AbdonMarinho - Uma breve reflexão sobre a Constituição e a Democracia
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Uma breve reflexão sobre a Con­sti­tu­ição e a Democracia


Uma breve reflexão sobre a Con­sti­tu­ição e a Democracia.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO ter­mi­nou a Segunda Guerra Mundial e os seus hor­rores se tornaram públi­cos, uma per­gunta pas­sou a assom­brar as mentes dos cidadãos da Europa e do mundo: como foi pos­sível deixar tais coisas acontecerem?

Pas­sa­dos tan­tos anos ainda hoje é uma per­gunta que inqui­eta. O mal é os abu­sos vão sendo tol­er­a­dos ou igno­ra­dos pelos povos enquanto os tira­nos vão gan­hando força e até “simpatia”.

Cam­inha para o ter­ceiro ano a invasão que a Rús­sia pro­moveu na Ucrâ­nia sem nem vis­lum­bre de reti­rada das forças inva­so­ras. Mil­hões de pes­soas viraram refu­gia­dos, out­ros tan­tos perderam suas posses, cri­anças foram sequestradas pelo exército inva­sor e diver­sos out­ros horrores.

Há quase um ano Israel foi vítima de um inom­inável ataque ter­ror­ista e em represália a esse ataque pas­sou a praticar ter­ror­ismo de estado, tento destruído com­ple­ta­mente a Faixa de Gaza e cau­sado a morte de mais de quarenta mil inocentes sendo a maio­ria mul­heres e cri­anças; nesse momento lança mís­seis indis­crim­i­nada­mente con­tra o Líbano, uma nação sober­ana e que não pos­sui condições de se defender.

O texto que trago hoje não é sobre esses con­fli­tos, sobre a indig­nação que eles causam nas pes­soas que ainda não desi­s­ti­ram de pen­sar.

Ao intro­duzir tais fatos faço com o condão de aler­tar para a tol­erân­cia obse­quiosa ou leniên­cia com as quais cos­tu­mamos tratar ou deixar pas­sar aquilo que não dev­eríamos aceitar como normal.

Refletindo sobre a Con­sti­tu­ição – que cel­e­bra 36 anos –, vemos o quanto já foi e é vilipen­di­ada por aque­les que dev­e­riam protegê-​la e defendê-​la.

Por esses dias, além da cam­panha eleitoral que mobi­liza can­didatos a prefeitos e vereadores em todo país e mais alguns plebisc­i­tos em algu­mas cidades, tenho visto uma cam­panha fer­renha de alguns cidadãos – que nem são can­didatos –, e um par­tido político con­tra um outro par­tido político.

Dep­uta­dos, lid­er­anças, mil­i­tantes e até o pres­i­dente de deter­mi­nada agremi­ação fazendo uma cam­panha eleitoral neg­a­tiva con­tra outra agremiação.

Essa situ­ação, inusi­tada até aqui, me fez pen­sar se, em nome da democ­ra­cia brasileira, não se estaria gerando mais um “ovo de ser­pente”.

E o que me faz pen­sar isso?

A Con­sti­tu­ição Fed­eral logo no seu artigo primeiro esta­b­elece como sendo um dos fun­da­men­tos da República Fed­er­a­tiva do Brasil o plu­ral­ismo político. Está lá: “Art. 1º A República Fed­er­a­tiva do Brasil, for­mada pela união indis­solúvel dos Esta­dos e Municí­pios e do Dis­trito Fed­eral, constitui-​se em Estado Democrático de Dire­ito e tem como fun­da­men­tos: I — a sobera­nia; II — a cidada­nia; III — a dig­nidade da pes­soa humana; IV — os val­ores soci­ais do tra­balho e da livre ini­cia­tiva; V — o plu­ral­ismo político. Pará­grafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Constituição.

Na Con­sti­tu­ição, quando trata dos dire­itos políti­cos, esta­b­elece: “Art. 17. É livre a cri­ação, fusão, incor­po­ração e extinção de par­tidos políti­cos, res­guarda­dos a sobera­nia nacional, o régime democrático, o pluri­par­tidarismo, os dire­itos fun­da­men­tais da pes­soa humana e obser­va­dos os seguintes preceitos:

Nesse mesmo artigo esta­b­elece as condições para a existên­cia dos par­tidos, como: I — caráter nacional; II — proibição de rece­bi­mento de recur­sos finan­ceiros de enti­dade ou gov­erno estrangeiros ou de sub­or­di­nação a estes; III — prestação de con­tas à Justiça Eleitoral; IV — fun­ciona­mento par­la­men­tar de acordo com a lei.

Muitas vezes assis­ti­mos recla­mações sobre a infinidade de par­tidos exis­tentes no Brasil. Não se trata de um mal, pelo con­trário, trata-​se de uma garan­tia de rep­re­sen­ta­tivi­dade de quais­quer seg­men­tos da sociedade. Cada uma tem o dire­ito de se expres­sar e ter a sua voz ouvida. Essa lim­i­tação é pre­rrog­a­tiva do cidadão e não daque­les que dis­cor­dam de um ou outro posi­ciona­mento.

Quando assisto uma agremi­ação fazer uma cam­panha orquestrada, inclu­sive com a uti­liza­ção de recur­sos públi­cos, me per­gunto se ela não está, direta ou indi­re­ta­mente, aten­tando con­tra um dos fun­da­men­tos da República e do Estado Democrático de Dire­ito.

Veja, todos os par­tidos políti­cos para exi­s­tirem pre­cisam preencher os req­ui­si­tos exigi­dos em lei, uma das condições para existên­cia, aliás, é o cumpri­mento da lei.

É dizer, a qual­quer um será líc­ito dis­cor­dar de um pro­jeto político, do estatuto de um par­tido, etc. mas é líc­ito que se faça cam­pan­has orquestradas para a sua supressão eleitoral? Não estaria aí, como na Ale­manha da primeira metade do século pas­sado, a gênese de um pro­jeto autoritário con­trário a existên­cia do plu­ral­ismo político? Será líc­ito fazer cam­pan­has eleitorais visando a elim­i­nação de uma deter­mi­nada agremi­ação, como esta­mos assistindo?

Ainda dando azo a essa reflexão, vai que con­sigam penalizar a agremi­ação com a qual têm dis­cordân­cias, o que os impedirá de, amanhã, voltarem si con­tra outra, e outra, e outra até que passe­mos ao mod­elo de par­tido único?

A situ­ação ganha ares mais dramáti­cos quando vemos que além do par­tido que recebe a maior fatia do fundo par­tidário e de out­ros recur­sos públi­cos para a pro­moção de seu ideário, seus rep­re­sen­tantes políti­cos no Con­gresso Nacional encabeçam a cam­panha con­tra a agremi­ação que pre­ten­dem elim­i­nar do cenário político.

Ao meu sen­tir, trata-​se de algo muito sério pois os par­la­mentares ao assumirem os seus mandatos juram solen­e­mente a defesa da Con­sti­tu­ição Fed­eral e a obe­diên­cia às leis do país. Ao atentarem dire­ta­mente con­tra um dos fun­da­men­tos da República não estão violando a constituição?

Entendo que o partido-​vítima (pen­sei que nunca fosse teste­munha isso, par­tido e vítima jun­tos) perde uma opor­tu­nidade de rea­gir à altura rep­re­sen­tando con­tra os par­la­mentares junto aos con­sel­hos de éti­cas do par­la­mento, bem como, de ingres­sarem con­tra a agremi­ação a qual fazem parte pedindo o can­ce­la­mento do seu reg­istro.

Os embates políti­cos são salutares e dese­jáveis mas devem ocor­rer den­tro das condições esta­b­ele­ci­das em lei. Não é nor­mal uma cam­panha insti­tu­cional­izada con­tra uma agremi­ação política reg­u­lar por dis­cordân­cias a respeito de seu posi­ciona­mento político.

Trans­borda da nor­mal­i­dade.

Os cidadãos de bem que acred­i­tam na democ­ra­cia não podem fin­gir que nada de anor­mal está acon­te­cendo. Não é verdade.

Hoje quando os mil­hões de brasileiros estiverem diante da urna, na solidão da cab­ine eleitoral, pre­cisam refle­tir sobre o tipo de país que pre­cisamos con­struir.

A democ­ra­cia é uma con­strução cole­tiva onde os eleitores indi­vid­ual­mente dão sua con­tribuição para o bem de todos.

Quando abdicamos desse dire­ito para seguir pro­je­tos mes­siâni­cos e autoritários esta­mos fazendo o oposto da con­strução de uma democ­ra­cia.

Na hora de votar deve­mos refle­tir sobre isso.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.