AbdonMarinho - NO FIM FALTARÁ LAMA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NO FIM FAL­TARÁ LAMA.


NO FIM FAL­TARÁ LAMA.

Por Abdon C. Marinho*.

TODOS que me con­hecem sabem o quanto sou admi­rador de charges. Acho o char­gista um dos artis­tas mais com­ple­tos, pois con­seguem sin­te­ti­zar uma ideia, um momento político ou social, um sen­ti­mento com ape­nas uma imagem, um traço. Sem­pre que encon­tro uma inter­es­sante salvo-​a nos meus arquivos.

A charge que ilus­tra esse texto encon­trei em mea­dos do ano pas­sado. A imagem do então pres­i­dente den­tro da ampul­heta mostrando que a figura do mesmo, a medida que o tempo pas­sava no medi­dor de tempo que é mile­nar fer­ra­menta se trans­for­mava em um pre­sidiário, inde­pen­dente de qual­quer incli­nação política, achei formidável.

Há pouco mais de um ano (mas pre­cisa­mente no domingo, 21 de agosto de 2022), depois que o então pres­i­dente disse que se não gan­hasse a eleição seria preso (ou morto, pois rea­giria) surgiu a opor­tu­nidade de uti­liza­ção da charge em um tex­tão, escrevi: “Um can­didato entre o Planalto e a Papuda?”.

O texto você con­fere no nosso site, na data já referida acima.

Um ano depois, a imagem visu­al­izada pelo autor da charge e que inter­roguei no texto não é ape­nas uma situ­ação hipotética, na ver­dade é como se o “cam­burão” da polí­cia fed­eral já estivesse na esquina – na ver­dade já esteve até na porta do ex-​presidente em mis­sões de coleta de provas.

Em tal con­texto, talvez o único que fez – não um exer­cí­cio de pre­visão –, mas uma con­statação do viria acon­te­cer de fato tenha sido o ex-​presidente Bol­sonaro. Ao dizer que com a der­rota teria um encon­tro com a prisão ou a morte, sabia ple­na­mente o que estava acon­te­cendo e, ele próprio, dire­ta­mente ou por ter­ceiros, fazendo.

A cada dia, a cada nova rev­e­lação – e o agosto tem sido prodi­giosa nelas –, a pat­uleia vai tomando con­hec­i­mento que as palavras não eram ape­nas “força de expressão”.

Vejamos o “caso das jóias”. O tenente coro­nel Mauro Cid, que já cole­ciona quase trinta horas de depoi­men­tos à Polí­cia Fed­eral, do qual vamos tendo con­hec­i­mento de frag­men­tos, ape­nas, vai deixando claro que ele e todos no entorno pres­i­den­cial sabiam que “malfeitos” estavam em anda­mento e que eles próprios eram sujeitos ativos dos mes­mos.

Ainda que sobrassem dúvi­das quanto à legal­i­dade de algu­mas con­du­tas, qual­quer um com ape­nas dois neurônios em fun­ciona­mento dev­e­ria ter a noção de que era “feio” o que estavam fazendo.

Mesmo nas relações estri­ta­mente pri­vadas não é de “bom tom” você rece­ber pre­sente de um amigo ou par­ceiro de negó­cios e lavá-​lo à venda. É uma falta de con­sid­er­ação, de ética, de compostura.

Mas, imag­ine você rece­ber um pre­sente – dire­ta­mente ou por inter­posta pes­soa –, rep­re­sen­tando o seu país, o seu estado e o levar à venda numa casa de leilões ou em um mer­cado de pulgas.

Aqui, sem ante­ci­par qual­quer juízo de valor, ao meu sen­tir é uma falta de con­sid­er­ação com a nação que pre­sen­teou e com o nosso próprio país, pois é como se estivésse­mos (a nação) con­tando moedas para sobre­viver.

E, vai-​se além, mesmo que se tivesse qual­quer dúvida quanto à pro­priedade do pre­sente, como quer ado­tar como linha de defesa o ex-​presidente, os pre­sentes foram dados ao país, rep­re­sen­tado por seu pres­i­dente, min­istros ou out­ros agentes.

Como sei disso? Resposta: me per­gun­tando quan­tos pre­sentes caros, joias em ouro e dia­mantes esses mes­mos agentes rece­beram depois que deixaram os car­gos públi­cos que ocupavam.

Pois é, se não rece­beram nada depois de deixarem os car­gos é porque o pre­sente não era para eles e sim para o cargo e funções que ocu­pavam.

Na minha já longeva car­reira jurídica, toda ela no setor público, vejo muitos ex-​gestores de várias esferas de poder se ressen­tirem pelo fato de con­vites para fes­tas, solenidades e rapa­pés terem escassea­dos ou desa­pare­ci­dos. Demoram a “caírem na real” e a enten­derem que tudo aquilo não era para eles, era para os car­gos que ocu­pavam. Por estas par­a­gens, conta a lenda, que deter­mi­nado advo­gado que era con­vi­dado para as fes­tas dos bacanas, foi alçado ao cargo de desem­bar­gador e com ele os con­vites começaram a “chover”. Sabendo que tal baju­lação não era para ele, aos con­vites que rece­bia, man­dava, no carro ofi­cial, as vestes talares do cargo aos even­tos com um bil­hete: “como o con­vite não é para mim e sim para o cargo, seguem as vestes do mesmo”. Deve ser lenda.

O mesmo raciocínio serve para os pre­sentes ofer­ta­dos a um gov­er­nante, seja ele munic­i­pal, estad­ual ou fed­eral.

Os gestores públi­cos dev­e­riam ado­tar como princí­pio a seguinte máx­ima: antes do cargo eu rece­bia? Depois do cargo con­tin­uarei a rece­ber? Com a resposta não, já sabe que aquilo que rece­beu não era para ele.

Qual­quer agente público que recebe para si um pre­sente valioso, tal mimo deve ser chamado por outro nome, que, inclu­sive, tem tip­i­fi­cação penal: sub­orno.

No caso dos supos­tos “pre­sentes” que o ex-​presidente reclama a pro­priedade, sobra uma outra curiosi­dade e desmi­ti­fi­cação: existên­cia de gov­er­nantes árabes bonz­in­hos.

Vejam que coisa, pas­samos a vida inteira ali­men­tando pre­con­ceitos de que esses povos teriam um exces­sivo apego ao “vil metal”, mas, de repente, desco­b­ri­mos que são capazes de doarem mil­hões de dólares em joias a pes­soas que mal conhecem.

O enredo até parece um conto de “As mil e uma noites”.

Já o enredo do resto da história está mesmo para comé­dia pastelão rec­heada de crimes diver­sos prat­i­ca­dos por paler­mas. Ou nas palavras de um dos envolvi­dos, cap­turadas pela PF: “nunca vi gente tão igno­rante”.

Me digam se pes­soas sen­sa­tas, nos pín­caros dos poderes repub­li­canos agiriam assim: você vai a uma nação estrangeira recebe um pre­sente valioso – que sabe, cer­ta­mente, per­tencer ao cargo que ocupa –, entra no país sem declarar o ingresso do bem, depois você viaja nova­mente levando o pre­sente que gan­hou, nova­mente não declara a saída do bem, chegando no des­tino você mobi­liza servi­dores públi­cos, inclu­sive com altas patentes das Forças Armadas, para per­cor­rerem lojas e casas de leilões para venderem os ditos pre­sentes.

Imag­ino, no palá­cio, a orga­ni­za­ção de uma viagem inter­na­cional da maior autori­dade da República: — coro­nel fulano, na próx­ima sem­ana vamos aos Esta­dos Unidos, ver­i­fica aí no acervo do palá­cio os pre­sentes que poder­e­mos levar “para dá um jeito por lá”.

Depois de ven­di­dos e apu­ra­dos os val­ores estes eram rein­tro­duzi­dos de forma clan­des­tina no país através de con­tas de ter­ceiros.

Como querem que com­preen­damos tal tipo de vex­ame? Repito, ainda que sobrasse legal­i­dade, é algo difí­cil de digerir. Então tín­hamos um gov­erno caça-​níqueis?

Será que a ninguém socor­ria a ideia de dizer: — rapaz isso que esta­mos fazendo é loucura?

Observem que nesse texto ape­nas trata­mos de um item de um “pron­tuário” que, pelo que se desenha, será bem extenso. Além da joias pre­sen­teadas, já surgem “boatos” sobre a com­pra de man­sões no estrangeiro em nome de “laran­jas”, as rev­e­lações do hacker em uma CPI — que pre­cisam ser provadas, mas que a polí­cia fed­eral não dev­erá ter difi­cul­dade em saber se ver­dadeiras ou não –, e tan­tas out­ras coisas que, cer­ta­mente, virão à luz mais cedo ou mais tarde.

O caso que vai se descorti­nando, como dizia um saudoso min­istro do STF, é daque­les em que se puxa uma pena e vem a gal­inha inteira, só que neste, vem o gal­in­heiro inteiro.

O que nos resta é aguardar, com um balde pipocas e um copo de suco, os próx­i­mos capí­tu­los.

Ao tér­mino de tudo, o temor é que falte lama.

*Abdon C. Mar­inho é advo­gado.