AbdonMarinho - A PROFECIA DE RUI BARBOSA OU UMA NAÇÃO DE CONCEITOS INVERTIDOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A PRO­FE­CIA DE RUI BAR­BOSA OU UMA NAÇÃO DE CON­CEITOS INVERTIDOS.

A PRO­FE­CIA DE RUI BAR­BOSA OU UMA NAÇÃO DE CON­CEITOS INVERTIDOS.

O VELHO Rui Bar­bosa, baiano de Sal­vador, a Águia de Haia, jurista, advo­gado, político, diplo­mata, escritor, filól­ogo, jor­nal­ista, tradu­tor e orador. Em suma, um dos mais bril­hantes int­elec­tu­ais de sua época que cun­hou, como um espé­cie de pro­fe­cia: “De tanto ver tri­un­far as nul­i­dades, de tanto ver pros­perar a des­onra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-​se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desan­i­mar da vir­tude, a rir-​se da honra, a ter ver­gonha de ser hon­esto.

Fal­tando poucos anos para o cen­tenário da morte do int­elec­tual, que ocor­rerá em 2023, nunca, como no Brasil de agora, suas palavras pare­ce­ram tão apropriadas.

Lem­brava delas ao refle­tir sobre as reações a uma medida ado­tada pelo juiz de dire­ito Car­los Roberto de Oliveira Paula em renun­ciar as van­ta­gens que não con­sid­er­ava em acordo, ao menos em tese, com os pre­ceitos constitucionais.

Com um senso de justiça extrema­mente aguçado e a cor­agem de enfrentar homéri­cas batal­has con­tra o sta­tus quo, con­tra o con­formismo que toma de conta da sociedade brasileira, não titubeia mesmo em tomar as medi­das que a sociedade não com­preende, como colo­car pre­sos em prisões domi­cil­iares ou mesmo man­dar soltá-​los quando o Estado não per­mite que as penas sejam cumpri­das em condições min­i­ma­mente dig­nas. Ou quando enfrenta a própria admin­is­tração da Justiça se esta lhe nega dire­itos, seus e de out­rem. Os exem­p­los são as vezes que bateu as por­tas do Con­selho Nacional de Justiça recla­mando disso ou daquilo. Com vitória ou com der­rota, mas sem medo de enfrentar o bom combate.

No mesmo dia que pro­to­colou sua renún­cia aos “pen­duri­cal­hos”, comunicou-​me a decisão: – Abdon, acabo de renun­ciar aos auxílios con­ce­di­dos aos mag­istra­dos. Por ter con­vicção de que estão erra­dos, recebê-​los vin­ham me consumindo.

Per­gun­tei se estava preparado para as reações que iria enfrentar dos seus cole­gas e as incompreensões.

Disse-​me que sim. Não estava.

Cerca de duas sem­anas após o pro­to­colo da renún­cia o reen­con­trei e me nar­rou os momen­tos de pro­funda angús­tia que pas­sara em vir­tude das inúmeras agressões e incom­preen­sões sofridas.

Mais do que nota da asso­ci­ação acusando-​o de hipocrisia, pesou no seu desalento as man­i­fes­tações con­trárias dos cole­gas, muitos deles, bem próx­i­mos de si. Como se fazer a coisa certa fosse o errado.

E veja que ape­nas pro­to­colou um requer­i­mento pedindo a reti­rada dos auxílios que con­sid­era inde­v­i­dos. Uma opção exposta ao pres­i­dente do Tri­bunal de Justiça e da qual não fez qual­quer pros­elit­ismo. Disse que renun­ci­ava e pediu ao pres­i­dente que fos­sem reti­radas, Ponto.

A reação foi algo estu­pe­fa­ciente, os mag­istra­dos, homens da lei, são sabedores do man­da­mento con­sti­tu­cional de que devem ser remu­ner­a­dos em parcela única, com as exceções dev­i­da­mente esta­b­ele­ci­das no mesmo mandamento.

A série de auxílios disso ou daquilo (um tri­bunal até insti­tuiu um fol­clórico aux­ilio peru), soa como uma agressão à sociedade brasileira, já exausta de tanto pagar trib­u­tos, para custear uma máquina admin­is­tra­tiva cada vez maior.

Nen­hum poder, menos ainda o Poder Judi­ciário – que é a der­radeira trincheira da cidada­nia –, pode se per­mi­tir que alguma dúvida paire sobre a idonei­dade de seus membros.

Os tais “auxílios extras” ou pen­duri­cal­hos destoam do papel que quer­e­mos e dese­jamos ver desem­pen­hado pelos mag­istra­dos nacionais.

A ini­cia­tiva do mag­istrado Roberto de Paula chama a atenção para esta incon­formi­dade (para não dizer nome pior).

Como con­ce­ber que pro­mo­tores pro­movam e juizes julguem, por exem­plo, impro­bidade admin­is­tra­tiva de gestores se eles próprios têm receitas ques­tion­adas pela sociedade?

As tais van­ta­gens perce­bidas ainda que legais (e falta decidir sobre isso), cer­ta­mente destoam do quadro social do país.

Os veícu­los de comu­ni­cação infor­mam um aumento con­sid­erável da pobreza dos cidadãos, são famílias inteiras morando nas ruas, são quase 13 mil­hões de desem­pre­ga­dos. Até ressus­ci­taram a “Cam­panha Natal Sem Fome”, cri­ada pelo sociól­ogo Bet­inho em décadas pretéritas.

Como jus­ti­ficar o rece­bi­mento de aux­ilio mora­dia para um mag­istrado ou pro­mo­tor que pos­sui residên­cia no mesmo municí­pio que exerce função? Ou caso daque­les casa­dos com outro inte­grante da mag­i­s­tratura ou do Min­istério Público? Os dois recebem? O que dizer, ainda, do inusi­tado aux­ilio peru?

Como podemos ver, a incursão do Poder Judi­ciário para seguir o mau exem­plo de out­ros poderes em “driblar» o teto de gan­hos esta­b­ele­ci­dos pela Carta Con­sti­tu­cional criou, em pre­juízo ético e moral dos seus mem­bros, uma série de situ­ações vex­atórias e injus­ti­ficáveis que a sociedade tem censurado.

O descon­forto no seio do Judi­ciário não foi e não é cau­sado pelo fato de um ou mais dos seus mem­bros se recusarem a perce­ber uma van­tagem que não con­sid­era justa – a par­tir da leitura que faz das leis e do quadro social –, mas sim pela existên­cia destas vantagens.

São elas que expõe o Poder Judi­ciário a ques­tion­a­men­tos diver­sos – e nem fale­mos de tan­tas out­ras coisas que são noti­ci­adas quase diariamente.

Ao meu sen­tir, falta comed­i­mento, bom senso e a com­preen­são dos servi­dores de Estado de eles exis­tem para servir a sociedade, o Estado. A sua mis­são é como um sac­erdó­cio a exi­gir abne­gação e desprendimento.

É o que penso.

Abdon Mar­inho é advogado.