AbdonMarinho - NA COVA DA JARARACA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NA COVA DA JARARACA.

NA COVA DA JARARACA.

NINHO DE COBRAS é um clás­sico do cin­ema estadunidense de 1970. Na parte que inter­essa ao texto, Kirk Dou­glas, inter­preta o ban­dido Paris Pit­man Jr que, com seu bando assalta, um rico fazen­deiro. Na troca de tiros todos os mem­bros da quadrilha mor­rem só restando ele com os 500 mil dólares, que esconde a maior parte em um buraco repleto de cobras, dai o título do filme. Uma noite, enquanto se diverte num «saloon» é recon­hecido pela vítima do assalto, preso e con­de­nado a dez anos de cadeia a serem cumpri­dos numa prisão no meio do deserto do Ari­zona. Emb­ora leve uma imensa pressão não rev­ela onde escon­deu o din­heiro, des­per­tando a cobiça do dire­tor do esta­b­elec­i­mento que trata de come­ter seus abusos.

Os veícu­los de comu­ni­cação e, sobre­tudo, as redes soci­ais, fazem um bur­bur­inho imenso com a rev­e­lação de que a Polí­cia Fed­eral desco­briu um cofre no Banco do Brasil repleto de bens do ex-​presidente, Lula. Tais bens, ao menos parte deles, seriam fruto de doações rece­bidas pelo Sr. Lula quando ocu­pava a presidên­cia da República. Outra parte, há ques­tion­a­men­tos sérios, se per­tence­riam ao acervo nacional.

A analo­gia faz sen­tido uma vez que o ex-​presidente se auto­proclamou uma jararaca – nome que se dá a diver­sas ser­pentes do gênero Both­rops. Nada mais ilus­tra­tivo que uma jararaca cuidando de sua pequena fortuna.

Não pre­tendia mais voltar a tratar do assunto Lula. infe­liz­mente, para nosso des­gosto, cada dia tem uma novidade.

A novi­dade da vez são os bens que o ex-​presidente rece­beu no exer­cí­cio do cargo. Mais, que na mudança do mesmo no tér­mino do mandato, talvez por equívoco, tenha lev­ado algo além dos «pre­sentes de caráter pessoal».

O próprio ex-​presidente fez questão de alardear que rece­bera mais pre­sentes que todos os ante­ces­sores jun­tos. Segundo ele seria onze con­têineres só em presentes.

Tanta abundân­cia lhe cau­sou um prob­lema adi­cional. Como guardar tanta coisa? O aparta­mento de São Bernardo – ainda que dupli­cado graças a aluguel do imóvel de um par­ente do primeiro-​amigo José Car­los Bum­lai –, não seria suficiente.

A solução seria man­dar parte para o sítio «que não é do Lula», gen­til­mente refor­mado a gosto do próprio por empre­it­eiras ami­gas. Outra parte alo­jado em um depósito pago por outra empreiteira.

A parte mais valiosa, as assim chamadas jóias da coroa, ficaram alo­jadas no já referido cofre do Banco do Brasil. Neste último caso, um pequeno detalhe me chamou a atenção: se não ouvi errado, o aluguel do cofre não é supor­tado pelo ex-​presidente ou qual­quer de seus familiares.

Como vemos, emb­ora o ex-​presidente e seus ali­a­dos reclamem de uma suposta perseguição, tudo que o envolve é um tanto quanto neb­u­loso. Tudo foge à normalidade.

Como é com­preen­sível que alguém more a vida inteira de favor de ami­gos? Aí o ex-​presidente quer des­cansar, muito sim­ples: vai ao sítio que é de ami­gos, refor­mado a seu gosto por ami­gos e que, ao que parece, quem menos fre­quen­tava o imóvel eram seus pro­pri­etários. Não lhes parece estranho?

Mais estranho ainda é a situ­ação do já famoso triplex do Guarujá. Não é de hoje que a coop­er­a­tiva respon­sável pela con­strução dos imóveis é envolvida em escân­da­los, até cul­mi­nar com sua falên­cia – segundo dizem, dev­ido aos desvios dos asso­ci­a­dos para o caixa do PT – e as obras serem assum­i­das por uma empre­it­eira que pon­tif­ica o escân­dalo do «petrolão». Ainda que esta empre­it­eira não estivesse envolvida, não com­por­taria a um ex-​presidente da República, sequer, pas­sar perto de tais imóveis, muito menos pos­suir uma cota, menos ainda, que tal cota fosse do mel­hor imóvel de todos, pos­suindo até um ele­vador interno, tam­bém isso, além de riquís­sima reforma, ban­ca­dos por con­stru­toras enro­ladas. Ainda mais que isso ocorre em detri­mento de cen­te­nas de famílias que jog­a­ram suas econo­mias no sonho da casa própria e hoje moram de favor, de aluguel.

Não. Não com­porta a um ex-​presidente esse tipo de estripulia.

Mas volte­mos aos tais «presentes».

Lem­bro que quando da saída do ex-​presidente, muitas foram as notí­cias de teria havido uma «limpa» nos palá­cios da República. Tudo dev­i­da­mente igno­rado tendo em vista a troca de guarda «den­tro de casa» e o amplo apoio pop­u­lar do que des­ocu­pava o posto.

A primeira per­gunta que merece ser feita é se os pre­sentes foram dados ao cidadão Lula ou ao pres­i­dente da República Luís Iná­cio Lula da Silva? Será que teria rece­bidos tan­tos pre­sentes se fosse ape­nas um líder sindi­cal, ainda que toda sua história? Será que gan­haria tanta coisa? Cer­ta­mente que não.

Os gov­er­nantes pre­cis­ariam enten­der que tais «pre­sentes» perte­cem a nação, mais ainda quando fruto de tro­cas entre chefes de estado e governo.

Ainda que pela leg­is­lação haja amparo ao pres­i­dente da nação rece­ber tan­tos «mimos» – até tronos africanos, segundo o ex-​presidente –, não acho cor­reto se apro­pri­arem de tais pre­sentes. Devendo valer a eles as mes­mas regras dis­pen­sadas aos demais servi­dores públi­cos: aquilo que tivesse um deter­mi­nado valor que fosse con­sid­er­ado um pre­sente pes­soal, tipo um livro, um cer­ti­fi­cado, um diploma, etc., beleza, pode levar, mas aque­les com valor supe­rior dev­e­riam ficar para nação sob pena de sig­nificar enriquec­i­mento sem causa, até mesmo improbidade.

Então o cidadão viaja às cus­tas do con­tribuinte, com tudo pago, com dire­ito a luxos – até exces­sivos –, e ainda se apro­priam para o deleite próprio daque­les pre­sentes rece­bidos. Não me parece ético, não me parece cor­reto. Pelo con­trário sig­nifi­caria o vilipên­dio da própria república, a res pub­lica, a coisa pública. Na nova ordem, a coisa que dev­e­ria ser pública, se tornou pri­vada, onze con­têineres, tronos da África, ada­gas, e até o Cristo foi levado.

Mas essa é ape­nas uma opinião, cada um pos­sui sua própria ética.

Abdon Mar­inho é advogado.