o con­hec­i­mento das prin­ci­pais autori­dades do país, inclu­sive do pres­i­dente da República.

Os depoi­men­tos dos irmãos Miranda – um dep­utado fed­eral e o outro servi­dor de car­reira do Min­istério da Saúde –, não deixam dúvi­das de que sua excelên­cia tinha con­hec­i­mento de um esquema mil­ionário envol­vendo a impor­tação de um tipo de vacina, sabia até o nome de um dos que estavam na “armação”, coin­ci­den­te­mente, citou o nome do líder do seu gov­erno, soube da pressão “atípica” que o fun­cionário sofreu para autor­izar paga­mento adi­antado e tan­tas out­ras irreg­u­lar­i­dades.

Além de não ter feito nada, diante da denún­cia grave, ao invés de, ainda com atraso, man­dar apu­rar os crimes em série, fez o con­trário.

Con­forme con­fes­sado pelo min­istro da Casa Civil, man­dou investigar/​intimidar os denun­ciantes.

Aliás, vimos até enjoar a “tropa de choque” do gov­erno ten­tando intim­i­dar e con­stranger aque­las pes­soas que traziam fatos sérios envol­vendo recur­sos públi­cos em meio a uma tragé­dia.

Os mes­mos que durante meses apon­taram suas “armas” con­tra os gov­er­nadores e prefeitos, acusando-​os de terem desvi­ado os recur­sos da pan­demia – e se forem cul­pa­dos dev­erão ser proces­sa­dos, con­de­na­dos e pre­sos –, mesmo sabendo do con­luio para roubarem recur­sos públi­cos, fiz­eram ouvi­dos moucos.

Pelas infor­mações que começam a cir­cu­lar cer­ta­mente o pres­i­dente não se omi­tiu ape­nas pelo suposto envolvi­mento do líder do gov­erno, exis­tem out­ras pes­soas próx­i­mas a si a fig­u­rarem neste enredo macabro.

Já se tem notí­cia do envolvi­mento dos advo­ga­dos que servem ao pres­i­dente e sua família nas inter­me­di­ações das vaci­nas super­fat­u­radas e que nunca chegaram e que, aliás, a Anvisa nem aprovou em defin­i­tivo.

E dirão: — ah, mas não exis­tiu cor­rupção, as vaci­nas não foram entregues e nem um cen­tavo foi pago.

Isso é ver­dade. Mas se o ladrão já prati­cou todos os atos para roubar a minha casa e na hora de sair com os bens é impe­dido pelo guarda da rua, ele não deixou de ser ladrão.

O roubo de mais de um bil­hão de reais, quase dois bil­hões de reais, não foi con­sumado porque, graças a Deus, um servi­dor público se recu­sou a chancelá-​lo.

O mesmo servi­dor que o gov­erno prom­e­teu colo­car a Polí­cia Fed­eral no encalço.

O servi­dor foi guarda da rua.

O Brasil hoje é o “covidário” do mundo, onde mor­rem mais pes­soas.

Exis­tem cul­pa­dos para essa tragé­dia. Cul­pa­dos por ação. Cul­pa­dos por omis­são. Cul­pa­dos por não terem sido capazes de faz­erem o óbvio e o básico.

O Brasil tem um encon­tro mar­cado com a história.

Abdon Mar­inho é advogado.