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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Segunda-feira, 25 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


FAKE NEWS, PRECONCEITO E SILÊNCIO.

Por Abdon Marinho.

O ASSUNTO mais comentado na última semana no estado, pelo menos pelas redes sociais e grupos de WhatsApp é uma mentira ou, como se diz atualmente, uma fake news. 

Trata-se de uma lei sancionada pelo governador do estado recém eleito, Carlos Brandão, obrigando os estabelecimentos comerciais, bares, restaurantes, espaços de lazer e órgãos públicos a fixarem em local visível ao público, no local externo ou na entrada, placas informativas, proibindo a discriminação em razão de orientação sexual ou identidade de gênero. 

A lei tem apenas um artigo de conteúdo, mas foi o que bastou para, de norte a sul do país, espalhar-se que a “destruição da família brasileira” estava começando pelo Maranhão. O estado era a nova Sodoma e Gomorra de que trata a Bíblia e hordas de pedófilos e desajustados sexuais estariam à espreita nos banheiros de meninos e meninas para abusar sexualmente deles. 

Tiazinhas e tiozinhos dos grupos de aplicativos começaram a disseminar áudios virulentos contra esse novo apocalipse anunciado para o horizonte do país. 

Empurrado para o “canto do ringue” pelos ataques vindo de todos os lados, o governador ficou “sem ação”, apenas emitindo nas redes sociais um esclarecimento de que a lei sancionada na tratava da utilização de banheiros. 

A comunicação pública falhou miseravelmente no enfrentamento da fake news disseminada. E mesmo a rede de blogues e integrantes da mídia palaciana não quis  dar-se ao trabalho de defender o governador. 

Em uma semana de ressaca eleitoral pós primeiro turno esse foi um dos motes para começarem a campanha eleitoral num nível próximo a 8 centímetros – a altura da sarjeta das ruas –, o que nos leva a acreditar que até 30 de outubro, o “cidadão de bem” ainda vai disseminar muitas mentiras e ataques para tentar impor sua vontade nas urnas. 

Contrariando muitos amigos queridos, comecei a escrever em 2010, após a passagem do saudoso jornalista Walter Rodrigues. 

Com a ausência de WR senti a falta de uma análise política, social que investigasse os fatos e orientasse o comportamento ou colocasse à disposição da sociedade civil um outro olhar sobre os acontecimentos até então desapercebido. 

Doze anos depois continuamos na mesma orfandade. 

Em tempos de fake news e comunicação instantânea as mentiras se tornam verdades antes mesmo que se tenha tempo de reagir ou de se dizer que as coisas não são como ditas ou que a interpretação dos fatos estão sendo distorcidos para atender a este ou aquele interesse político. Sem contar que muitas das vezes o silêncio, a omissão ou o “cala boca” ocorre pelo descompromisso com o público ou são decorrentes dos próprios preconceitos e interesses. 

Tinha diversos assuntos para tratar neste domingo. 

Escolheria um e adiaria os demais. Na pauta, análise sobre os resultados das eleições – que tratei em diversos textos e que foram confirmados pelas urnas –, a eterna violência e preconceito contra o Nordeste e contra os nordestinos, a mercantilização da fé como moeda de troca eleitoral, e por aí vai. 

Aí surge essa tolice, verifico na imprensa e deparo-me com o silêncio ou com a conveniência de não se analisar os fatos como são e me vejo na obrigação de esclarecer a sociedade sobre a loucura que estão disseminando por interesses escusos, eleitorais ou por ignorância.

A primeira verdade óbvia que se deve esclarecer é que a família brasileira por mais fragilizada que esteja ela jamais será “destruída” por uma lei de um artigo. 

Dito isso, vamos a lei:

LEI N° 11.827, DE 28 DE SETEMBRO DE 2022

Estabelece a obrigatoriedade de fixação de placas informativas, proibindo a discriminação em razão de orientação sexual ou identidade de gênero

O GOVERNADOR DO ESTADO DO MARANHÃO,

Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa do Estado decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° Ficam os estabelecimentos comerciais, bares, restaurantes, espaços de lazer e órgãos públicos da Administração Direta e Indireta do Estado do Maranhão, obrigados a fixar em local visível ao público, no lado externo ou em uma de suas entradas, placas informativas, proibindo a discriminação em razão de orientação sexual ou identidade de gênero.

Parágrafo único. A placa deverá ser afixada em visível e confeccionada no tamanho mínimo de 50 cm (cinquenta centímetros) de largura por 50 cm (cinquenta centímetros) de altura e conter os seguintes dizeres:

 

"É expressamente proibida a prática de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero".

Art. 2° Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”.

Li e reli a lei e não encontrei no texto qualquer ameaça comunista, hedonista ou à propagação de ideias visando a destruição da família. 

A lei diz que nos locais referidos serão fixadas placas dizendo que “É expressamente proibida a prática de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero”. 

Isso ofende a família brasileira? Representa uma ameaça às famílias? As moças, rapazes, jovens, crianças? 

Certamente que não. Pelo contrário, esses jovens e adolescentes, nascidos a partir do ano 2000, convivem muito bem com a diversidade. 

O conteúdo da lei e da placa é eminentemente educativo e não deveria ser motivo de polêmica da parte de ninguém, nem mesmo dos comerciantes e seus defensores que reclamam desta nova despesa. 

Não creio que uma placa educativa vá “quebrar” algum comerciante, pelo contrário, vai é aumentar a sua freguesia ao mostrar que o estabelecimento não é tolerante e conivente com práticas discriminatórias. 

Cabe esclarecer que a lei estadual apenas reproduz o espírito e o texto da Constituição de 1988, que fez 34 anos na mesma semana da falsa polêmica. 

O preâmbulo da Carta já estabelece: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

Já no artigo 1º, coloca como fundamentos da república a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

E no artigo 5º, diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: …”.

Ora, trinta e quatro anos depois da promulgação da Constituição que estabeleceu que seríamos uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos; onde teríamos como fundamentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana; e que todos seriam iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, ainda são assassinadas, espancadas e/ou violentadas pessoas pelo simples fato de outros discordarem de com quem elas vão para cama ou fazem sexo. 

Mais de três décadas depois de todas essas garantias que estão na Constituição, causa polêmica uma lei que manda afixar placas em estabelecimentos comerciais e logradouros públicos dizendo que é proibida a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. 

Tudo isso por conta de uma infamante campanha eleitoral, pois estou quase certo que leis de conteúdo idêntico ou assemelhado já existem em outros estados ou municípios sem que tenha despertado qualquer polêmica. 

A ideia da disseminação da fake news, parece-nos ter sido para vincular o governador, que é de um partido político de esquerda, o PSB, a uma pauta de “destruição da família” e com isso atacar o candidato presidencial que ele apoia. Diante disso vale tudo. 

Com isso ignoraram até que lei foi uma iniciativa da Assembleia Legislativa que discutiu em todos seus pormenores e aprovou o projeto de lei de um dos seus membros; depois de aprovado o projeto lei foi ao Poder Executivo que o submeteu, mais uma vez, ao controle de constitucionalidade e vendo que o mesmo não feria qualquer dispositivo constitucional, levou a sanção do governador, que o sancionou e transformou em lei. E fez bem. 

O Brasil precisa sair deste obscurantismo, desta idade da trevas, onde uma lei que diz ser proibido discriminar pessoas – muito embora tal garantia já esteja estabelecida na Constituição –, seja objeto de polêmica. 

Todos os que compõem a sigla LGBTQIA + são brasileiros (ou estrangeiros residentes) e devem gozar das mesmas garantias que os demais. Todos são país, mães, filhos, irmãos, amigos, sobrinhos, parentes e/ou amigos  de alguém, o mal que lhes é feito atinge a eles, suas famílias, os amigos e as pessoas que os amam. Todos são eleitores e como tal, tanto eles quanto suas famílias e amigos, deveriam aproveitar e responder nas urnas os preconceitos e discriminações sofridas. 

Abdon C. Marinho é advogado.