AbdonMarinho - Falta censo e bom senso a nação.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Falta censo e bom senso a nação.


FALTA CENSO E BOM SENSO A NAÇÃO.

Por Abdon Marinho.

INSTI­TUÍDO ofi­cial­mente em 1870, ainda no tempo do Império do Brasil – o primeiro ocor­reu em 1872 –, o censo dece­nal é a mais impor­tante fer­ra­menta de estu­dos da pop­u­lação brasileira e o prin­ci­pal instru­mento a ori­en­tar as políti­cas públi­cas e, mesmo, os inves­ti­men­tos privados.

Muito emb­ora nos primeiros anos não ten­ham ocor­rido de forma reg­u­lar – o primeiro ocor­reu em 1872 e o segundo só foi ocor­rer em 1900 e, entre aquele ano e 1940, observou-​se o inter­valo de 20 anos entre os mes­mos –, com a cri­ação do Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­cas — IBGE, em 1938, desde 1940 para cá que tem-​se obser­vado o inter­valo de dez anos para a real­iza­ção do censo demográ­fico nacional.

A exceção a esta regra só ocor­reu em 1990, primeiro ano do gov­erno Col­lor, que só real­i­zou o censo em 1991, e agora, mais de vinte anos depois – o que pode não sig­nificar nada, mas, tam­bém, pode sig­nificar muito.

Eleito em 1989, ao assumir no iní­cio do ano seguinte, o sen­hor Col­lor pro­moveu um choque na econo­mia, con­fis­cou os recur­sos dos cidadãos e empre­sas deposi­ta­dos em ban­cos e, gerou, tanta insta­bil­i­dade na sociedade que não con­seguiram realizar o censo, postergando-​o para ano de 1991.

O atual gov­erno dev­e­ria ter real­izado o censo dece­nal — seguindo a tradição -, em 2020. Veio a pan­demia da covid-​19, com as regras de iso­la­mento social e dis­tan­ci­a­mento que servi­ram como argu­mento para a não real­iza­ção do censo demográ­fico, muito emb­ora as autori­dades não ten­ham achado nada demais a real­iza­ção das eleições munic­i­pais – ape­nas deslo­cando a data –, no mesmo ano.

Fal­tou bom senso, quer dizer que nada tinha demais a real­iza­ção de eleições munic­i­pais, evento que sem­pre foi mar­cado por todos tipos de aglom­er­ações, mas o censo, que nada mais é do que os recenseadores irem de casa em casa entre­vis­tar as pes­soas, não pode­ria?

Vê-​se que às autori­dades brasileiras não fal­taram ape­nas o censo, mas, tam­bém, bom senso.

Poster­gado para esse ano, 2021, e já com o orça­mento com­pro­metido, o gov­erno fed­eral, em “con­luio” com o Con­gresso Nacional, sim­ples­mente, enten­deram que não é hora de fazer o censo dece­nal, talvez, ano que vem, coin­cidindo com o ano das eleições gerais e o bicen­tenário da Inde­pendên­cia do Brasil; talvez, no ano seguinte; talvez nunca mais.

Tudo a depen­der da voraci­dade das excelên­cias em relação as ver­bas públi­cas.

Se no ano pas­sado, era plausível con­sid­erar o adi­a­mento do censo por conta da pan­demia – muito emb­ora ten­ham real­izado um evento muito mais aglom­er­ações, as eleições munic­i­pais –, a poster­gação do censo para além deste ano se deu por um motivo bem mais palpável: as excelên­cias da República enten­deram que os recur­sos que dev­e­riam ser gas­tos com o censo pode­riam ser des­ti­na­dos às suas emen­das par­la­mentares.

Com isso perde o país inteiro.

Con­forme alertei em tex­tos ante­ri­ores, o Brasil vive sob a égide de um novo sis­tema de gov­erno: “o par­la­men­tarismo irre­spon­sável”.

Par­la­men­tarista porque o Con­gresso Nacional detém a chave do cofre e a maior fatia do orça­mento “livre”.

Irre­spon­sável porque não se inter­es­sam pelas macro políti­cas públi­cas do país, e sim, pelo micro varejo das verbas.

Nas dis­cussões sobre o atual orça­mento tive­mos a prova cabal de como tal régime está fun­cio­nando e irá fun­cionar daqui pra frente.

Vimos nos vários meios de comu­ni­cação social as notí­cias de que o gov­erno e o Con­gresso Nacional haviam chegado a um acordo sobre os vetos e sanção da LDO: iriam cor­tar daqui e dali, autor­izar “um fura teto” acolá, de sorte que as emen­das par­la­mentares impos­i­ti­vas não sofressem cortes, ou se sofressem, fosse o mín­imo possível.

Ape­sar de haverem chegado a um “con­senso” ainda se ouviu recla­mações de que na divisão do butim uma das casas do par­la­mento levou van­tagem em relação a outra.

O termo “butim”, em qual­quer de suas acepções é o mais ade­quado, porque, na ver­dade, o Con­gresso Nacional – e o próprio gov­erno –, têm o Brasil como inimigo. Como tal, para eles, tomar para si os “bens do inimigo” é per­feita­mente normal.

Tam­bém serve o termo para des­ig­nar o pro­duto do roubo ou saque.

Não é isso que as excelên­cias vem fazendo com o orça­mento da União, nos últi­mos tem­pos e que alcançou cifras inimag­ináveis no atual governo?

Quando li que o gov­erno e o con­gresso haviam chegado a um acordo para que hou­vesse a sanção do orça­mento, a palavra que me veio à cabeça foi essa: “butim”, chegaram ao con­senso de como rateá-​lo.

Os efeitos esta­mos vendo e sentindo: acabou-​se com censo dece­nal; retirou-​se ver­bas da edu­cação; da saúde; da cul­tura; do meio-​ambiente; da ciên­cia, de tudo.

Esta­mos viven­ciando o desmonte de áreas essen­ci­ais, de políti­cas públi­cas estru­tu­rantes para o país e para a humanidade, porque as excelên­cias estão tratando de garan­tir as ver­bas públi­cas para as suas eleições no ano que vem.

No nosso “par­la­men­tarismo irre­spon­sável”, as excelên­cias pri­or­izam as suas emen­das par­la­mentares para con­struírem a prac­inha do povoado; a estrada vic­i­nal, o calça­mento de uma rua aqui outra acolá, o recurso “fundo a fundo” para as prefeituras – que não nego, são impor­tantes –, em detri­mento dos inter­esses pri­or­itários da nação.

Como disse, não descon­heço a importân­cia das excelên­cias levarem estes bene­fí­cios para as bases de atu­ação – muito emb­ora, digam que façam isso mais por inter­esses próprios que públi­cos –, entre­tanto, tais obras, serviços ou seja lá o que se tenha por nome, não podem vir antes dos inter­esses do país como nação e do con­junto da sociedade.

Com a adoção do “par­la­men­tarismo irre­spon­sável” no Brasil, o “rabo vem abanando o cachorro, e não o con­trário.

Hoje as excelên­cias são respon­sáveis pela des­ti­nação do maior vol­ume de recur­sos públi­cos – exceto das rubri­cas con­sti­tu­cionais –, sem serem respon­s­abi­lizadas pelos even­tu­ais fra­cas­sos do gov­erno.

Ressalto que nada tenho con­tra o sis­tema par­la­men­tarista – muito emb­ora tal sis­tema tenha sido rejeito nas urnas em plebisc­ito real­izado com tal final­i­dade –, entre­tanto, se é para adotá-​lo que o faça da forma cor­reta, com todos os bônus e ônus atribuí­dos aos que têm a respon­s­abil­i­dade de gerirem os recur­sos e os des­ti­nos da nação.

O sis­tema “par­la­men­tarista irre­spon­sável” ado­tado no Brasil na atual quadra política coloca as excelên­cias no mel­hor dos mun­dos, têm a verba mas não a respon­s­abil­i­dade pelo seu des­tino. Ou seja, vai fal­tar verba para as diver­sas políti­cas públi­cas e as excelên­cias vão dizer que nada têm com isso, muito emb­ora tenha sido respon­sáveis pela alo­cação dos recur­sos para as suas emen­das.

O pior de todo esse enredo é que ninguém diz nada.

Todo espec­tro da política nacional parece achar nor­mal o que vem acon­te­cendo no Brasil e criando nar­ra­ti­vas e corti­nas de fumaça com vis­tas eleições do ano que vem.

Quer me pare­cer que todos são cúm­plices nos descam­in­hos que vilipen­diam e saque­iam a nação.

Ouso acred­i­tar que tamanha falta de bom senso seja o motivo para não quer­erem o censo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.