AbdonMarinho - As lições de dona Creusa para os futuros gestores.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

As lições de dona Creüsa para os futuros gestores.


As lições de dona Creüsa para os futuros gestores.

Por Abdon C. Marinho.

UMA TARDE, logo depois do resul­tado das eleições munic­i­pais, recebi a visita de um amigo que tra­balha dando assistên­cia aos municí­pios e seus gestores. Ele e out­ros téc­ni­cos em gestão pública munic­i­pal iriam par­tic­i­par (ou pro­mover) uma reunião com os novos gestores para falarem de suas exper­iên­cias, pas­sarem infor­mações sobre os desafios que os gestores dev­erão enfrentar.

— Abdon, achamos impor­tante sua par­tic­i­pação nesse evento.

Há quase trinta anos meu escritório tra­balha com dire­ito munic­i­pal, admin­is­tra­tivo e eleitoral – se levar­mos em conta os anos que pas­sei na Assem­bleia e na prefeitura de São Luís, dará bem mais –, entre­tanto, essas ativi­dades não são como um man­ual onde se possa dizer: siga esse cam­inho que dará certo, estar-​se sem­pre con­ser­tando o trem com ele em movi­mento.

Fiquei sem saber o que dizer sobre o “con­vite” para falar aos novos gestores.

Depois da visita – e nos dias seguintes –, fiquei pen­sando no assunto e, per­dido em tais pen­sa­men­tos, lembrei-​me das lições que aprendi com umas das min­has primeiras clientes nesse ofí­cio de advo­ca­cia pública: dona Creüsa, ex-​prefeita de Luís Domingues, extinta desse plano em 2020.

Con­forme já falei em out­ros escritos, inclu­sive nos tex­tos “Minha amiga D. Creüsa” e em “O revólver de Vitorino e a paciên­cia de Creüsa”, a ex-​prefeita foi uma gestora sin­gu­lar, por isso, durante anos – e até hoje –, me refiro a ela como exem­plo quando con­verso com algum cliente.

D. Creüsa era uma mul­her sim­ples, sequer chegou a con­cluir o que hoje chamamos de fun­da­men­tal menor, mãe de seis fil­hos (todos homens), era uma dona de casa comum mas com muito jeito para lidar com as pes­soas e muita autori­dade moral.

A con­heci através do dep­utado Ader­son Lago que con­tou com o apoio dela e da família em algu­mas cam­pan­has. O marido, seu Didi Queiroz foi prefeito entre 1989 e 1992. Nesse período o gov­erno estad­ual, coman­dado pelo gov­er­nador Edi­son Lobão, pro­moveu uma série de inter­venções políti­cas nos gov­er­nos munic­i­pais, entre elas a de Luís Domingues, e Ader­son aju­dou a devolver-​lhe o mandato pouco tempo depois.

Em 1996, dona Creüsa foi can­di­data a prefeita e perdeu por uma ínfima quan­ti­dade de votos.

Em 2000 con­seguiu a vitória em cima do prefeito que a der­ro­tara qua­tro anos atrás.

Acom­pan­hei a gestão desde antes dela começar. Na véspera da posse estava lá prov­i­den­ciando os atos ini­ci­ais.

Naquela época ainda não havia a MA 206, lig­ando o Povoado Qua­tro bocas (Junco do Maran­hão) a Caru­ta­pera nem a MA 301 (que poderá ser a BR 308) lig­ando Caru­ta­pera a Cân­dido Mendes. Só no primeiro tre­cho lev­á­va­mos 5 ou 6 horas depen­dendo da época do ano e do chamado inverno amazônico.

Nos mais de vinte anos em que con­vivi com dona Creüsa muitas foram as lições apren­di­das é sobre elas que trata o pre­sente texto.

Muito emb­ora dona Creüsa fosse uma mul­her sim­ples, esposa de ex-​prefeito, dona de casa e mãe de seis fil­hos varões, o mais novo já com mais de vinte anos, ela nunca per­mi­tiu que nen­hum deles desse “pitaco” ou inter­ferisse na sua gestão. Se seu Didi dava alguma opinião essa era muito disc­reta e den­tro do recesso do lar de ambos, aliás, den­tro do quarto, pois mesmo nos ambi­entes comuns da casa não o ouvíamos opinar sobre os assun­tos da gestão.

O mesmo se dava em relação aos fil­hos e noras, nen­hum tinha “mando” sobre o gov­erno da mãe/​sogra. Mesmo aque­les que tra­bal­havam na prefeitura ficavam restri­tos as suas atribuições fun­cionais e sob o comando de dona Creüsa.

Como é muito comum não víamos ninguém da família “prefei­tando” na sua gestão.

Se com os “de casa” era assim, imag­ine com os demais. Dep­uta­dos, vereadores, lid­er­anças, empresários e todo o resto que hoje vemos com poder de comando em muitas gestões, no gov­erno de dona Creüsa não davam “pitaco”.

Acho que essa é uma lição. O gestor pre­cisa enten­der que ele pre­cisa assumir as respon­s­abil­i­dades e não ter­ce­i­rizar suas funções. A respon­s­abil­i­dade é dele. Como dizia um amigo é o CPF dele que aparece per­ante os órgãos de con­t­role como gestor/​ordenador de despe­sas.

Em uma das primeiras con­ver­sas que tive com ela, ainda antes de assumir, sugeri-​lhe tivesse tudo ano­tado – até para cobrar depois.

Ela aten­deu a sug­estão dada e man­tinha uma agenda onde fazia as ano­tações dos assun­tos trata­dos, dos sal­dos em con­tas, das obri­gações que teria que cumprir, etc., um dos fil­hos que a aux­il­i­ava tinha a mis­são de olhar os sal­dos e emi­tir os extratos para que ela pudesse con­ferir.

Uma das car­ac­terís­ti­cas de dona Creüsa era escu­tar seu advogado.

Foram oito anos em que sem­pre que ela ia tomar uma decisão impor­tante tinha a ini­cia­tiva de me ligar para per­gun­tar o que eu achava, se podia fazer ou como podia fazer.

Se tinha algum assunto mais urgente e que deman­dasse uma solução pres­en­cial, lig­ava: —doutor pre­ciso que o sen­hor venha aqui, já falei com o dep­utado fulano que emprestou um avião para o sen­hor vir.

No dia seguinte aman­hecia no aero­porto para pegar um aviãoz­inho bimo­tor ou monomo­tor para ir pas­sar o dia em Luís Domingues.

Talvez essa seja uma outra lição a ser assim­i­lada pelos novos gestores: seus advo­ga­dos, con­ta­dores e demais téc­ni­cos pre­cisam ser de sua con­fi­ança e cor­re­tos a ponto de com­preen­derem que o tra­balho e assistên­cia ao ex-​gestor não se encerra com o mandato.

Com o tér­mino do mandato con­tin­u­amos cuidando das coisas dela e, prin­ci­pal­mente, man­tendo a amizade.

Ape­sar de ter feito o suces­sor não con­tin­u­amos a asses­so­ria jurídica do município.

Mas ela sem­pre me lig­ava para con­ver­sar e ouvir a minha opinião sobre o gov­erno do suces­sor. Muito res­ig­nada, quanto as coisas não andavam como gostaria que andassem, me lig­ava para desaba­far: — fazer o que, né, doutor? Eu quis assim, agora terei que aguen­tar.

O gov­erno do suces­sor não é o “nosso” gov­erno.

Ela tinha essa com­preen­são e em nome do inter­esse maior ado­tava uma dis­crição e resil­iên­cia impres­sio­n­antes. Não demon­strava insat­is­fação ou recla­mava pub­li­ca­mente de nada. Acho que era um dos poucos que sabia quando ela não estava satisfeita.

Essa, talvez seja, tam­bém, uma lição, saber esperar com serenidade em nome de um inter­esse maior.

Oito anos depois, em 2016, ela estava artic­u­lando a eleição do filho, jun­tando todos os ali­a­dos e tra­bal­hando para uma vitória tran­quila nas urnas, como de fato se deu. Antes das eleições e depois tornaram-​se mais fre­quentes as idas ao escritório e as nos­sas con­tribuições para a cam­panha e para o gov­erno.

Em janeiro de 2017, fui con­vi­dado para a primeira reunião do novo gov­erno. Lá estava dona Creüsa par­tic­i­pando da reunião na condição de secretária de uma pasta enquanto o filho caçula assumia dali os rumos da história e da política.

Ficou no cargo até quando veio a doença que a levou desse plano.

Ela foi a artic­u­ladora de tudo mas já sabia que não era mais a pro­tag­o­nista, não era ela a prefeita.

Quando a apre­sen­tei ao amigo e con­ta­dor público Max Harley Fre­itas ele disse: — doutor Abdon fala tanto da sen­hora que parece que lhe con­heço há muitos anos, da vida toda.

Foram mais de vinte anos de amizade e apren­diza­dos que, cer­ta­mente, levarei para sem­pre.

Posso dizer que bem antes de sur­gir o termo “empodera­mento” fem­i­nino, ou dele entrar na “moda” dona Creüsa, que não sabia e nunca ouvirá falar nisso, já era uma mul­her empoder­ada. Acho que era algo nat­ural dela.

Como disse acima, sem­pre que con­verso com um gestor, prin­ci­pal­mente, um novo gestor que ainda ini­cia nos cam­in­hos da admin­is­tração pública cito as lições e exem­p­los de dona Creüsa.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.