AbdonMarinho - O Papa, o pecador e o que nos diz a Bíblia sobre ladrões.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O Papa, o pecador e o que nos diz a Bíblia sobre ladrões.


O PAPA, O PECADOR E O QUE NOS DIZ A BÍBLIA SOBRE LADRÕES.

Por Abdon Marinho.

CON­FORME ampla­mente divul­gado, o ex-​presidente Luís Iná­cio Lula da Silva solic­i­tou – e con­seguiu –, uma audiên­cia com o Papa Fran­cisco. O encon­tro acon­te­ceu na Casa de Santa Marta, den­tro do Estado do Vat­i­cano.

Em um país polar­izado e divi­dido como o Brasil de agora, o encon­tro entre aquele que ainda é o líder mais forte da oposição e Sumo Pon­tí­fice não teria como pas­sar des­perce­bido ou ser tratado com nat­u­ral­i­dade. E não foi.

Pelo lado dos par­tidários do ex-​presidente, seu par­tido e demais adu­ladores o encon­tro segue sendo tratado como uma prova de seu prestí­gio em todos os can­tos do mundo e, até mesmo, um “ateste”, em âmbito inter­na­cional de que ele (Lula) teria sido vítima de uma armação judi­cial que já o con­de­nou a quase três décadas de cadeia, inclu­sive, em segunda e ter­ceira instân­cia – além de uma dezenas de out­ras ações civis e crim­i­nais ainda em curso.

Pelo lado dos opos­i­tores, sobram acusações, até con­tra o Papa Fran­cisco. Acusam-​no de ser “comu­nista”; de acatar como ver­dades as “nar­ra­ti­vas” esquerdis­tas de que o ex-​presidente seria inocente a ponto de acolhê-​lo no piedoso solo do Vat­i­cano; e, ainda, com tal ato ofender a dig­nidade e autono­mia da Justiça brasileira, que jul­gou e con­de­nou o indig­i­tado por crimes de cor­rupção, lavagem de din­heiro e out­ros mais do orde­na­mento penal nacional.

Os ami­gos mais próx­i­mos me inda­garam. Que­riam saber o que achava do encon­tro e das diver­sas nar­ra­ti­vas que povoam as diver­sas mídias.

Noutras cir­cun­stân­cias, caso não tivessem trans­for­mado o país no lab­o­ratório de rad­i­cal­is­mos, o tal encon­tro não teria qual­quer relevân­cia, ape­nas um encon­tro de um fiel e o líder da sua igreja – se for católico –, ou ape­nas uma reunião de um ex-​presidente e o chefe da Igreja Católica, como mil­hares de out­ros encon­tros que acon­te­cem diari­a­mente nas duas situ­ações.

Os papas ao longo dos sécu­los sem­pre tiveram reuniões com líderes políti­cos que ao tér­mino de seus gov­er­nos acabaram por prestar con­tas de seus malfeitos, out­ros tan­tos, acabaram pre­sos ou mor­tos sem que seus povos ten­ham ver­tido lágri­mas.

O inusi­tado, no pre­sente caso, talvez seja o fato do ex-​presidente sair da cadeia – ainda que por uma situ­ação atípica, à espera do trân­sito em jul­gado dos decre­tos con­de­natórios –, e ir ver o Papa.

Ainda que por exer­cí­cio de retórica, talvez sua San­ti­dade, devesse obser­var cer­tas caute­las ao rece­ber deter­mi­na­dos con­de­na­dos e evi­tar, assim, que o seu nome e o da igreja católica seja explo­rado inde­v­i­da­mente em con­tendas política.

Afora isso, não vejo motivos para cen­suras. Mesmo o crim­i­noso mais odi­ento tem o dire­ito a pedir perdão por seus peca­dos a uma autori­dade ecle­siás­tica. Mesmo aos crim­i­nosos mais vio­len­tos não se deve negar o perdão. Este é um dos sen­ti­dos do cris­tian­ismo.

O saudoso Papa João Paulo II não ape­nas rece­beu o ter­ror­ista que aten­tou con­tra a sua própria vida como o per­doou. E achamos aquele gesto nobre.

Quando me per­gun­taram o que achava do encon­tro, a primeira lem­brança que me socor­reu foi aquela que aprendi nas aulas de cate­cismo, no Evan­gelho de São Lucas.

Conta-​nos tal Evan­gelho:

E, quando chegaram ao lugar chamado a Caveira, ali o cru­ci­ficaram, e aos malfeitores, um à dire­ita e outro à esquerda.

E dizia Jesus: Pai, perdoa-​lhes, porque não sabem o que fazem. E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes.

E o povo estava olhando. E tam­bém os príncipes zom­bavam dele, dizendo: Aos out­ros salvou, salve-​se a si mesmo, se este é o Cristo, o escol­hido de Deus.

E tam­bém os sol­da­dos o escarne­ciam, chegando-​se a ele, e apresentando-​lhe vinagre.

E dizendo: Se tu és o Rei dos Judeus, salva-​te a ti mesmo.

E tam­bém por cima dele, estava um título, escrito em letras gre­gas, romanas, e hebraicas: ESTE É O REI DOS JUDEUS.

E um dos malfeitores que estavam pen­dura­dos blas­fe­mava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-​te a ti mesmo, e a nós.

Respon­dendo, porém, o outro, repreendia-​o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação?

E nós, na ver­dade, com justiça, porque recebe­mos o que os nos­sos feitos mere­ciam; mas este nen­hum mal fez.

E disse a Jesus: Sen­hor, lembra-​te de mim, quando entrares no teu reino.

E disse-​lhe Jesus: Em ver­dade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.

E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até à hora nona, escurecendo-​se o sol;

E rasgou-​se ao meio o véu do templo.

E, cla­mando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.” Lucas 23:3346.

O ladrão a quem Jesus Cristo per­doou os peca­dos era Dimas, que a Igreja Católica fez Santo.

São Dimas fez-​se santo por ter recon­hecido os seus peca­dos, suas fal­has, e o arrependi­mento ver­dadeiro fez Jesus per­doar os seus peca­dos e a levá-​lo con­sigo ao paraíso, pouco antes de expirar.

O outro ladrão, o que não se arrepen­deu e ainda escarneceu do sofri­mento de Jesus, não se sabe onde foi parar.

O ex-​presidente Lula, como o ladrão que escarneceu de Jesus, pedindo que sal­vasse a si mesmo e a ele tam­bém, ao menos pub­li­ca­mente, nunca recon­heceu seus peca­dos ou fal­has, pelo con­trário, diz-​se a alma mais pura “deste país”.

Terá recon­hecido ao Papa Fran­cisco e pedido perdão?

É de São Tiago o ensi­na­mento: “Por­tanto, con­fessem os seus peca­dos uns aos out­ros e façam oração uns pelos out­ros, para que vocês sejam cura­dos”. Tiago 5:16.

O padre Antônio Vieira, no seu ‘Ser­mão do Bom Ladrão” trata com pré­cisão da sal­vação do ladrão Dimas ao traçar um para­lelo à promessa de sal­vação feita a Zaqueu, diz-​no o sábio pároco: “Assim como Cristo, Sen­hor nosso, disse a Dimas: Hodie mecum eris in Par­adiso: Hoje serás comigo no Paraíso — assim disse a Zaqueu: Hodie salus domui huic facta est (Lc. 19,9): Hoje entrou a sal­vação nesta tua casa. — Mas o que muito se deve notar é que a Dimas prometeu-​lhe o Sen­hor a sal­vação logo, e a Zaqueu não logo, senão muito depois. E por que, se ambos eram ladrões, e ambos con­ver­tidos? Porque Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que resti­tuir o que roubara; Zaqueu era ladrão rico, e tinha muito com que resti­tuir: Zacheus prin­ceps erat pub­li­cano­rum, et ipse dives, diz o evan­ge­lista (2). E ainda que ele o não dis­sera, o estado de um e outro ladrão o declar­ava assaz. Por quê? Porque Dimas era ladrão con­de­nado, e se ele fora rico, claro está que não havia de chegar à forca; porém Zaqueu era ladrão tol­er­ado, e a sua mesma riqueza era a imu­nidade que tinha para roubar sem cas­tigo, e ainda sem culpa. E como Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que resti­tuir, tam­bém não tinha imped­i­mento a sua sal­vação, e por isso Cristo lha con­cedeu no mesmo momento. Pelo con­trário, Zaqueu, como era ladrão rico, e tinha muito com que resti­tuir, não lhe podia Cristo segu­rar a sal­vação antes que resti­tuísse, e por isso lhe dila­tou a promessa. A mesma nar­ração do Evan­gelho é a mel­hor prova desta diferença”.

Em todo o ser­mão de Vieira resta claro que ele não trata de ladrões pobres aque­les que come­tem pequenos deli­tos para saciar a fome ou mesmo de pequenos salteadores, mas, sim aque­les poderosos, aque­les que roubam sem qual­quer con­strang­i­mento ou receio de serem alcança­dos pela lei. Ou aque­les a quem são investi­dos nas admin­is­trações das cidades ou países, a estes, restará a promessa de sal­vação se resti­tuírem o rou­bado, não bas­tando se diz­erem arrepen­di­dos.

Logo, ao sen­hor Lula, não se aplica a situ­ação de Dimas, que por ser pobre foi preso e con­de­nado, mas sim, a situ­ação de Zaqueu, que por ser rico era tol­er­ado e ficava longe do alcance da Justiça.

Assim é o sen­hor Lula, já con­de­nado em dois proces­sos, em quase todas as instân­cias da justiça, per­manece fora do alcance da punição dev­ida, talvez a extinção nat­ural chegue antes de cumprir a pena por seus malfeitos e sem ter resti­tuído o pro­duto do roubo. E, assim, se acred­i­tar na Palavra, não alcançará a sal­vação, difer­ente de Dimas “não será com Ele no Paraíso”.

Como dito ante­ri­or­mente, não vejo nada demais no fato do papa rece­ber o sen­hor Lula, pelo con­trário, rogo que ele tenha aproveitado a defer­ên­cia de sua San­ti­dade para pedir perdão por seus peca­dos.

E, se Papa Fran­cisco, tiver se inspi­rado nos ensi­na­men­tos de Jesus Cristo, ao pecador deve ter dito que a sal­vação só virá com expi­ação dos peca­dos e a resti­tu­ição dos rou­bos prat­i­ca­dos.

Não deixare­mos de ser Cristãos por isso ou ser católi­cos – os que são –, por conta disso. Política e fé não se misturam.

O bom cristão deve se colo­car equidis­tante de questiún­cu­las políti­cas e obser­var o exem­plo do Cristo vivo, daquele que per­doou Dimas, o ladrão pobre, que arrependeu-​se de seus peca­dos e que con­hecera na Cruz; daquele que a Zaqueu condi­cio­nou a sal­vação.

Os homens e suas mis­érias pas­sam. A fé per­manece.

Abdon Mar­inho é advo­gado.