AbdonMarinho - TRÉGUA PARA O BRASIL.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

TRÉGUA PARA O BRASIL.

TRÉGUA PARA O BRASIL.

Por Abdon Marinho.

NA SEGUNDA metade da década de oitenta o antigo líder comu­nista Luís Car­los Prestes (18981990), esteve no Maran­hão. Foi uma pro­gra­mação orga­ni­zada pela médica e ativista comu­nista Maria Aragão (19101991) e pelo então vereador Aldionor Sal­gado (19542014).

Extinto em 1990, acred­ito que aquela tenha sido a última vez que o Cav­aleiro da Esper­ança no Maranhão.

A prin­ci­pal reunião da visita ocor­reu no auditório da Bib­lioteca Bened­ito Leite, na Praça Deodoro. Para os que não con­hecem o auditório, ele, ape­sar de pequeno, é muito bonito e aconchegante, talvez por ficar sob a cúpula do prédio.

Feitas as apre­sen­tações ini­ci­ais, abriu-​se para as per­gun­tas da plateia ao con­vi­dado. Lem­bro que eu, ainda um ado­les­cente afoito, fiz a primeira per­gunta a Prestes. Pergunte-​lhe sobre o fato de ter ido ao comí­cio em apoio à Getúlio Var­gas, em 1945, ao sair da prisão.

Prestes respon­deu, com a voz já cansada pelos anos e tam­bém pela viagem, que naquele momento era impor­tante colo­car as difer­enças de lado pelo bem do Brasil. Algo mais ou menos neste sentido.

(Qual­quer dia procu­rarei a Fun­dação Maria Aragão em busca daquele reg­istro. Como dito ante­ri­or­mente, não demorou muito tempo Prestes mor­reu e no ano seguinte Maria Aragão).

Todos que não nos intrig­amos com os livros de história sabe­mos o quão con­tur­bado foi a relação de Prestes com Var­gas: o fra­casso da Inten­tona Comu­nista, sua prisão e de sua com­pan­heira, Olga Benário, a entrega de Olga aos nazis­tas, ape­sar de grávida, pelo gov­erno brasileiro; o nasci­mento da filha de Prestes e Olga, na prisão, na Ale­manha, a morte de Olga pelos nazis­tas, etc.

Ape­sar de tudo isso, com a voz mansa, Prestes nos dizia naquela noite que era pre­ciso pen­sar no Brasil e con­tra um mal maior.

Não se trata aqui de revolver­mos fatos quase cen­tenários, as razões de cada um, a con­jun­tura histórica, etc.

A razão de faz­er­mos tal reg­istro é para que ten­hamos a certeza do quanto o Brasil piorou em ter­mos de quadros políti­cos. A impressão que temos é que ninguém está “nem aí para o Brasil”, para as difi­cul­dades do povo.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país não me recordo da democ­ra­cia brasileira encontrar-​se tão frag­ilizada. Esta­mos à beira de um abismo insti­tu­cional e com uma sociedade extrema­mente dividida.

Os poderes da República que devem (ou dev­e­riam) garan­tir a ordem insti­tu­cional nunca, em toda a história repub­li­cana, estiveram tão mal rep­re­sen­ta­dos, com uma grande parcela da sociedade não lhes recon­hecendo ou respei­tando.

Bem pior que ter­mos chefes de poderes insti­tu­cionais frágeis ou desprepara­dos é ter­mos uma oposição apo­s­tando no “quanto pior, mel­hor” e demon­strando um total descom­pro­misso com o país.

Desde o iní­cio do atual gov­erno, legit­i­ma­mente eleito – e não é porque não vota­mos nele que não vamos recon­hecer isso –, que a oposição lançou-​se numa cam­panha sem tréguas con­tra ele, fusti­gando, sab­otando, obstru­indo, etc.

Enquanto isso, na outra ponta, cobra resultados.

Outro dia, con­forme teste­munhamos, chama­ram uma greve geral de cunho emi­nen­te­mente político.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, em 1985, tive­mos greves gerais nos gov­er­nos Sar­ney, Col­lor e FHC. Nen­huma nos gov­er­nos de Lula e Dilma.

Acom­pan­hei todas. Não vi um único movi­mento pare­dista ser chamado con­tra o gov­erno com menos de um ano de gestão.

O gov­erno Sar­ney, que pade­cia sob ques­tion­a­men­tos de legit­im­i­dade – eleição através de Colé­gio Eleitoral, sub­sti­tu­ição às pres­sas na véspera da posse dev­ido a enfer­mi­dade e depois morte de Tan­credo Neves –, ape­sar da crise, do desem­prego, da inflação, das notí­cias de cor­rupção, só foi enfrentar sua primeira greve geral em 1986.

Com o gov­erno Col­lor, que ao assumir con­fis­cou a poupança dos brasileiros, já apre­sen­tava indí­cios de cor­rupção desde o iní­cio, só foi enfrentar sua primeira greve geral em 1991.

Com FHC, eleito em 1994 na esteira da esta­bil­i­dade econômica decor­rente do Plano Real, a primeira greve geral só ocor­reu em 1996.

Como já reg­is­tramos os gov­er­nos petis­tas não ocor­reram greves gerais con­vo­cadas pela rep­re­sen­tação dos tra­bal­hadores muito emb­ora os escân­da­los se sucedessem, como foi o do “Men­salão”, que estourou no gov­erno Lula e o do “Petrolão”, no gov­erno Dilma.

Além dos escân­da­los de cor­rupção, só super­a­dos por eles mes­mos – até hoje não se tem a real dimen­são do roubo dos recur­sos públi­cos por agentes do gov­erno e pri­va­dos –, tive­mos cortes sig­ni­fica­tivos na saúde, na edu­cação, e em out­ras áreas, sem con­tar o iní­cio da que­bradeira econômica e o desem­prego a níveis nunca dantes vis­tos.

O atual gov­erno, além dos protestos diver­sos desde a posse, já teve con­tra si uma greve geral – que ocor­reu no último 14 de junho –, com menos de seis meses de gov­erno.

A greve geral é um instru­mento de luta legí­timo, mas con­vo­cada, como foi e pelos motivos apre­sen­ta­dos, revelou-​se ape­nas peça de um embate mera­mente político.

Pelo que li, a greve geral voltou-​se con­tra o pro­jeto de reforma da pre­v­idên­cia e con­tra o desem­prego.

Ora, a reforma da pre­v­idên­cia social é um con­senso, qual­quer um sabe que há uma neces­si­dade – mais que urgente –, de se fazer uma reforma que a torne sus­ten­tável nos próx­i­mos anos.

Os que são con­tra que diga os pon­tos que dis­cor­dam ou apre­sente um pro­jeto para dis­cussão que rep­re­sente a econo­mia para os cofres públi­cos esper­a­dos pelo gov­erno.

O outro ponto que motivou a greve geral foi o desem­prego. Mas o desem­prego que aí está não foi ger­ado pelo atual gov­erno.

Gostando dele ou não, é des­on­esto colo­car na conta do atual gov­erno os 13 mil­hões de desem­pre­ga­dos que exis­tem no país.

Quan­tos mil­hões de desem­pre­ga­dos o atual gov­erno gerou? Quan­tos mil­hões os gov­er­nos ante­ri­ores ger­aram? Quem estava no poder quan­tos os mil­hões de brasileiros perderam seus empre­gos? O que fiz­eram as rep­re­sen­tações dos tra­bal­hadores e dos par­tidos que chama­ram a última greve?

Feitas estas con­sid­er­ações, quer me pare­cer que a oposição, por seus vários braços, não demon­stra uma efe­tiva pre­ocu­pação com os des­ti­nos do país, mas sim, que aposta num clima de caos e insta­bil­i­dade como estraté­gia para retornar ao poder ou mesmo apo­s­tando que algo pior venha a acon­te­cer.

O quadro político revela-​se dev­eras instável, pois não bas­tasse um gov­erno que se rev­ela despreparado – com inúmeras pau­tas con­tro­ver­sas que divi­dem o país –, temos no comando das insti­tu­ições pes­soas, como dito ante­ri­or­mente, que não pos­suem autori­dade real.

Vejam se me faço enten­der, todas essas pes­soas, na chefia do exec­u­tivo, leg­isla­tivo e do judi­ciário, são deten­toras de legit­im­i­dade, foram eleitas ou chegaram a onde estão por meios legí­ti­mos, entre­tanto – o tempo vem mostrando –, não pos­suem a autori­dade necessária em torno da qual o con­junto da sociedade possa se sen­tir segura.

Piora este quadro ter­mos uma oposição agindo com irre­spon­s­abil­i­dade e opor­tunismo.

É a receita do fra­casso do país como nação.

A pop­u­lação sabe disso. Assim, como soube em 1985, e recu­sou o extrem­ismo dos que não que­riam uma tran­sição pací­fica de régime.

A última greve geral mostrou que a solução extrem­ista da oposição se rev­elou equiv­o­cada, tanto que pela primeira vez na história do país se viu um pres­i­dente ser aplau­dido em um está­dio de fute­bol no dia de uma greve geral.

Isso mostra que falta legit­im­i­dade as rep­re­sen­tações dos tra­bal­hadores e das forças de oposição.

Qual­quer um com mais de dois neurônios em fun­ciona­mento con­segue imag­i­nar o que pode acon­te­cer quando se tem rep­re­sen­tações insti­tu­cionais com autori­dade ques­tion­ada e oposição sem legit­im­i­dade.

Outro cav­alar equívoco da oposição é este “ataque” ao min­istro e ex-​juiz Sér­gio Moro.

A menos que apareça o áudio dele com os procu­radores, ou com quais­quer out­ros, com­bi­nando “roubar o din­heiro do con­tribuinte” ou “matar a mãe”, a pop­u­lação vai ficar do seu lado. E quanto mais fiz­erem con­tra ele mais vai aumen­tar seu apoio pop­u­lar.

A pop­u­lação sabe que não é ilegí­timo alguém fazer críti­cas ao ex-​juiz – exis­tem algu­mas pes­soas, alguns juris­tas, com esse dire­ito pois sem­pre criticaram a con­dução da Oper­ação Lava Jato –, o que não acha legí­timo é que estas críti­cas par­tam daque­les que hoje estão na oposição.

Ora, qual­quer um sabe que estes críti­cos não fazem “cav­alo de batalha” con­tra o ex-​juiz, por este ter, suposta­mente, man­tido con­tatos “inde­v­i­dos” com procu­radores, por amor ao dire­ito ou à Justiça.

Se assim fosse, não apoiariam os regimes total­itários de Cuba e da Venezuela que sim­ples­mente “aboli­ram” a noção de sep­a­ração de poderes, e tanto o min­istério público quanto o judi­ciário exis­tem ape­nas para chance­lar os atos de arbítrios daque­las ditaduras.

Se assim fosse não apoiariam o gov­erno norte-​coreano, que de tão esdrúx­ulo o régime, sequer sabe­mos como qual­i­ficar.

São estas pes­soas, com este histórico de “amor ao dire­ito”, a “justiça” e a “democ­ra­cia” que, com base em supos­tos diál­o­gos, obti­dos de forma clan­des­tina por um site estrangeiro, ques­tionam a Oper­ação Lava Jato, os procu­radores da República e o ex-​juiz Moro?

Difer­ente do que pen­sam alguns fanáti­cos mil­i­tantes, a cor­rupção, mesmo que seja endêmica, pre­cisa ser com­bat­ida com vigor, e os cor­rup­tos e cor­rup­tores, proces­sa­dos, jul­ga­dos e pre­sos.

A per­cepção da sociedade é que é a cor­rupção – e não o com­bate à ela –, a respon­sável pelos infortúnios do nosso país.

O que pas­sou para a sociedade que assis­tiu a aquela sessão da Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça do Senado é que muitos que estavam ali fazendo per­gun­tas ao ex-​juiz, ao invés de inquiri-​lo, por suas vidas pre­gres­sas, dev­e­riam estarem pre­sos.

E cada um do povo con­hece bem seus rep­re­sen­tantes.

Emb­ora não ver­bal­izem de forma cabal – por covar­dia –, o que querem os inte­grantes da oposição, ao arran­jarem pre­tex­tos e atacarem o ex-​juiz Sér­gio Moro, é a anu­lação de todos os proces­sos da Oper­ação Lava Jato, a soltura de todos os pre­sos e a devolução dos bil­hões de reais rou­ba­dos dos cofres públi­cos aos ladrões – se pos­sível com o paga­mento de polpuda ind­eniza­ção aos mes­mos.

Essa é a pro­posta – não ver­bal­izada –, que se encon­tra como obje­tivo final da oposição.

Essa é a pro­posta que a sociedade rejeita.

Mais uma vez, como foi em 1964, quando apos­taram no rad­i­cal­ismo que levou a rup­tura insti­tu­cional; 1979, quando se colo­caram con­tra a anis­tia geral ampla e irrestrita, que ini­ciou a paci­fi­cação do país; 1985, quando pre­tenderam a rup­tura con­tra o colé­gio eleitoral e a eleição de Tan­credo Neves; 1993, quando se colo­caram con­tra o Plano Real, que devolveu a esta­bil­i­dade econômica ao país; e 2013 quando se colo­caram con­trárias as man­i­fes­tações pop­u­lares con­tra a cor­rupção, a oposição, ao insi­s­tir em acabar com a Oper­ação Lava Jato, devolver a liber­dade e os bil­hões rou­ba­dos aos seus ladrões, cam­in­hará em sen­tido con­trário ao sen­ti­mento da pop­u­lação.

Ao perseguir, mais uma vez, a insta­bil­i­dade, poderá nos trazer coisas bem piores.

O Brasil pre­cisa de uma trégua. Antes de tudo, como disse Prestes naquela opor­tu­nidade, é pre­ciso pen­sar no Brasil.

Abdon Mar­inho é advo­gado.