EU ACREDITO EM SONHOS.
- Detalhes
- Criado: Sábado, 08 Novembro 2014 13:12
EU ACREDITO EM SONHOS.
Se existe algo da qual me orgulho, é ter nascido e vivido boa parte da vida em um tempo menos veloz, menos, digamos, acelerado. Um período, em que podíamos nos dedicar, sem culpas, à contemplação da vida, da natureza, dos pequenos prazeres, dentre os quais, o prazer do ócio, do nada fazer, além de refletir, além de pensar na nossa razão de ser.
Algumas vezes alguém perguntava: – O que estás fazendo? Respondia: – Nada, só pensando na vida (vez ou outra completava, \«enquanto a morte está parida”); ou, estou lendo, um livro, uma revista, uma coletânea de poesia; ou, estou vindo música, viste o último LP do Roberto? Vistes aquela banda nova, RPM?
Uma vida sem tanta pressa.
Houve um tempo – nem tão distante assim – que tínhamos sonhos e não ambições pessoais. Sonhávamos com um mundo melhor para toda humanidade e não com nosso próprio sucesso financeiro ou fama. Quando muito, imaginávamos que podíamos ser um astronauta, um viajante do espaço, um benfeitor da humanidade como Vital Brasil ou Oswaldo Cruz, um inventor como Santos Dumont, um escritor como Érico Veríssimo, Josué Montello ou Jorge Amado, um poeta como Olavo Bilac, Mário Quintana ou Carlos Drummond de Andrade…
Nos fins de tardes, nas noites ou madrugadas, falávamos de história, geografia, política nacional e internacional; discutíamos os aspectos da filosofia, da psicologia e da ecologia.
Eram tempos em podíamos ter relações mais intensas e menos intencionais.
Quando dizíamos fulano é meu amigo era porque em suas mãos poderíamos depositar a nossa vida sem nada temer; podíamos compartilhar as inquietações mais profundas, as dúvidas mais insondáveis.
Eram tempos, em que as amizades duravam bem mais que uma, duas, três ou quatro estações.
Ao escrever esse texto, faço esse breve retrospecto, não como uma ode ao saudosismo, uma nostalgia de tempos que não voltam. Faço-o, apenas, para dizer que aquilo que me proponho no título: Eu acredito em sonhos.
O mundo hoje roda em tal velocidade que ninguém mais tempo tempo para refletir ou contemplar nada. Recebem uma informação e não sabem o que fazer com ela. Dizem que se informam, mas não passam muito tempo e se perguntam: “Onde foi mesmo que vi ou ouvi isso?” ou ficam encubados: Acho que já ouvi/vi isso em algum lugar\».
Numa comparação tecnológica, as informações (e não o conhecimento), ficam armazenadas na memória RAM e não no HD.
Querem uma praticidade de vida que beira a paranóia e à própria ausência de vida.
As pessoas têm tanta presa em acumular fortunas em viver o maior números emoções e sensações que chego a duvidar que, efetivamente, vivam algo.
Será que viver é se entorpecer todos os dias (todas as semanas) de álcool, drogas ou sexo fácil? Será que é comprar todas as marcas de sucesso – ainda que devam o que não tem –, apenas para aparecer bem na tribo? Será que é se prostituir para frequentar todas as baladas da moda? Será que é essa busca alucinante por dinheiro ou fama sem se importar com o próprio nome ou amor próprio?
Por vezes, fico com a impressão que vivemos em mundo de zumbis. Um mundo em que as pessoas não pensam mais na razão de seus atos, apenas seguem o roteiro previamente definido por uma sociedade que desistiu de ideais, que valoriza o TER e não o SER. Um mundo onde as relações, até as mais próximas, atitudes até mais pessoais, são ditadas apenas por interesses e não por sentimentos. Um mundo onde as pessoas não relutam em destruir um “amigo\» ou alguém próximo, se isso lhe representar algum ganho.
Vejam que não são interesses nobres, são interesses calcados no tripé: Sucesso, Fama, Fortuna. Um tripé que me faz temer pelo futuro da humanidade.
Confesso lamentar pelas pessoas excessivamente práticas, que se orgulham de um racionalismo fanático, que trilham um caminho de forma tão obstinada pelo que acredita ser a razão da vida que acabam por esquecerem de viver.
Lamento pelos que nunca choraram ouvindo uma música ou lendo um livro de contos ou de poesias;
Lamento pelos nunca sentiram a emoção da solidariedade ao próximo;
Lamento pelos que perderam a capacidade de amar ou de sofrer uma perda;
Lamento pelos que nunca sonharam um sonho coletivo ou que se perderam na ânsia do sucesso individual, da fama efêmera ou do dinheiro fácil.
Lamento pelos não param para pensar, refletir sobre a vida ou para contemplar o que temos de mais belo na natureza ou nos seres humanos, mas seguem, como autômatos, rumo àquilo que acreditam ser um objetivo;
Desconfio daqueles que não possuem ideais e sim metas e que estas não sejam consequências lógicas ou naturais daqueles;
Desconfio daqueles que não conseguem e não vêm sentido em ler um bom livro e emocionar-se com ele;
Desconfio daqueles que perderam a capacidade de sonhar com um mundo melhor; sonhar e praticar gestos grandiosos em favor do próximo, e tenham, na satisfação do irmão e companheiro, a sua própria satisfação e engrandecimento.
Há muito tempo – muito tempo mesmo – li que somos a medida dos nossos sonhos. Me pergunto, como é possível vivermos em um mundo em que as pessoas perderam essa capacidade? Como é possível viver sem sonhos? Sem ideais?
Viver sem emoção, sem sentimentos, decerto que não é, efetivamente, viver.
Vejo a tudo isso e reafirmo: Não consigo viver sem acreditar que somos maiores que a superfície mostra, pois somos tudo aquilo que podemos e ousamos sonhar.
Eu acredito em sonhos.
Abdon Marinho é advogado.