AbdonMarinho - O JULGAMENTO DE LULA: PESAR E JÚBILO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O JUL­GA­MENTO DE LULA: PESAR E JÚBILO.

O JUL­GA­MENTO DE LULA: PESAR E JÚBILO.
Por Abdon Mar­inho.
MEU primeiro voto para pres­i­dente da República foi em Lula. Na ver­dade os dois: primeiro e segundo turnos, lá em 1989.
Eram tem­pos de grandes esper­anças e ilusões. Ado­les­centes, son­há­va­mos com a mítica de um operário no poder. Mais do que o fato em si, o sig­nifi­cado.
Aquele sonho foi nos tirado pela vitória do sen­hor Fer­nando Col­lor de Melo, que veio a ser o primeiro pres­i­dente eleito pelo povo após o régime de exceção.
Con­tin­u­amos a insi­s­tir no sonho de ver­mos o operário virar pres­i­dente até 2002. Emb­ora o tal operário já não fosse tão operário desde muito tempo. Mas acred­itá­va­mos no sonho. Fazia parte da mítica.
Logo depois da eleição de Lula, em 2002, vi que não era aquilo que son­há­va­mos. O Lula que no dis­curso de posse se com­pro­m­e­terá a incan­sável luta con­tra a cor­rupção, se deixara seduzir por seus encan­tos e fiz­era da prática um instru­mento de poder.
A con­fir­mação da sen­tença de primeiro grau do ex-​presidente prova que estava certo.
Passaram-​se menos de trinta anos desde a esper­ança aca­len­tada naquele primeiro pleito até as palavras cor­tantes nos chamando à real­i­dade e foram ditas por pes­soas da mesma idade que eu ou, talvez, mais jovens e que talvez tenha tido os mes­mos son­hos daquele final dos anos oitenta.
O sen­hor procu­rador atuando no TRF 4, foi con­tun­dente: “lamen­tavel­mente, Lula se cor­rompeu”, disse no iní­cio do jul­ga­mento. Antes, porém, fazendo questão de assev­erar que qual­quer que fosse a decisão da corte, estaria se fazendo justiça.
Já na quadra final da sessão de jul­ga­mento foi a vez do desem­bar­gador Vic­tor Laus assen­tar: “Ou seja, em algum momento alguém perdeu o rumo das coisas e pas­sou a se con­fundir, pas­sou a não com­preen­der as suas atribuições. Ou seja, me refiro ao ex-​presidente, nat­u­ral­mente. Ou seja, Sua Excelên­cia, em algum momento, perdeu o rumo, a ver­dade era essa. Ele pas­sou a con­fundir as suas atribuições de primeiro man­datário desse país talvez com aque­las que, no pas­sado, lhe con­fe­riam a presidên­cia da agremi­ação par­tidária”.
Logo depois da sessão alguns ami­gos lig­aram ou man­daram men­sagens, inda­gando minha opinião sobre o jul­ga­mento.
Ini­cial­mente, como já disse noutras opor­tu­nidades: o infortúnio de ninguém me traz júbilo.
Em relação ao ex-​presidente Lula, con­fesso, me trouxe um pro­fundo pesar, espe­cial­mente por toda essa história. Temos um cidadão que, em menos de 15 anos, deixou de encar­nar um sen­ti­mento de esper­ança – quando se elegeu, em 2002, tinha o apoio de mais de setenta por cento da pop­u­lação –, para virar um con­de­nado. Pior, um con­de­nado por cor­rupção. E, out­ras con­de­nações virão. É fato.
“Lamen­tavel­mente, Lula se cor­rompeu”, “sua excelên­cia, em algum momento, perdeu o rumo”.
A dureza da primeira assertiva ou a edu­cação con­tida da segunda, traduzem o mesmo sig­nifi­cado: o sonho, infe­liz­mente, era uma farsa, os gov­er­nos instau­rado a par­tir de 2003, de Lula e Dilma, sob o verniz de gov­er­nos pop­u­lares e ded­i­ca­dos aos pobres, foi campo fér­til aos mais hor­ren­dos esque­mas de cor­rupção de que se tem notí­cia na história da humanidade.
Não temos como con­tornar essa ver­dade.
Difer­ente do que dizem, não esta­mos diante perseguições ao ex-​presidente Lula, ou a esquerda de maneira geral, ou diante de um com­plô dos financis­tas inter­na­cionais com as elites brasileiras con­tra os inter­esses nacionais, o que apura, e se com­prova, para o nosso desalento, são graves crimes comuns, cometi­dos por quem não tinha o dire­ito de cometê-​los.
Nos tex­tos que escrevi sobre a con­de­nação, em espe­cial “Luís Iná­cio, 71, Con­de­nado” e “A Democ­ra­cia e o Jul­ga­mento”, deixei claro que achava a sen­tença do juiz Moro bem posta e que ter-​se-​ia muito tra­balho para sua descon­strução, ressal­vando, entre­tanto, descon­hecer o con­teúdo das provas que a sus­ten­tava.
Durante o jul­ga­mento no Tri­bunal Regional da Quarta Região – TRF4, nas quase 9 horas, os sen­hores desem­bar­gadores da Oitava Turma, além de elo­giar o tra­balho feito pela Polí­cia Fed­eral, pelo Min­istério Público Fed­eral, bem como, pelo Juiz Moro, na con­fecção da sen­tença, tiveram o tra­balho de descorti­nar as provas con­ti­das nos autos e o cote­ja­mento entre as mes­mas e os fatos a embasarem a con­de­nação. Só o voto do rela­tor, segundo soube, tem mais de 400 lau­das, é só o resumo demon­stra ser um tra­balho pri­moroso e de fôlego.
Se não me é falha a memória, mais de um dos sen­hores desem­bar­gadores fed­erais, assen­tou que as provas con­ti­das nos autos estavam “bem acima de qual­quer dúvida razoável”.
Diante do que assis­ti­mos no jul­ga­mento, com a exposição farta das provas – não uma prova iso­lada, mas um con­junto de provas: reci­bos, pro­je­tos, e-​mails, depoi­men­tos, con­tratos rasur­a­dos, etc. –, soa pueril, ou como des­culpa esfar­ra­pada, o clamor dos mil­i­tantes e seguidores do petista de que o processo que o con­de­nou o ex-​presidente carece de provas.
Ora, com o jul­ga­mento na instân­cia supe­rior já são qua­tro mag­istra­dos a atestarem a reg­u­lar­i­dade e robustez do acervo pro­batório sendo descabido ficarem esses “meni­nos” – meni­nos na meninice, na idade há muito deixaram de sê-​los –, bradando con­tra a “falta de provas”.
O que querem como prova? A caso, como o estu­pendo per­son­agem Pedro Pedreira – inter­pre­tação magis­tral de Fran­cisco Milani, na Escol­inha do Pro­fes­sor Raimundo –, querem que a Justiça, para con­denar o ex-​presidente, exiba o recibo de cor­rupção reg­istrado em cartório, com firma recon­hecida de duas teste­munhas?
Aliás, tal qual o per­son­agem – que não admi­tia uma opinião diver­gente da sua –, cla­mam uni­ca­mente por esta prova: a escrit­ura pública do imóvel em nome do ex-​presidente, como se essa ausên­cia, em si na fizesse parte do crime.
Na visão destes mil­i­tantes de nada servem todas as demais provas, nem mesmo as dezenas de depoi­men­tos e con­fis­são do pro­pri­etário da empresa que assumiu a con­strução dos imóveis da famosa “ara­puca” da BAN­COP, de que a unidade em questão estava, desde sem­pre, reser­vada ao ex-​presidente e que as refor­mas, adap­tação e mobil­iário foram repas­sa­dos como propina.
A exigên­cia descabida, os ataques injus­ti­ficáveis à Justiça, não pas­sam de cortina de fumaça, uma vã ten­ta­tiva de poli­ti­zar um debate essen­cial­mente jurídico.
A falsa polêmica, acred­ito, seja fruto da con­sciên­cia de que out­ras con­de­nações ainda virão, por isso mesmo ten­taram – e vão con­tin­uar ten­tando por todos os meios e for­mas –, imprimir o ritmo e a con­cepção do par­tido ao que seja Justiça. É o que lhes resta.
Não duvido que alme­jem uma justiça como a venezue­lana, a cubana ou a norte-​coreana, sem­pre dis­postas a aten­derem aos inter­esses dos seus regimes.
Final­izo dizendo: se por um lado a con­fir­mação da con­de­nação do sen­hor Lula me cau­sou pesar e con­ster­nação – pelas razões expostas acima –, por outro, os cidadãos de bem, não podemos deixar de externar o con­tenta­mento em ver a Justiça e, pode se dizer, as insti­tu­ições do Estado brasileiro, fun­cio­nando e não se deixando con­stranger pelos ataques e ameaças das mal­tas par­tidárias.
Com sin­gu­lar clareza, edu­cação e dis­crição, os desem­bar­gadores do TRF4 dis­seram estarem jul­gando fatos e não pes­soas, aca­bando por pro­duzir – para o bem da nação –, uma nova história.
Não temos dúvi­das que muito ainda pre­cisamos fazer para alcançar­mos um Judi­ciário que sirva ao inter­esse público e a sociedade, entre­tanto, já avançamos bas­tante e no rumo certo.
São mil­hões de brasileiros que mor­rem por falta de assistên­cia médica, que pade­cem da ignorân­cia, que sofrem com a falta de infraestru­tura, enquanto os recur­sos públi­cos são desvi­a­dos para poucos aquin­hoa­dos que fazem for­tu­nas enquanto exercem mandatos ou ocu­pam car­gos nos escalões da República.
O jul­ga­mento de um ex-​presidente da República e de tan­tos out­ros, out­rora, poderosos, que já foram, e que ainda serão, con­de­na­dos por cor­rupção e out­ros crimes con­tra o patrimônio público e con­tra a própria sociedade, são sinais alvis­sareiros, desta mudança, para mel­hor, no Brasil.
Abdon Mar­inho é advogado.