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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A DEMOCRACIA E O JULGAMENTO.
Por Abdon Marinho.
ASSISTO, não sem perplexidade, a todo este escarcéu em torno do julgamento do ex-presidente Lula. São tantas informações e contra informações que ficamos com a impressão de tratar-se de algo extraordinário e não de um mero julgamento de alguém que foi investigado, denunciado e condenado pelo juiz singular, que, agora, terá ou não a sentença confirmada.
E dirão: mas trata-se de um ex-presidente da República, tratar-se de um líder popular, e tudo mais que os fazedoras de mitos gostam de criar.
Sim, é verdade. Mas numa democracia os cidadãos são todos iguais, não haveria e não há necessidade de qualquer tratamento diferenciado por se tratar de um julgamento de um ex-presidente da República ou de qualquer um do povo.
Se acreditamos que vivemos numa democracia, a primeira coisa que temos de aprender é que não deve existir cidadãos melhores ou mais iguais que os outros, muito menos em relação a lei.
A própria Carta constitucional estabelece: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.
Com o julgamento do ex-presidente na pauta das discussões, seus aliados, simpatizantes e partidários, ou simplesmente aduladores, criaram uma campanha ou duas, no mínimo curiosa (ou contraditórias) que é/são: “na defesa da democracia e do Direito de Lula ser Candidato”.
Sendo uma ou duas campanhas, certamente, merecem uma análise cuidadosa, ainda mais tratando-se de algo que mobiliza parte da sociedade brasileira.
Oportuno, portanto, que façamos algumas indagações: a democracia brasileira está amaçada? Quem ou o quê a ameaça? O julgamento do ex-presidente feito por tribunal regular é uma ameaça à democracia?
Será que a verdadeira ameaça não vem dos ataques ao tribunal, a Justiça e, mesmo, aos familiares dos julgadores?
Ora, numa democracia que o valha, um julgamento é apenas um julgamento. Nada mais. Dizer que um julgamento ameaça a democracia é dizer que a Justiça do país não é merecedora de crédito e, por isso mesmo, já não teríamos uma democracia.
Se a Justiça não funciona ou se está suscetível a atender interesses outros que não o interesse da lei, é porque a democracia já está doente ou liqüidada.
Visto assim, a campanha não seria na defesa da democracia – pois esta já não mais existiria tal, e sim como arremedo –, e sim para implantá-la.
Mas o que teria feito o TRF4, sediado em Porto Alegre, RS, a ponto de “ameaçar” a democracia brasileira? Até onde se sabe, nada.
Em seus milhares de julgamentos não se verifica indícios de que se trata de um tribunal corrompido ou composto por juízes venais, pelo contrário, muitas de suas jurisprudências servem de balizas para outros tribunais em todo o país.
Logo, no que se baseiam os aliados, simpatizantes ou partidários do ex-presidente para empreenderem uma campanha nacional – e mesmo internacional –, “em defesa da democracia”, como se o Brasil fosse uma republiqueta de bananas?
Anseiam, talvez, com um modelo de justiça assemelhado ao modelo venezuelano ou cubano, que só existem para legitimar suas ditaduras carcomidas ou mesmo a “não justiça” norte-coreana.
Estes são modelos de democracias que os norteiam.
É o que desejam para o Brasil quando protestam e assinam manifestos em “defesa da democracia”?
Afinal, falam de qual modelo democrático? No que se espelham? Em qual experiência exitosa no mundo?
A segunda parte da campanha é pelo direto do senhor Lula ser candidato.
Ora, nada impede a candidatura do senhor Lula se o mesmo preencher os critérios objetivos a que devem se submeter todos os demais brasileiros.
Não se criou, e não existe, uma lei específica impedindo a candidatura dele ou de ninguém. Todos, desde que preenchidos requisitos objetivos da legislação, são legítimos para pleitear a direção dos negócios públicos. Esta é uma conquista da nossa “ameaçada” democracia.
Assim, não havendo nada a impedir a candidatura de quem quer que seja, desde que preenchidos critérios objetivos, quer me parecer que a referida campanha tem por objetivo “excluir” o senhor Lula da regra geral, colocá-lo acima da lei.
A menos que esteja errado, o que propõe a campanha é que a candidatura do ex-presidente seja deferida em qualquer circunstância, ainda que não preenchidos os requisitos da lei. Seria isso?
Caso afirmativo, isso seria democrático? Esta é a democracia que estão na “defesa”? Uma democracia onde “alguns” fiquem de fora do alcance da lei?
O que me deixa mais perplexo é que, quando puxo pela memória, lembro que estes mesmos que agora falam numa “democracia” para colocar fora do alcance da lei determinadas pessoas, como é essa pelo “Direito de Lula ser Candidato”, são os mesmos que encabeçaram a campanha pela chamada Lei da Ficha Limpa.
Fizeram um monumental movimento público e social e coletaram mais um milhão de assinaturas (1,6 milhão para ser mais preciso).
Assim nasceu a Lei Complementar nº. 135, no propósito de impor maior rigidez às regras de inelegibilidades já existentes, além de criar novas regras.
Não é estranho que vejamos, basicamente, as mesmas pessoas, ainda vestindo as mesmas camisetas, se batendo contra a Lei da Ficha Limpa ou, pior, querendo criar “excludentes” à sua aplicação?
Ah, entendi. A Lei da Ficha Limpa deveria/deverá servir só para ser aplicada contra os adversários. Era isso?
Infelizmente, quer me parecer que os defensores “da ou das” campanhas "na defesa da democracia e de Lula ser candidato”, antes ou agora nunca tiveram lá muito apreço pela democracia ou por eleições limpas, mas sim, estavam imbuídos no propósito de afastar os adversários. Aqueles que lhes fizessem sombra, na direção do Estado ou no comando do assalto aos cofres públicos.
Tanto assim, que criam toda sorte de obstáculo ante à possibilidade de um dos seus ser alcançado pela lei. Dizem que é golpe. Não é golpe. Caso o senhor Lula tenha confirmado a sentença condenatória e virar “ficha suja”, estaremos apenas diante da Lei e suas consequências.
Essas tolices todas que passam os dias fazendo, como antecipar o resultado do julgamento, já é busca de “tirar carta de seguro” e insistirem no descumprimento da lei, nos abusos, na divisão da nação.
Isso ocorre, acredito, por saberem – bem mais que os demais brasileiros –, da solidez dos argumentos que sustentam a condenação do senhor Lula em primeira instância.
Esta, talvez, a razão de tentarem, por todos meios, constrangerem a Justiça brasileira querendo envergonhá-la aos olhos do mundo.
Não sei se o ex-presidente será condenado ou absolvido.
Não conheço o processo e, prudente que sou, tenho como insuficiente formar convicção sobre a condenação de um ser humano à cadeia, qualquer um, com base, unicamente, na leitura da sentença.
Ainda assim, pela leitura que fiz – mais de uma vez –, tenho por certo que os desembargadores terão um imenso trabalho para desqualificar a sentença do juiz Moro, na eventualidade das provas corresponderei às assertivas que lá, no decreto condenatório, se encontram lançadas.
Acredito, também, que mesmo os críticos mais ácidos – excluo os apaixonados, os tolos e os sectários –, sobretudo, os com militância na área jurídica (advogados, integrantes do Ministério Público e do Judiciário) reconhecem que poucas sentenças, em toda história da justiça brasileira, encontram-se tão bem postas quanto esse decreto condenatório do ex-presidente.
Restam claros que os constrangimentos, os acintes, as tentativas, criminosas, de desqualificar a sentença, o julgamento e todos os envolvidos, partem de pessoas que têm a convicção dos crimes cometidos, mas, ainda assim, tentam – por interesse próprio ou de grupo –, politizar o processo judicial.
O Brasil precisa, pelo bem da democracia, mostrar que suas instituições de Estado são mais fortes que os alaridos dos grupos de pressão, que enxergam mais seus interesses que o futuro da nação, respondendo com Justiça! Apenas isso, Justiça!
Abdon Marinho é advogado.