AbdonMarinho - E O MARANHÃO FICOU PARA TRÁS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

E O MARAN­HÃO FICOU PARA TRÁS.

E O MARAN­HÃO FICOU PARA TRÁS.

Por Abdon Marinho.

CON­STA da lenda famil­iar que, certa vez, meu irmão Armando, o quarto mais velho dos fil­hos de Van­der­lino e Neuza, lá pelos princí­pios dos anos setenta, chegou para o nosso pai e disse: — papai não quero mais saber de estu­dar. Vou ficar aqui com o senhor.

Ape­sar de não ser­mos ricos, nosso pai con­seguia man­ter uma cas­inha humilde na Rua do Sossego, Gov­er­nador Archer, onde os mais vel­hos estudavam.

Nosso pai virou-​se para ele e disse: — Está bem, meu filho.

No dia seguinte, já pelas qua­tro ou cinco horas, lá estava papai sacud­indo o punho da rede do meu irmão: — vamos meu filho, está na hora. Assim foi no primeiro para roça com uma “trin­cha” limpar a plan­tação. Noutro dia com um “sacho” plan­tar alguma coisa. Antes de cuidar da roça tin­ham que “tirar o leite” das vacas, levá-​las para quin­tas para se ali­men­tar; depois o dia inteiro sobre o sol inclemente do sertão, com um inter­valo de pouco tempo para almoçar ou beber água que lev­avam numas cabaças.

Para encur­tar a con­versa, depois de uma ou duas sem­anas, meu irmão já tinha refeito os planos e voltado aos estudos.

Meu avô era reti­rante nordes­tino e veio para o Maran­hão fug­indo da sequidão do sertão do Rio Grande do Norte.

Um dia cansado de tanta seca incumbiu o meu tio Pedro Cal­heiro de vir ao estado em busca de um local onde pode­riam tra­bal­har e criar suas famílias. Tio Pedro veio e escol­heu a região do médio Mearim, entre os hoje municí­pios de Gov­er­nador Archer e Gonçalves Dias. Tem­pos depois de “assen­ta­dos” uma parte da família migrou para o municí­pio polo da região e um dos mais desen­volvi­dos do estado: Pedreiras.

O Maran­hão era a “terra prometida”, a esper­ança de tan­tos e tan­tos nordes­ti­nos cansa­dos do fla­gelo da seca.

Escol­hido o local de assen­ta­mento, pouco depois a família do meu avô, ele com esposa, dez fil­hos, esposas, gen­rose já alguns netos –, e mais alguns viz­in­hos, orga­ni­zaram a diás­pora e desce­ram para o Maran­hão, onde havia ter­ras boas e far­tas e estariam longe do suplí­cio da seca.

Conta a lenda que vieram em car­a­vana, uns em lom­bos de ani­mais, out­ros a pé mesmo. Acam­pavam ao longo do tra­jeto e comiam toucinho de porco, far­inha seca e rapadura. Out­ros fiz­eram o tra­jeto em “pau de arara”.

Todos traziam a certeza que encon­trariam uma vida mel­hor para si e para os seus.

Lem­brei destas “pas­sagens” – a do meu irmão e, depois, de como minha família chegou por estas par­a­gens e a esper­ança que nutriam em futuro de pros­peri­dade numa terra que se prome­tia con­de­nada ao desen­volvi­mento –, enquanto assis­tia ao pro­grama Globo Rural, da Rede Globo, alu­sivo aos seus quarenta anos de lança­mento.

O pro­grama – muito bom e que recomendo –, mostra a evolução da agri­cul­tura brasileira nos últi­mos quarenta anos. Bas­taria dizer que saltou de 40 mil­hões de toneladas de grãos em 1980 para mais 243 mil­hões de toneladas de grãos na safra 2019/​2020, sem que se tenha ele­vado a área plan­tada significativamente.

Mas não é só isso. O que encanta é o quanto de tec­nolo­gia foi inserida no campo brasileiro. Hoje pos­suí­mos uma agri­cul­tura – assim como a pecuária –, de altís­sima pré­cisão.

No campo já se sabe o mel­hor momento para plan­tar, o que plan­tar, como será clima ao longo do ano; através do mon­i­tora­mento por drones ou satélites, se sabe qual­quer alter­ação na lavoura ou se existe alguma infes­tação de praga, podendo se fazer o com­bate ime­di­ato; o maquinário desen­volvido é um capí­tulo à parte, tra­bal­hando prati­ca­mente soz­in­hos e com uma capaci­dade infini­ta­mente supe­ri­ores aos ante­ri­ores. E já se encon­tra em testes tra­tores que dis­pensa a oper­ação humana.

Assim com a agri­cul­tura, a pecuária não deixou a dese­jar, evoluindo do mesmo modo, com as fazen­das pro­duzindo as mel­hores carnes e os reban­hos sendo con­tro­la­dos quase que inte­ri­or­mente pelos com­puta­dores, da ali­men­tação do boi, quando, através de um chip se con­trola o quanto comeu, peso, altura, etc., à ordenha das vacas, feita, tam­bém de forma mecan­izada.

Diria que hoje, só falta, mesmo, o boi ir soz­inho para o abate, pois para a ordenha as vacas já vão soz­in­has.

Noutras palavras, o Brasil vive um momento espetac­u­lar no campo, habilitando-​se, como apren­demos no primário, a ser o celeiro do mundo a não dever nada aos grandes pro­du­tores mundi­ais, inclu­sive, na pro­dução de cul­turas que vão além das “com­modi­ties” de grãos. Os vin­hos, os quei­jos, o choco­late, o azeite, sem con­tar uma vocação nacional: o café fino. Todos estes pro­du­tos, repito, sem dever em qual­i­dade, já fazem bonito nas mel­hores mesas do país e do exte­rior.

Tudo isso somente foi pos­sível graças à visão extra­ordinária de pesquisadores e pro­du­tores, que enx­er­garam no campo um motor para o cresci­mento da nação. Con­taram ainda, aque­les que se desen­volveram, com o apoio dos gov­er­nos, fed­eral e estad­u­ais.

Pois bem, lembrei-​me da lenda famil­iar envol­vendo o meu irmão, referida no iní­cio do texto, porque na reportagem ouvi um jovem dizer que hoje em dia se você quiser “ir para roça” tem é que estu­dar muito, tal o nível de con­hec­i­mento que se pre­cisa ter para lidar com essa nova real­i­dade do campo.

Noutra quadra, a refer­ên­cia à “diás­pora” da minha família para o Maran­hão é para dizer que, a despeito do estado ter sido, em mea­dos dos anos cinquenta e sessenta, a grande esper­ança para os demais nordes­ti­nos reti­rantes da seca, o mesmo, não ape­nas ficou para trás, con­forme já mostramos em um texto ante­rior, como até mesmo retrocedeu.

O estado. ape­sar de ser um dos mais ricos em recur­sos hídri­cos e de pos­suir estações climáti­cas bem definidas – o que é uma benção para a pro­dução agrí­cola –, não desen­volveu sua vocação. Se hoje ocupa a décima posição na pro­dução de grãos, isso se deve aos núcleos agrí­co­las insta­l­a­dos, sobre­tudo, na região sul, a par­tir da “col­o­niza­ção” por parte de agricul­tores vin­dos do sul do país.

Na ver­dade a agri­cul­tura maran­hense foi sendo, aos poucos, “destruída” nos últi­mos sessenta anos, prin­ci­pal­mente, dev­ido à falta de incen­tivos do gov­erno estad­ual. Hoje, descon­tada a pro­dução ori­unda do agronegó­cio, não “sobra” quase nada. E o que sobra, ainda hoje é pro­duzido através de méto­dos atrasa­dos que remon­tam aos princí­pios da civ­i­liza­ção. É a roça do toco, a limpeza do solo através da queimadas, o plan­tio feito no sacho, etc. Uma pro­dução insu­fi­ciente para a sub­sistên­cia das famílias.

Não é sem razão que ao per­cor­rermos as estradas do Maran­hão, seja o dia que for, seja a que for, encon­tramos mul­ti­dões de cidadãos nas por­tas, embaixo de árvores, sem pro­duzirem nada, muitas das vezes se entre­gando ao alcoolismo e out­ros vícios, enquanto aguardam a esmola men­sal dos pro­gra­mas de trans­fer­ên­cia de renda, seja o bolsa família; seja as fal­sas aposen­ta­do­rias como tra­bal­hadores rurais; seja através dos seguros des­ti­na­dos a pescadores.

Não é sem razão que mais da metade da pop­u­lação maran­hense vive abaixo da linha da mis­éria, e destes, uma parte sub­stan­cial, na condição de mis­éria absoluta.

São mil­hões de cidadãos maran­henses que foram – e que con­tin­uam –, aban­don­a­dos pelo poder público que os escrav­izam através da explo­ração de sua mis­éria e falta de instrução e qual­i­fi­cação.

Fazem isso de propósito, para man­terem um exército de eleitores “acríti­cos”, pron­tos para elegerem aque­les que pos­sam aten­der suas neces­si­dades mais ime­di­atas.

Enquanto noutros esta­dos os agricul­tores podem acionar os téc­ni­cos da EMATER através de um aplica­tivo de celu­lar, por aqui, até este impor­tante órgão foi extinto.

Os gov­er­nantes do estado duvi­daram – e con­tin­uam a duvi­dar –, do imenso poten­cial do nosso estado para a agri­cul­tura, pecuária e sua cadeia pro­du­tiva, por isso foi con­de­nado a mis­éria per­pé­tua por Deus que não nos dotou de um solo fér­til – a exceção de uma faixa de ter­ras entre Gra­jaú e For­t­aleza dos Nogueiras –, con­forme assen­tou o ex-​presidente Sar­ney, em um dos seus arti­gos e que refutei de pronto em um texto ante­rior sobre o assunto.

Como sus­ten­tar que o Maran­hão não pro­duz porque tem solo “pobre” quando vemos o Estado de Israel, com 65% (sessenta e cinco por cento) de seu ter­ritório como deserto e cer­cado de inimi­gos, pro­duzir grande parte dos ali­men­tos con­sum­i­dos por seu povo?

Como aceitar que o nosso estado, o segundo do Nordeste, com tan­tos recur­sos, não con­siga pro­duzir nem o sufi­ciente para ali­men­tar sua pop­u­lação, tendo que impor­tar quase tudo que con­some de out­ros esta­dos, inclu­sive dos esta­dos que sofrem muito mais com a seca que o nosso?

O MARAN­HÃO perdeu o bonde da história e ficou para trás.

Que, pode sim, se desen­volver a par­tir de grandes pro­je­tos em curso, mas que pode­ria ser o próprio propul­sor do seu desen­volvi­mento, se tivesse tido a sorte de pos­suir gov­er­nantes com visão, nos últi­mos cinquenta ou sessenta anos.

Difer­ente do que foi exposto pelo ex-​presidente Sar­ney, nosso estado não pobre porque o nosso solo não é rico e não temos recur­sos min­erais de monta. O estado pobre porque não tive­mos, até aqui, políti­cos com capaci­dade de pen­sar além dos próprios inter­esses.

Depois de tudo de bom que Deus no deu Ele nos legou políti­cos ruins e inca­pazes. Essa é a razão do nosso atraso cul­tural, pro­du­tivo e da mis­éria do nosso povo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.