AbdonMarinho - A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIO­LÊN­CIA CON­TRA AS MULHERES.


A CEGUEIRA POLÍTICA E A VIO­LÊN­CIA CON­TRA AS MUL­HERES.

Por Abdon C. Mar­inho.

ENTRE os diver­sos assun­tos que pode­ria tratar nesta crônica domini­cal, tais como, as eleições pres­i­den­ci­ais, as eleições estad­u­ais, o efeito da “PEC kamikaze” nas eleições e na econo­mia, o retorno do gov­er­nador do estado ao cenário eleitoral local, as pesquisas e tan­tos out­ros, um assunto fora deste rol parece-​me bem mais urgente: falo das várias for­mas de vio­lên­cia con­tra as mul­heres que assis­ti­mos nos últi­mos dias.

O assunto é vasto e difi­cil­mente teria condições de ser esgo­tado numa crônica, por isso mesmo, a abor­dagem limitar-​se-​á aos casos que estão sendo expos­tos nas “mesas dos bares” da atu­al­i­dade e nas redes soci­ais.

Acho que cam­inha para duas décadas – ou mais –, o episó­dio ocor­rido em uma cidade da região sul ou sud­este em que, por ocasião do dia da secretária, um motel espal­hou pela cidade diver­sos out­door com a leg­enda: “Hoje é o dia da secretária”. Acred­ito que o respon­sável pela pub­li­ci­dade imag­i­nou que estaria fazendo uma grande coisa com a “hom­e­nagem”, quando na ver­dade estava era ofend­endo não ape­nas a cat­e­go­ria das secretárias, mas, tam­bém, todas as mul­heres, de uma forma geral.

Pas­sa­dos tan­tos anos, parece-​nos que a vio­lação dos dire­itos humanos em relação as mul­heres não retro­cedeu um milímetro, pelo con­trário, muitas das vezes, tam­bém por conta do aço­da­mento político, a vio­lên­cia só aumen­tou.

Achavam pouco todo tipo de vio­lên­cia de gênero que as mul­heres sofrem ao longo dos anos e resolveram que era hora de acres­cen­tar a elas o debate político/​ideológico e reli­gioso.

Primeiro veio a público o caso da cri­ança de dez anos que engravi­dou e foi exposta por conta de uma neg­a­tiva de aborto pre­vista na lei.

O episó­dio é cruel em todas suas dimen­sões, a começar pelo fato que uma cri­ança dev­e­ria ser mel­hor cuidada para que esse tipo de episó­dio não ocor­resse; depois pelo fato que o hos­pi­tal não pode­ria negar-​se a fazer a inter­rupção da gravidez, uma vez que pre­vista na lei; depois que o Estado rep­re­sen­tado por juíza e pro­mo­tora não pode­riam opor embaraços ao cumpri­mento da lei e mais, ainda, pegar uma cri­ança, diante dessa situ­ação tão dramática, e colocá-​la em um abrigo para “protegê-​la”– ao meu sen­tir uma das maiores vio­lên­cias já prat­i­cadas. E nem fale­mos no episó­dio da audiência/​tortura onde a mag­istrada, com a cumpli­ci­dade do MP, ten­tou impor suas con­vicções pes­soais – em detri­mento da lei –, para forçar o prossegui­mento da gravidez.

Imag­inem todo o sofri­mento pelo qual pas­sou – e passa –, essa cri­ança durante esse período – que cer­ta­mente –, ainda irá acompanhá-​la pelo resto da vida.

Mal os tri­bunais inquisidores das redes soci­ais “entraram em recesso” – se é que entram –, quando veio a público o episó­dio da gravidez e adoção legal envol­vendo uma atriz.

Um dia abro o celu­lar e vejo dezenas de pub­li­cações a respeito de uma jovem atriz. Eu, emb­ora recon­hecido nov­el­eiro, não con­hecia ou lem­brava da mesma.

Mas, o fato, fiquei sabendo depois, é que a jovem tendo ficado grávida depois de um estupro e tendo descoberto a gravidez tar­dia­mente optou pela con­tinuidade da mesma com pos­te­rior doação da cri­ança.

Todo o pro­ced­i­mento é pre­visto e amparado pela lei.

Indifer­ente a isso ou na busca de cliques alguns supos­tos jor­nal­is­tas trataram de levar o caso a público – para isso con­tando com a falta de com­pro­misso de servi­dores do hos­pi­tal –, expondo de forma inde­v­ida a vida da jovem, que repito, não fez nada fora do pre­visto na lei.

Não con­tentes com isso, pas­saram a “cobrar” mais exposição da vítima: que denun­ci­asse o agres­sor para que “a justiça fosse feita”.

No Brasil tive­mos um tempo em que só era recon­hecido como estupro a situ­ação em que a mul­her resis­tia, inclu­sive, a ponto de perder a vida, con­tra o ato sex­ual não con­sen­tido.

Se ela sac­ri­fi­cava a própria vida con­tra o abuso era porque, efe­ti­va­mente, não que­ria.

Parece-​nos que ainda hoje não nos livramos de tal con­ceitu­ação.

No caso da atriz ques­tionaram a falta do BO; ques­tionaram o fato de não ter denun­ci­ado e cobraram o nome do autor do crime, como a querer levá-​la a mais uma situ­ação de sofri­mento por algo que tudo que mais deseja é esque­cer.

Tudo isso porque resolveu dar a adoção o filho que fora fruto de uma relação não con­sen­tida. E, vejam que não estaria come­tendo nen­hum ilíc­ito caso doasse o filho para adoção inde­pende de ter sido ou não fruto de um estupro.

Por der­radeiro veio este caso de assé­dio moral e sex­ual em que não uma, mas diver­sas mul­heres – enfrentado seus medos por represálias –, denun­cia­ram o pres­i­dente e out­ros dire­tores da Caixa Econômica Fed­eral — CEF, por uma série de abu­sos e con­strag­i­men­tos que vin­ham sofrendo,

As nar­ra­ti­vas são nojen­tas e rev­e­lam um grau de degradação indizível no serviço público. Segundo algu­mas fontes, ao ouvirem os pas­sos do “garan­hão” muitas procu­ravam o ban­heiro mais próx­imo para ficar longe de suas vis­tas.

Imag­ino o que essas mul­heres, servi­do­ras públi­cas, não sofr­eram e a cor­agem que tiveram para denun­ciar as situ­ações absur­das pelas quais pas­savam.

Agora, assisto e recebo através de redes soci­ais e/​ou aplica­tivos “peças” de uma cam­panha para desqual­i­ficar as mul­heres que denun­cia­ram o que vin­ham pas­sando.

Além de exporem as denun­ciantes – fil­has de alguém, esposas de alguém, mães de alguém –, ques­tionam se efe­ti­va­mente foram asse­di­adas moral ou sex­ual­mente. Tudo na linha “você é tão feia que não te estupraria”.

Vejam a que ponto cheg­amos.

A cegueira da política parece não admi­tir qual­quer con­cessão, insis­tem em poli­ti­zar tudo.

Os três casos acima servem bem para ilus­trar toda vio­lên­cia, mis­oginia e abu­sos pelos quais pas­sam nos­sas meni­nas e mul­heres em pleno século XXI.

Sofrem, prin­ci­pal­mente, uma indizível vio­lên­cia política.

Desde os anos 40 do século pas­sado, que a leg­is­lação pátria con­sente na inter­rupção da gravidez em caso de riscos a vida da mãe ou em casos de estupros – e mais recen­te­mente o STF recon­heceu essa pos­si­bil­i­dade no caso de anence­fáli­cos.

Have­ria neces­si­dade de sub­mis­são de uma cri­ança a toda vio­lên­cia como vimos no primeiro caso?

A mesma coisa em relação ao caso da jovem atriz: qual a jus­ti­fica­tiva para toda vio­lên­cia con­tra uma pes­soa que não fez nada de errado, que seguiu a lei?

E o que dizer da situ­ação exposição e vio­lên­cia pelas quais pas­sam as fun­cionárias da Caixa que resolveram denun­ciar aos canais inter­nos – e depois pub­li­ca­mente –, os abu­sos e assé­dios que vin­ham sofrendo?

No caso das servi­do­ras, não expõem ape­nas elas mas, tam­bém, a esposa do próprio autor dos abu­sos em com­para­ções absur­das com o propósito de desqual­i­fi­cação das víti­mas.

Vejam que mesmo no caso de mul­heres que vence­ram na vida por seus próprios esforços – como no caso das servi­do­ras asse­di­adas ou da atriz –, são expostas como se não mere­cessem ocu­par as posições que alcançaram.

Na pre­sente crônica nem trato do episó­dio da procu­radora de um municí­pio que foi vítima de absurda e injus­ti­fi­cada vio­lên­cia por parte de um colega que, segundo dizem, não aceitava a colega em posição de chefia.

Deixei o episó­dio de fora para tratar dos out­ros onde clara­mente se iden­ti­fica uma vio­lên­cia de gênero por conta da cegueira política que con­t­a­m­i­nam as relações na atu­al­i­dade.

Se nos dois primeiros casos a poli­ti­za­ção pare­ceu como ele­mento secundário, no último, o que assis­ti­mos é uma vio­lên­cia “insti­tu­cional­izada” con­tra as mul­heres que denun­cia­ram os atos abje­tos a que foram sub­meti­das por alto fun­cionário do gov­erno e ali­ado de “primeira hora” dos gov­er­nantes.

A “mil­itân­cia” tem ido atrás de fotografias, vio­lam sig­i­los de pro­ced­i­men­tos e até o dire­ito de ima­gens para come­ter out­ras vio­lên­cias – igual­mente abje­tas –, con­tra as mulheres/​trabalhadoras, a começar por diz­erem que teriam sido elas as asse­di­ado­ras ou que seriam feias demais para serem asse­di­adas.

Esta vio­lên­cia pode e deve ser clas­si­fi­cada como vio­lên­cia política – além dos crimes referi­dos. O que os “mili­ton­tos” e crim­i­nosos estão dizendo é o seguinte: se denun­cia­rem “um dos nos­sos” nós ire­mos destruir suas vidas.

É isso que estão fazendo no momento.

Não estão nem aí se a vio­lên­cia é prat­i­cada con­tra uma mul­her que pode­ria ser sua irmã, mãe, esposa, avó, etc., tudo parece válido na guerra política.

Tudo isso em país que anual­mente já reg­is­tra mil­hares de estupros, mil­hares de fem­i­nicí­dios e mil­hões de out­ros atos de vio­lên­cia domés­tica, de gênero, etc.

Os cidadãos, não temos o dire­ito de nos calar e aceitar como nor­mais os atos abom­ináveis de vio­lên­cia con­tra as mul­heres, menos ainda quando estes que se revestem de vio­lên­cia política.

A todas essas mul­heres víti­mas ou não da vio­lên­cia minha irrestrita sol­i­dariedade.

Abdon Mar­inho é advo­gado.