AbdonMarinho - IMPEACHMENT NÃO É PALAVRÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

IMPEACH­MENT NÃO É PALAVRÃO.

IMPEACH­MENT NÃO É PALAVRÃO.

Por Abdon Marinho.

EXISTE um antigo aforismo que diz: “não há esforço sem rec­om­pensa”.

Ape­sar da mídia não ter dado o destaque dev­ido, assis­ti­mos nos últi­mos tem­pos uma cres­cente insat­is­fação da sociedade com o Poder Judi­ciário brasileiro. Essa insat­is­fação exposta já há muito tempo na ágora da atu­al­i­dade, a inter­net, teve uma man­i­fes­tação dig­amos, física ou analóg­ica, no último dia 17 de novem­bro de 2019, quando mil­hares de brasileiros, em diver­sas cidades do país, foram às ruas protestarem de forma vee­mente con­tra alguns min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Os man­i­fes­tantes, em pleno domingo enso­larado, ao invés de estarem com suas famílias, no recesso do lar, sabore­ando o almoço preferi­ram ir pra ruas car­regando faixas com inscrições con­tra os min­istros do Supremo. Esse é um fato bas­tante sig­ni­fica­tivo.

Como disse, as diver­sas mídias, talvez para ocul­tar o fato, não tra­tou como dev­e­ria, os protestos acima referi­dos. Como se não falassem deles, os impedis­sem de terem acon­te­cido. Uma espé­cie de negação.

Não me recordo de ter teste­munhado algo semel­hante, em tempo algum, em qual­quer democ­ra­cia do mundo – talvez protestos pare­ci­dos já ten­ham ocor­rido em alguma ditadura per­iférica, assim mesmo, com rari­dade.

Não faz muito tempo a min­is­tra Cár­men Lúcia, do STF, disse saber que este “é o momento de falar mal de juiz e do Supremo”.

A min­is­tra está equiv­o­cada. Há muito tempo o tri­bunal, dev­ido ao com­por­ta­mento de seus inte­grantes, é malvisto pela sociedade brasileira.

Os ques­tion­a­men­tos sobre con­du­tas inad­e­quadas já remon­tam mais de duas décadas.

Como disse acima não há esforço sem rec­om­pensa. O que a nação assiste, com protestos nas ruas, com bonecos rep­re­sen­tando juízes, com hash­tags com inscrições pedindo a saída de min­istros, tudo isso, é a “rec­om­pensa” pelos anos de mal serviços presta­dos a nação.

Não se trata de “moda” ou de críti­cas infun­dadas, trata-​se de uma justa reação há anos de desre­speitos aos cidadãos.

Nesta per­spec­tiva soa quixotesca a busca do Supremo por inimi­gos exter­nos. Como D. Quixote, de Cer­vantes, com­batem moin­hos de vento e não inimi­gos reais. Os ver­dadeiros inimi­gos da corte estão alo­ja­dos den­tro do tri­bunal de onde ameaçam não sairem tão cedo. Os ver­dadeiros inimi­gos são os inter­nos – nos seus dup­los sentidos.

Um dos min­istros que foi alvo dos protestos, Gilmar Mendes, tam­bém con­hecido com “soltador-​geral da República”, envolve-​se em polêmi­cas desde o seu ingresso na Corte. Jor­nal­is­tas e juris­tas de renome ques­tionam a qual­i­dade e moti­vações de suas decisões desde sem­pre.

Em 2009, há uma década, por­tanto, o então min­istro Joaquim Bar­bosa, em plena sessão, disse:

— Vossa excelên­cia não está na rua, não. Vossa excelên­cia está na mídia, destru­indo a cred­i­bil­i­dade do Judi­ciário brasileiro. É isso. […] Vossa excelên­cia quando se dirige a mim não está falando com os seus capan­gas do Mato Grosso, min­istro Gilmar. O sen­hor respeite.»

Alguém con­segue imag­i­nar ter­mos mais fortes para um min­istro referir-​se a outro? Foi uma reação intem­pes­tiva do min­istro Barbosa?

É pos­sível que alguns atribuam a acidez das palavras do min­istro, naquela dis­cussão de 2009, ao seu com­por­ta­mento “difí­cil”, mas, veja, em 2018, noutro momento “céle­bre” da Corte, o min­istro Bar­roso disse dirigindo-​se ao colega Gilmar Mendes: “— Me deixa de fora do seu mau sen­ti­mento. Você é uma pes­soa hor­rível. Uma mis­tura do mal com atraso e pitadas de psi­co­pa­tia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo jul­gado. É um absurdo, Vossa Excelên­cia aqui fazer um comí­cio, cheio de ofen­sas, grosse­rias. Vossa Excelên­cia não con­segue artic­u­lar um argu­mento, fica procu­rando, já ofendeu a pres­i­dente, já ofendeu o min­istro Fux, agora chegou a mim. A vida para Vossa Excelên­cia é ofender as pes­soas”.

E acres­cen­tou: “— Vossa Excelên­cia, soz­inho, enver­gonha o tri­bunal. É muito ruim. É muito penoso para todos nós ter que con­viver com Vossa Excelên­cia aqui. Não tem ideia, não tem patri­o­tismo, está sem­pre atrás de algum inter­esse que não é o da Justiça. É uma coisa hor­ro­rosa, uma ver­gonha, um con­strang­i­mento. É muito feio isso”.

Podemos ficar ape­nas nestes dois momentos.

Outro alvo dos protestos das ruas, o min­istro Dias Tof­foli, é bem mais emblemático. Reprovado duas vezes em con­cur­sos públi­cos para juiz de dire­ito, por obra e graça do des­tino, virou min­istro da mais ele­vada Corte do país.

Sua investidura, basta olhar os jor­nais da época, cau­sou inqui­etação e críti­cas, mais diver­sas, inclu­sive essa: como alguém que não con­seguiu ser juiz numa comarca per­dida nos rincões do país podia “virar” min­istro do Supremo.

Recen­te­mente com­ple­tou uma década como min­istro e, se alguma alma cari­dosa, em algum momento, chegou ter dúvi­das se o seu ingresso na Corte se deu uni­ca­mente por ser “amigo do rei”, na presidên­cia do tri­bunal, ele espan­tou toda e qual­quer ques­tion­a­mento a respeito disso.

Não se trata “ape­nas” de ataques de “juizite”. São decisões de duvi­dosa legal­i­dade, como a aber­tura de inquérito secreto por sua própria ini­cia­tiva, com nomeação de rela­tor escol­hido a dedo para inves­ti­gar objeto incerto.

Antes, já tinha pedido – e con­seguido –, cen­surar dois veícu­los de comu­ni­cação que traziam reporta­gens sobre detal­hes pouco orto­doxos de sua vida finan­ceira.

Não sat­is­feito solic­i­tou dados do sig­ilo bancário e fis­cal de cerca de seis­cen­tos mil con­tribuintes entre pes­soas físi­cas e jurídi­cas, depois de deter­mi­nar a par­al­iza­ção de quase nove­cen­tos proces­sos que tiveram como base relatórios do antigo COAF.

Isso só para citar os fatos mais “polêmi­cos”.

A der­radeira prova cabal de sua inca­paci­dade foi “alu­gar” a atenção da nação por qua­tro horas para pro­ferir um voto cujo objeto caberia em, no máx­imo, 15 min­u­tos, estourando, 20 ou 30 min­u­tos, para, no final, ninguém enten­der a decisão que pro­feriu. Nem mes­mos os seus cole­gas, acos­tu­ma­dos ao lin­gua­jar empo­lado, ao tér­mino do voto sabiam qual tinha sido a decisão de sua excelên­cia, isso depois de pedi­rem diver­sos esclarec­i­men­tos durante a man­i­fes­tação.

Alguns sug­eri­ram a con­tratação de um pro­fes­sor de javanês, em alusão ao clás­sico de Lima Bar­reto, já out­ros dis­seram, pub­li­ca­mente, que estavam diante de um novo idioma: o “tof­folês”.

Quando o pres­i­dente da mais ele­vada Corte do país é tratado como piada por seus próprios pares é porque algo de muito errado há.

A per­gunta que se faz é: como cheg­amos a isso?

A primeira resposta é que isso sinal­iza a ausên­cia e/​ou o mau fun­ciona­mento das insti­tu­ições repub­li­canas.

Ao longo dos anos assis­ti­mos o apar­el­hamento do Poder Judi­ciário em suas várias instân­cias. Car­gos vitalí­cios de desem­bar­gadores e min­istros sendo “repar­tidos” entre agremi­ações par­tidárias em detri­mento dos inter­esses da nação.

As insti­tu­ições não fun­cionaram (e não fun­cionam) por ocasião das investiduras e menos ainda quando surge a neces­si­dade de reti­rar um ou outro ministro.

A falta de ini­cia­tiva e mesmo de ação das insti­tu­ições democráti­cas sus­ci­tam os protestos nas ruas e, até mesmo, pro­postas de cunho anti­democrático.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, e já sob a égide da Con­sti­tu­ição de 1988, foram feitos os impeach­ment de dois pres­i­dentes da República, legit­i­ma­dos por mil­hões de votos; o par­la­mento já cas­sou dezenas de par­la­mentares e tan­tos out­ros foram con­de­na­dos pela Justiça.

Os pro­ced­i­men­tos de impeach­ment, os proces­sos de cas­sação, assim como, a perda dos mandatos por dec­re­tação emanada do Poder Judi­ciário são legí­ti­mas, ape­sar disso, com motivos mais do que sufi­cientes, não são aber­tos os proces­sos de impeach­ment em face dos min­istros do Supremo.

O Senado da República, que nos ter­mos da Con­sti­tu­ição pos­sui a com­petên­cia para levar a cabo o impeach­ment não per­mite nem que os mes­mos sejam instau­ra­dos. São proces­sos sérios, car­rega­dos em provas con­tun­dentes e argu­men­tação farta, que o pres­i­dente do Senado ignora e deixa dor­mi­tar em suas gave­tas.

É jus­ta­mente essa omis­são a raiz de todos os males. Os min­istros, que se acham inat­ingíveis, deixam de se com­portarem como mag­istra­dos para se com­portarem como políti­cos, com um com­por­ta­mento desre­grado e emitindo opinião, fora dos autos, sobre tudo; noutra frente a sociedade que sabe não poder con­fiar nas insti­tu­ições, sai às ruas pedindo soluções arbi­trárias.

Estivessem as insti­tu­ições fun­cio­nando de forma reg­u­lar, sabendo suas atribuições, os pro­ced­i­men­tos de impeach­ment seriam instau­ra­dos e os, suposta­mente, cul­pa­dos, proces­sa­dos e jul­ga­dos pelo foro com­pe­tente, que não é a rua ou a ágora da inter­net.

Assim o Brasil vai tril­hando rumo ao caos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.