AbdonMarinho - O SILÊNCIO SELETIVO DOS CÍNICOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O SILÊN­CIO SELE­TIVO DOS CÍNICOS.

O SILÊN­CIO SELE­TIVO DOS CÍNI­COS.
Por Abdon Mar­inho.
O BISPO silen­cia de forma obse­quiosa;
E, assim, tam­bém, o faz, o frei;
O escritor de rep­utação inter­na­cional unão escreve uma linha;
O jor­nal­ista não faz uma matéria;
Os atores famosos – e os nem tanto – estão mudos;
As atrizes, tão tal­en­tosas, lin­das e queri­das, estão cal­adas;
O can­tor de fama inter­na­cional finge que não ver ou que não sabe de nada;
O artista respeitado em todo mundo não tem nada a dizer;
A poet­isa, que quando fala nos encanta com seus ver­sos, não faz ou diz uma quadra a respeito.
As funções ou ofí­cios acima sim­bolizam diver­sos cole­tivos de cidadãos brasileiros. E, todos, prati­ca­mente sem exceção, se dizem human­istas, defen­sores da democ­ra­cia, das liber­dades indi­vid­u­ais, dos dire­itos humanos e da cidada­nia.
Estran­hamente, todos eles, prati­ca­mente sem exceções – a exceção jus­ti­fica a regra, dizem –, ado­tam o silên­cio em relação a maior crise human­itária da história da Venezuela. Alguns, mais auda­ciosos – ou sem noção –, ainda se arriscam na defesa da ditadura boli­var­i­ana.
Emb­ora pareça dis­tante do eixo Rio-​São Paulo, onde, suposta­mente se con­cen­tra elite pen­sante nacional, a Venezuela é logo ali, está “gru­dad­inha” na fron­teira norte do Brasil, com seus desac­er­tos políti­cos, econômi­cos e human­itários se refletindo do lado de cá da fron­teira, prin­ci­pal­mente em Roraima, com o aumento da demanda por saúde, edu­cação, assistên­cia social ou segu­rança pública, em face da cres­cente explo­ração dos migrantes, da pros­ti­tu­ição e todas out­ras con­se­quên­cias de acréscimo pop­u­la­cional não plane­jado para um Estado que já sofria de prob­le­mas crôni­cos.
A ditadura implan­tada no país viz­inho é respon­sável por uma crise human­itária sem prece­dentes na América do Sul, com inflação que passa de 1000% (mil por cento) ao ano, com um salário mín­imo que não alcança dois dólares no mer­cado para­lelo, com o desabastec­i­mento que obriga a pop­u­lação inteira a ficar horas a fio nas filas para com­prar pão sub­sidi­ado e racionado.
Nem deve­mos falar em out­ros pro­du­tos bási­cos que há tem­pos sumi­ram das prateleiras dos super­me­r­ca­dos.
Em tem­pos recentes uma parcela da pop­u­lação tinha que dis­putar nos depósi­tos de lixo sobras de comida com os cães e urubus ou “pescarem” todos os tipos de metais nos esgo­tos dos mais favore­ci­dos.
Por último tive­mos a notí­cia de que seres humanos estariam com­ple­tando a dieta ali­men­tar com ração para cachor­ros e gatos.
Os gril­hões da fome que ronda a pop­u­lação tem prej­u­di­cado espe­cial­mente as cri­anças, já sendo comum a diminuição da estatura e o raquitismo provo­cado pela falta de nutri­entes, não sendo raros os casos de morte em decor­rên­cia do fla­gelo.
E, se falta o que comer é porque muitos dos out­ros serviços essen­ci­ais deixaram de ser ofer­e­ci­dos. São cirur­gias e out­ros trata­men­tos médi­cos que não são ofer­ta­dos por falta de equipa­men­tos e insumos bási­cos. Ou seja, os cidadãos estão sendo con­de­na­dos à morte por falta de trata­mento.
A pop­u­lação alque­brada pela fome, pela desas­sistên­cia e com os líderes pre­sos, impe­di­dos de manifestarem-​se ou no exílio não tem como ofer­e­cer grandes resistên­cia à ditadura cada vez mais opres­sora.
Porém dizem pos­suir uma das mais exem­plares democ­ra­cias do oci­dente, tanto, que agora mesmo, antes de abril de 2018, já têm eleições pres­i­den­ci­ais con­vo­cadas pela con­sti­tu­inte for­mada só por ali­a­dos do gov­erno.
Na eleição que se aviz­inha os adver­sários do régime estão proibidos de se unirem e os prin­ci­pais líderes da oposição impe­di­dos de con­cor­rer.
Assim fica tão fácil quanto mar­car pênalti com o goleiro amar­rado num dos lados da trave. Uma odiosa prática de usar instru­men­tos democráti­cos para per­pet­uar ditaduras.
Mas, cer­ta­mente, logo após as eleições, ver­e­mos muitos destes ilus­tres silen­ciosos saudando e defend­endo a democ­ra­cia boli­var­i­ana. Ou fin­gindo que nada têm com o descal­abro político-​repressivo daque­les que com a des­culpa de lib­er­tar o povo do cap­i­tal­ismo usa como estraté­gia matar esse mesmo povo de fome.
A lista de cíni­cos silen­ciosos que nada vêem de errado ou nada têm a dizer sobre a crise human­itária venezue­lana é com­posta pelos mes­mos que saem em defesa do ex-​presidente Lula da Silva con­de­nado por cor­rupção, com sen­tença con­fir­mada em segunda instân­cia.
Aliás o mesmo Lula Silva que se abalou de ir a Venezuela para par­tic­i­par ati­va­mente da cam­panha do sen­hor Nicolás Maduro, o dita­dor da ocasião.
Por aqui – e para além do Brasil –, estes cíni­cos silen­ciosos se prestam ao papel de difamarem o Judi­ciário brasileiro, como se vivêsse­mos uma ditadura, ape­sar de ter­mos todas as insti­tu­ições da República fun­cio­nando de forma reg­u­lar e, logo mais, em eleições gerais pre­vi­a­mente deter­mi­nadas e sem sur­presa, para ninguém, sendo real­izadas, onde qual­quer um do povo – desde que preenchi­dos os req­ui­si­tos legais – poderá con­cor­rer – e até gan­har –, o dire­ito de con­duzir o país, um dos esta­dos da fed­er­ação ou exercer um mandato de senador ou dep­utado fed­eral no Con­gresso Nacional ou um de dep­utado estad­ual nas Assem­bléias Leg­isla­ti­vas.
Ape­sar disso, para estes ilu­mi­na­dos, o Brasil é uma ditadura em detri­mento do mod­elo de democ­ra­cia que é o país viz­inho, e ainda há uns tolos sem juízo, segui­dos por out­ros igual­mente tolos, falando em “des­obe­diên­cia civil” ou mesmo que se faça uma “rev­olução armada” no nosso país.
Chega a ser estar­rece­dor que a int­elec­tu­al­i­dade brasileira – pelo menos a parte que se diz ativa politi­ca­mente ou que se man­i­festa neste sen­tido –, ass­inta com o dis­curso em defesa da cor­rupção e de quê o fun­ciona­mento reg­u­lar dos poderes públi­cos car­ac­ter­iza aten­tado con­tra a democ­ra­cia enquanto não dá um pio, ainda que pro­to­co­lar, con­tra o régime opres­sor da Venezuela, este sim, pro­mo­tor de inom­ináveis vio­lên­cias con­tra os cidadãos.
A causa da cidada­nia, dev­e­riam saber, não está restrita às fron­teiras nacionais. Onde quer que este­jam pre­sentes as injustiças, con­tra elas devem se man­i­fes­tar os homens de bem.
O silên­cio obse­quioso e o alar­ido sele­tivo serve ape­nas aos que não pos­suem hon­esti­dade nos princí­pios.
A sele­tivi­dade da crítica é o refú­gio do cin­ismo.
Abdon Mar­inho é advogado.