AbdonMarinho - SINHOZINHO MALTA VERSUS ZECA DIABO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SIN­HOZ­INHO MALTA VER­SUS ZECA DIABO


SINHOZ­INHO MALTA VER­SUS ZECA DIABO.

Por Abdon Marinho.

TODOS já sabiam que não acon­te­ceria boa coisa no dia em que Sin­hoz­inho Malta encon­trasse com Zeca Diabo. Habi­tando tem­pos e espaços difer­entes – emb­ora per­sonas inter­pre­tadas por um mesmo artista –, poucos acred­i­tavam que tal encon­tro um dia viesse acon­te­cer.

Pois é, mas o impon­derável acon­te­ceu e Sin­hoz­inho Malta cru­zou com Zeca Diabo, não em Sucu­pira do Norte ou Asa Branca, mas onde ninguém esper­ava: no sertão do Ceará, em Sobral, municí­pio de pop­u­lação esti­mada em cerca de 200 mil habi­tantes.

A essa altura o leitor já deve ter perce­bido que tratarei do assunto que domi­nou as “rodas políti­cas” nos últi­mos dias: o “inci­dente” envol­vendo o senador Cid Gomes (PDT/​CE) e os poli­ci­ais mil­itares do Ceará que se encon­tram “amoti­na­dos” há alguns dias.

O leitor mais atento já deve ter bus­cado saber que os dois per­son­agens antagôni­cos que emprestam nome à pre­sente crônica fazem parte do pan­teão da dra­matur­gia brasileira, ambos inter­pre­ta­dos pelo bril­hante Lima Duarte, nas obras inesquecíveis do não menos bril­hante Dias Gomes: O Bem Amado e Roque San­teiro.

Tenho por certo que o leitor já deve ter iden­ti­fi­cado a quem cabe cada um dos papéis.

Antes de prosseguir com a crônica esclareço que esta­mos diante de uma comé­dia (ou tragé­dia) de erros na qual nen­hum dos lados tem razão. A polí­cia mil­i­tar, proibida pela Con­sti­tu­ição da República de fazer “greve” e o senador cearense que não tinha nada com a história.

Dito isso, cabe anal­isar os fatos.

A primeira per­gunta que fiz ao saber que um senador avançou com uma car­regadeira con­tra cidadãos tendo estes pronta­mente reagido a “bala” foi: o que o senador tinha com o prob­lema?

Até onde se sabe o senador está licen­ci­ado do Senado para tratar de inter­esses pes­soais – registre-​se, sem remu­ner­ação.

O senador não ocupa qual­quer cargo no gov­erno do Ceará, menos ainda, algum rela­cionado à segu­rança pública ou qual­quer outro que lhe per­mi­tisse ir tratar com os poli­ci­ais amoti­na­dos. Ainda que fosse, pelo que vimos, o senador seria a der­radeira pes­soa para tratar de qual­quer nego­ci­ação com quem quer que seja.

Alguém sabe dizer se já viu algum nego­ci­ador chegar para nego­ci­ação “armado” com uma car­regadeira e ameaçar “ir para cima” das pes­soas com quem se deseja nego­ciar? Acho que só no Ceará dos Fer­reira Gomes.

Quer me pare­cer que o senador licen­ci­ado, pela desen­voltura com que agiu, é uma espé­cie de “Sin­hoz­inho Malta” do Ceará, não é autori­dade, mas age como se fosse, saiu do cargo de gov­er­nador há mais de cinco anos, mas a “gov­er­nança” não saiu dele.

Ora, tal qual o per­son­agem do fol­hetim, parece ou se investe de mais autori­dade que o gov­er­nador do estado. Se brin­car, quando vai ao palá­cio do gov­erno cearense o gov­er­nador Camilo San­tana (PT) lhe cede a cadeira de gov­er­nador, assim como fazia o seu Flor, de Asa Branca, quando o Sin­hoz­inho Malta chegava a prefeitura.

Emb­ora pareça óbvio é de se per­gun­tar: onde já se viu um cidadão que não tem qual­quer autori­dade no assunto se inve­stir de “nego­ci­ador” e inve­stir com um tra­tor con­tra dezenas de pes­soas?

Não fosse o Brasil uma terra de ficção, era para o “usurpador” da função pública ser chamado às falas pelos dois deli­tos: a usurpação de função pública e por ten­ta­ti­vas múlti­plas de homicí­dios.

Um cidadão comum que bebe, e dirige, se acon­tece um aci­dente de trân­sito tem-​se por certo que ele come­teu um homicí­dio qual­i­fi­cado ou uma ten­ta­tiva, se o “aci­dente” não resulta na morte.

Como qual­i­ficar, difer­ente disso, se o cidadão pega uma car­regadeira ameaça pas­sar por cima das pes­soas e avança com o veículo ao encon­tro das pes­soas só sendo parado à bala?

A ati­tude de sin­hoz­inho Malta do sertão era para ser pronta­mente reprim­ida, era para a polí­cia de ver­dade – não a amoti­nada –, tê-​lo pren­dido em fla­grante delito.

Ainda que o tivesse socor­rido (como se deve), era para tê-​lo lev­ado preso pelos crimes acima descritos.

Outra coisa, essa conta com deslo­ca­men­tos em helicóptero ou out­ros veícu­los, assim como a conta dos hos­pi­tais jamais dev­e­riam ser “espetadas” nas costas dos con­tribuintes.

O senador não estava em uma mis­são ou fazendo algo em inter­esse do país, estava come­tendo crimes.

Não faz sen­tido que o con­tribuinte que não tem nada com as “maluquices” do senador seja chamado para pagar suas contas.

Emb­ora saibamos que tudo se dará ao oposto disso, fica o reg­istro para que pense­mos sobre o assunto.

Noutra quadra, não temos como deixar “vestir” a PMCE no arquétipo de Zeca Diabo, o can­ga­ceiro e mata­dor temido pelo povo, não pelo fato, iso­lado, de haver reagido à bala diante da investida do senador – isso até é defen­sável sob a ótica da legí­tima defesa ou do estado de neces­si­dade –, mas, sim, por des­cuidar do seu papel de pro­te­tora da sociedade e fazer uma greve que é respon­sável pela a vio­lên­cia no Ceará, levando o estado a alcançar índices nunca antes exper­i­men­ta­dos, já tendo ceifado quase cerca de uma cen­tena de víti­mas (ou algo próx­imo disso).

Por mais que os gov­er­nos estad­u­ais, por irre­spon­s­abil­i­dade ou pre­con­ceitos ide­ológi­cos, ten­ham des­cuidado da val­oriza­ção das polí­cias, isso não lhes dá o dire­ito de, na defesa de inter­esses próprios – não dis­cuto se legí­ti­mos ou não –, colo­carem em risco a vida da pop­u­lação, os cidadãos comuns pagadores de impos­tos que sus­ten­tam a todos, gov­er­nantes e poli­ci­ais.

Esses cidadãos comuns, gente com os mes­mos prob­le­mas dos poli­ci­ais, são os que sofrem as con­se­quên­cias do “motim” de poli­ci­ais.

Os gov­er­nantes, as autori­dades a quem se dirigem os protestos estão todos bem guarda­dos em suas man­sões ou aparta­men­tos de alto padrão, com segu­ranças pri­va­dos e diver­sos out­ros itens que os colo­cam a salvo de qual­quer importunação.

São os cidadãos de bem, os homens comuns que estão despro­te­gi­dos e expos­tos à sanha da ban­didagem. São estas as pes­soas que pre­cisam da polí­cia. E, a estas, a polí­cia falha.

A PMCE, demonstrando-​se ingênua e sem instrução – ape­sar de gen­erosa – , tal qual o per­son­agem da ficção, defla­gra e per­siste em um movi­mento que afronta a leg­is­lação vigente, quando pode­ria, por out­ros meios, bus­car a solução para suas deman­das.

Diante do absurdo do que estão fazendo, ape­sar de não tão perto, dev­e­riam descer até o Juazeiro do Norte para pedi­rem perdão ao “Santo Padim Pade Ciço Romão Batista”, como faria, aliás, o ver­dadeiro Zeca Diabo.

Con­flito entre polí­cias e gov­er­nos, sobre­tudo, quando a reação descamba para pre­juí­zos vitais à pop­u­lação é como casa em que falta pão, todo mundo fala e ninguém tem razão.

Abdon Mar­inho é advogado.