CARTA A ISABELA.
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- Criado: Segunda, 02 Março 2015 11:57
- Escrito por Webmaster
CARTA A ISABELA.
Minha cara Isabela,
Li o que escrevestes sobre o meu estado e o nosso povo. Não senti, em relação a você, ódio, raiva ou desejo de vingança — li e ouvi de muitos maranhenses que deverias responder criminalmente por preconceito contra o povo, o ministério público já fala que irá propor ação neste sentido. Discordo disso. Discordo até das manifestações que fizeram contra você. O meu sentimento foi e é de pena.
Custa-me crer que uma moça bem criada, que deve ter frequentado as melhores escolas de sua terra — que, diferente de você, respeito e admiro — mostre tanta ignorância em relação à cultura de um povo.
A cultura de um povo não é para ser bela, feia, pobre ou rica, é, sim, para identificar um povo onde quer que ele esteja.
Assim, quando você, em qualquer lugar do mundo, ver uma pessoa usando bombachas e tomando uma cuia de chimarrão, você imagina que aquela pessoa é da sua terra, se não do Rio Grande, de algum estado próximo. Neste momento você cria com aquela pessoa uma empatia, um sentimento de acolhimento. Acontece o mesmo conosco, quando, em qualquer lugar ouço uma toada, uma matraca, uma zabumba ou uma orquestra identifico com o meu Maranhao. Com uma saudade da minha terra, dos meus amigos, do meu povo.
Não existe cultura inferior ou superior, pobre ou rica, repito, existem culturas diferentes. E todas merecem o respeito das pessoas civilizadas, principalmente daquelas que acham que possuem uma cultura «rica». Aliás, destas, já tem o respeito, pois elas sabem o que significa cultura.
Sabe, minha cara, já faz muito tempo que os europeus, a quem, provavelmente, achas possuidores de uma cultura superior, fizeram suas autocríticas sobre os equívocos que cometeram quando se transformaram em conquistadores de povos e tentaram impor sua cultura em substituição às manifestações culturais locais dos povos conquistados.
Compreenderam aquilo que você ainda é incapaz de entender: que o tambor de crioula, o bumba-meu-boi, os rituais africanos ou indígenas, da Amazônia ou da América do Norte, ou das tribos asiáticas ou da Oceania, são manifestações culturais diversas, distintas, nem por isso inferiores.
Não se ocorre o mesmo com a sua cultura. As maranhenses ou paraenses são cativas ao redor do mundo em apresentações.
Sobre suas palavras, na minha opinião, dignas de pena, achei-as, inicialmente, covardes. Pois ditas quando aqui já não mais estavas. Por que não as disse quando aqui chegou? Medo? Covardes por que atinge, em cheio, os maranhenses que a acolheu e que, com certeza, a tratou bem. Será que fariam isso se soubessem o que pensava delas? E do nosso povo por extensão? Durante o tempo que estivestes aqui ficastes calada, fostes falsa e hipócrita com essas pessoas, que hoje devem sentir repulsa por você. Terá valido a pena tanta hipocrisia?
Suas palavras são ofensivas também ao povo gaúcho, pessoas sérias e trabalhadoras que vieram buscar trabalho e oportunidades no Maranhão, justamente no estado, para o qual dispensa seus piores pensamentos. Veja que ironia: é num estado pobre que seus compatriotas vêm buscar trabalho e riqueza. Não se preocupe, se é que és capaz disso. São todos bem-vindos. Aqui há espaço para os querem trabalhar de forma honesta e ajudar a desenvolver o estado, bem como aqueles que apenas busca uma outra chance de recomeçar.
Se você tivesse andado um pouco mais pelo Maranhão teria encontrado muitos gaúchos trabalhando, fazendo fortuna, desenvolvendo o estado e muitos deles, acho que a grande maioria, não tem qualquer intenção de deixar a terra que os acolheu.
Quando dizes que aqui os homens são malandros e as mulheres «periguetes» (inclusive os amigos que fizestes?), garanto que não devem ser muito diferente dos que encontramos noutras partes do Brasil, inclusive na sua terra, por outro lado, a maioria dos maranhenses, gaúchos, mineiros, cariocas, cearenses, são pessoas trabalhadoras, honestas, que dão um duro danado para sobreviver e que por isso mesmo, não mereceriam uma agressão gratuita e torpe como a que nos dispensou.
Uma outra característica do estado, que você não deve ter observado é que aqui somos um povo acolhedor. Para o Maranhão acorrem brasileiros de todos os estados do Brasil. E aqui todos são bem tratados e respeitados, inclusive você, que elevou a um outro patamar a expressão «cuspir no prato que comeu», não estavas acompanhando o esposo servidor de uma empresa? Pois é. Só depois que foi embora enxergou nossas defeitos e mazelas?
Dar-te-ei um conselho, sem cobrar nada em troca. Depõe contra você, que parece tão bem nascida, falar mal de seus anfitriões, no caso, o povo do Maranhão, que a recebeu de braços abertos. Não lhe ensinaram isso nas aulas de etiquetas ou nos cursos de boas maneiras ou na sua casa? Pior que isso, é falar mal dos anfitriões quando já estava distante, pelas costas, de forma torpe, através das redes sociais.
Sobre sermos um estado pobre trata-se mais uma falta de conhecimento, o Maranhão possui condições ímpares e com riquezas que só as mais argutas vistas consegue enxergar. Se não atingiu um elevado grau de desenvolvimento isso se deve à razões que você, com certeza, não possui conhecimento para compreender.
Quanto á sua ignorância em relação ao que seja cultura, eu a desculpo, ser ignorante não deve ser uma opção voluntária. É falta de estudo mesmo. Pouca diferença há entre você e os terroristas que destruíram os museus no Iraque em data recente. Noutras palavras, você pode até ser culpada por sua falta de educação, não por ser ignorante.
Que Deus lhe permita compreender a bobagem contida nas suas palavras e a faça entender que, se o Brasil é uma grande nação, isso se deve às nossas diferenças, a nossa vasta diversidade cultural.
Abdon Marinho é advogado.