AbdonMarinho - Trinta anos de uma campanha memorável IV - Episódio 4 - Quase um milagre.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Trinta anos de uma cam­panha mem­o­rável IV — Episó­dio 4 — Quase um milagre.


TRINTA ANOS DE UMA CAM­PANHA MEM­O­RÁVEL IV.

Episó­dio 4 — Quase um milagre.

Por Abdon C. Marinho.

ERA A QUARTA ou quinta vez que Juarez me pedia para ir ao comitê de cam­panha no Sítio Leal. Não tinha mais como adiar. Pre­tendia con­tribuir com a cam­panha lá do gabi­nete onde tra­bal­hava desde que assumira o segundo mandato de dep­utado estad­ual.

Em 1990 dei uma mod­esta ajuda na eleição e ele – quando assumiu e por ter sido eleito segundo secretário da mesa dire­tora da Assem­bleia, o que fez sur­gir um cargo –, me con­vi­dou para tra­bal­har com ele, logo no iní­cio do mandato.

Adiei o máx­imo que pude essa ida para o comitê porque era uma “curva fora do cam­inho”. Desde que come­cei a tra­bal­har na assem­bleia havia esta­b­ele­cido uma rotina. Todos os dias chegava antes das 7 horas pois nesse horário o dep­utado saía da Rádio Edu­cadora e ia para o gabi­nete onde víamos os jor­nais do dia e algu­mas out­ras mis­sões. Após isso ele ia em casa tomar seu café e/​ou des­cansar um pouco antes de voltar para a sessão que tinha iní­cio pelas 9:30 horas. Eu “assumia” o gabi­nete a par­tir daí, ficava até pouco antes das 18 horas, quando “subia” até a Praça Deodoro onde pegava o ônibus do cam­pus com des­tino à UFMA onde cur­sava dire­ito noturno e só saía por volta das 22 horas com des­tino a casa onde residia.

Sabia que não seria fácil con­cil­iar essa rotina de vida, tra­balho e estu­dos a par­tir do comitê de cam­panha do Sitio Leal. Além do mais achava que pouco ou nada teria a con­tribuir numa cam­panha de gov­er­nador.

Mas, como aprendi que “quem aluga a bunda não escolhe a hora de sen­tar”, teria que ir mesmo para o comitê. Naquela altura do campe­onato o PSB já tinha “fechado” com Cafeteira e Juarez estava definido como o can­didato a vice-​governador.

Desde a primeira vez que Juarez pediu para ir o comitê, me recomen­dara procu­rar por Chico Branco.

— Chegando lá pro­cure pelo Chico Branco.

Com meus botões pen­sei que ele seria den­tre os inúmeros coor­de­nadores de cam­panha.

Já habit­u­ado com o “meu” expe­di­ente da assem­bleia sai de casa no horário de sem­pre e bem antes das sete horas já estava descendo na parada do Bairro Fil­ip­inho, em frente à fábrica da Antár­tica.

Sabia que o comitê fun­cionava na antiga casa que fora a residên­cia do gov­er­nador Cafeteira e uma vaga ideia de sua local­iza­ção. Como fazíamos naquele tempo, antes dos celu­lares com local­izadores, etc., per­gun­tei numa banca onde ficava e desci a rua. Cheguei a tempo de acor­dar o caseiro chamado de Bran­quinho dev­ido sua condição de por­ta­dor de albinismo.

Quando Chico Branco chegou, já por volta das dez horas, me apre­sen­tei dizendo que estava ali para aju­dar com a cam­panha fiquei sabendo que “éramos” a coor­de­nação da cam­panha – poucos dias depois Roberto Oliveira Paula veio se jun­tar a nós –, entendi da insistên­cia de Juarez para que fosse para o comitê.

Não que não tivésse­mos out­ras pes­soas no processo eleitoral. O núcleo político tinha Ader­son Lago, Bened­ito Ter­ceiro, Con­ceição Andrade, Zé Costa, José Car­los Sabóia e os próprios can­didatos, Cafeteira e Juarez; a parte jurídica era con­duzida pelos doutores João Ita­pary e Laplace Pas­sos Filho; o finan­ceiro era con­duzido pelo doutor Jesus Ita­pary; Cordeiro Filho e Américo Azevedo cui­davam da parte mais cria­tiva com tex­tos, ade­sivos charge, etc., mas para colo­car o comitê em ordem e faz­er­mos as coisas fun­cionarem ou seja, “car­regar o piano” era conosco.

Ainda hoje me per­gunto como uma cam­panha de gov­er­nador feita naque­les moldes chegou tão longe. Acred­ito que só uma ener­gia muito forte para jus­ti­ficar.

O núcleo político, por exem­plo, exceto pelos can­didatos e por Con­ceição, todos estavam tam­bém ou prin­ci­pal­mente pre­ocu­pa­dos com suas próprias eleições.

Os demais, ape­sar de suas inques­tionáveis capaci­dades, não pos­suíam a exper­tise para con­duzirem uma cam­panha para o gov­erno estad­ual e con­tra a filha do ex-​presidente Sar­ney, que “assumiu” parte da coor­de­nação de sua cam­panha.

O mandato de Sar­ney na presidên­cia da República acabou em março de 1990. Naquele mesmo ano ele trans­feriu seu domicílio para o Amapá por onde elegeu-​se senador. O ex-​governador Cafeteira elegeu-​se pelo Maran­hão.

Em 1994 ambos estavam “livres” para se con­frontarem na dis­puta eleitoral.

No dia seguinte fui à assem­bleia leg­isla­tiva ape­nas bus­car minha agenda e um caderno para orga­ni­zar umas coisas e pas­sar umas ori­en­tações para os demais fun­cionários.

Den­tro do comitê assumi a respon­s­abil­i­dade de mapear e con­tac­tar quase que diari­a­mente a situ­ação nos municí­pios do estado. Dia após dia, com o auxílio de um tele­fone fixo e de um caderno ia orga­ni­zando um histórico político de cada municí­pio. Quem eram as forças políti­cas, quem estava apoiando cada um, qual a aceitação, quem pode­ria influ­en­ciar o resul­tado do pleito, etc., depois, quando con­seguimos alguns espe­cial­is­tas em infor­mática, solici­ta­mos que aque­las infor­mações fos­sem dig­i­tal­izadas e a elas agre­gadas out­ras infor­mações do IBGE e pas­sei a uti­lizar como um ficheiro.

Ficou um tra­balho tão bom que quando, no segundo turno, avançavam as apu­rações, pelos municí­pios que fal­tavam já sabia qual seria o resul­tado.

Foi um processo eleitoral ren­hido, divi­dido basi­ca­mente em três partes: a cam­panha de Cafeteira, com sua enorme força pop­u­lar e com o apoio do PSB; a cam­panha de Jack­son Lago, com seu enorme prestí­gio e mil­itân­cia aguer­rida na ilha; e a de Roseana Sar­ney, com o apoio das máquinas dos gov­er­nos estad­ual e fed­eral.

A divisão das forças con­trárias ao grupo Sar­ney impediria uma vitória – pelo menos para os opos­i­tores –, em primeiro turno.

Assim era necessário garan­tir a ida para o segundo turno e “econ­o­mizar” as ener­gias para o embate do segundo turno.

Con­forme vimos no episó­dio ante­rior, somente a soma dos votos de Cafe­te­ria e Jack­son se unidos, teria per­mi­tido uma vitória em primeiro turno. A divisão, entre­tanto, favore­cia Roseana Sar­ney que chegou perto de liq­uidar a fatura no primeiro turno.

A cam­panha de Cafeteira se com­parada à de Roseana – se é que é pos­sível com­parar coisas tão dis­tin­tas –, era como se fosse uma cam­panha de pres­i­dente e uma de vereador dos cafundós. Fal­tava recur­sos, pes­soal e estru­tura mín­ima. Ape­nas para se ter um parâmetro, quando ini­ciou a pro­pa­ganda no rádio e na tele­visão, o estú­dio da cam­panha de Cafeteira foi mon­tado na edícula do comitê e pos­suía duas câmeras sendo que só uma tinha qual­i­dade. Quando mudava o ângulo, tín­hamos uma imagem sofrível. A equipe de cap­tação e edição era de respon­s­abil­i­dade do fun­cionário chamado Bareta e do filho de Ader­son Lago, Bebeto, na época, se muito, com pouco mais de 15 anos. As fitas gravadas e edi­tadas eram entregues ao pro­fes­sores Solano e Joaquim que as lev­avam para as emis­so­ras respon­sáveis pela difusão dos pro­gra­mas.

Quando o resul­tado do primeiro turno saiu, mal acred­itá­va­mos que tín­hamos con­seguido chegar tão longe.

Foi uma cam­panha feita na base da intu­ição, com muita ded­i­cação mas longe de qual­quer coisa que se pare­cesse com uma cam­panha profis­sional de um gov­erno estad­ual.

A história do segundo turno e de como um falso morto influ­en­ciou o resul­tado das eleições, as armas sec­re­tas de Sar­ney, ver­e­mos no próx­imo episó­dio.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.