A PÁTRIA AMAZÔNICA.
Abdon Marinho.
— NÃO vais falar sobre a Amazônia?
Foi no ápice dos incêndios na região amazônica e de toda a polêmica em torno do assunto, inclusive, com seus desdobramentos internacionais, quando fui abordado por um amigo/leitor.
— Vou, só estou esperando a poeira baixar um pouco. Respondi.
No feriado da Independência do Brasil parei um momento para refletir sobre o que vem acontecendo com o nosso país.
A essa altura dos acontecimentos, acredito, mesmo o aliado mais fiel do presidente da República já deve ter se convencido que o homem é uma crise política ambulante – muitos, por conveniência ou interesse podem até nada dizerem ou até fazerem muxoxos com suas presepadas –, com uma capacidade ilimitada para dizer asneiras a ponto de, com menos de um ano no posto, já se ouvirem tramas sobre um possível impeachment.
Se isso não acontecer será mais pelos interesses dos “donos do poder” e pelo tempo que acharem que uma situação de um presidente frágil politicamente e popularmente lhes é muito melhor.
Com uma velocidade espantosa sua excelência vai atraindo ódios para si e comprometendo a imagem do país no contexto internacional.
Trata-se de uma situação bem peculiar: o governo, pelo menos até aqui, não é visto como ruim, vem tocando as reformas necessárias (vez ou outras atrapalhadas), não se tem, ainda, notícias de corrupção e outras mazelas e até apresenta resultados positivos, como na segurança pública com o aumento das apreensões de drogas, confisco de bens de traficantes, o encarceramento em presídios federais de seus principais comandantes e, também, e, consequência disso tudo, redução significativa no número de homicídios e ouros delitos.
O problema do governo, até aqui, repito, é o seu comandante e a sua incontrolável língua.
Um presidente da República não é um “peladeiro” de final de semana de quem se tolera os xingamentos e a boca suja.
Um presidente da República fala em nome da nação, se ofende um chefe de estado estrangeiro ou uma autoridade de um organismo internacional, embora feito em nome próprio, é como se a nação inteira também o estivesse fazendo.
Um presidente da República precisa ter a informação – e a compreensão –, que o cargo que ocupa é infinitamente maior que ele e, mais, que as responsabilidades do encargo dizem respeito a todos os cidadãos brasileiros e não apenas a ele, sua família e aos seus puxa-sacos.
Feitas estas considerações, passamos a análise da chamada “crise amazônica”.
Todos sabemos da existência de queimadas no Brasil, inclusive na Amazônia, e que elas não vem acontecendo ao longo das décadas.
As destes anos, aliás, nem foram as maiores, em governos anteriores os focos de incêndio já chegaram ao triplo do que assistimos atualmente.
Então, por que todo esse escarcéu em torno do assunto e por que o presidente foi apontado como responsável pelos incêndios na Amazônia?
Como sabemos a Amazônia brasileira vem sendo ocupada – e também não é de hoje, remonta há décadas –, por “grileiros”, que vão tomando as terras públicas e, também, aquelas destinadas às reservas indígenas na “mão grande”, seja para exploração de garimpos, madeira, criação de gado, etc.
Todos os anos essa “turma” aproveita a estação seca e de ventos fortes para essas práticas criminosas e aos poucos e com a cumplicidade de autoridades corruptas vão se assenhorando de milhares de hectares.
Logo, não serve aos defensores do presidente, a desculpa de que “nos governos anteriores” os incêndios eram maiores, ou “desde sempre que a floresta queima”, ou “os que são contra as queimadas têm interesses escusos na floresta”, e infinitas desculpas infames.
Os cidadãos de bem, inclusive os milhões que votaram no atual presidente, precisam compreender que a floresta não se recompõe todos os anos ou que as queimadas ocorrem em áreas já queimadas anteriormente.
Não é nada disso, as queimadas vão se somando ao longo dos anos e as terras públicas vão sendo “tomadas” por espertalhões para exploração e venda das riquezas, que são de todos os brasileiros, em seus próprios proveito.
O presidente, e o governo, erraram feio ao ignorarem os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial - INPE, e, pior, tentarem fazer um proselitismo político cretino, dando “caneladas” em todos que os alertavam para o que vinha ocorrendo e para insanidade de suas colocações.
Pô, chegaram a ponto de questionar as fotografias da NASA mostrando os focos de incêndio.
As negativas do presidente ao que estava acontecendo soou como uma “autorização” para os criminosos de sempre incendiarem a floresta e lucrarem com isso mais alguns milhões ou bilhões.
Embora incêndios sejam comuns, sabemos, pelas razões acima expostas, que muitos são criminosos.
Os incendiários não são empresários do agronegócio. Estes sabem dos danos que podem sofrer no mercado internacional. Os incendiários são criminosos, especuladores, que pouco estão ligando para o país.
O presidente e o governo deram uma “força” a essa gente.
Os erros do presidente – e do governo –, trouxeram à tona uma outra discussão, que embora já insinuada, nunca tinha sido exposta de “viva-voz” por uma autoridade: a soberania nacional sobre a Amazônia.
O senhor Macron, presidente da França, talvez acossado pela grande rejeição interna; talvez reencarnando um sentimento colonialista; ou talvez, simplesmente, inspirado maus modos do presidente brasileiro em falar asneiras, resolveu questionar nossas fronteiras.
Se serve de consolo aos brasileiros, o senhor Macron se portou como o Bolsonaro da França.
Como disse em relação ao presidente brasileiro, quando um presidente fala ele fala em nome do país que representa.
Não cabia (e não cabe) a governo nenhum questionar a integralidade das fronteiras do nosso país. Ainda que diga que faz isso com as melhores das intenções.
Não faz parte da minhas lembranças, em tempos recentes, quaisquer outra ofensa à soberania nacional. Muito menos ainda, vinda da França, cujo derradeiro mal-estar diplomático que se tem notícias teria sido a suposta afirmação do general De Gaulle de que “o Brasil não é um país sério”. Fora isso, nada mais.
As fronteiras do Brasil, exceto pelo Acre que incorporou-se ao território no começo do século passado, estão prestes a completar duzentos anos de consolidação. Repito, duzentos anos de fronteiras consolidadas. Antes, embora essas áreas já integrassem o território nacional, haviam divergências com os outros países localizados ao norte em relação às fronteiras de cada um.
A partir da Independência do Brasil as fronteiras foram consolidadas graças aos hercúleos esforços da diplomacia brasileira no Primeiro e Segundo Impérios, não restando, quanto a elas, quaisquer dúvidas.
São duzentos anos de paz com nossos vizinhos, sem nenhum deles questionando nossas fronteiras ou a soberania do país sobre áreas do nosso território.
Embora ache legítima a preocupação (desinteressada) dos povos do mundo com a questão ambiental e a preservação das florestas, principalmente a Amazônia, não faz qualquer sentido a provocação do senhor Macron de questionar a soberania nacional sobre parte do território brasileiro.
O senhor Macron, ainda que com as melhores das intenções – e o inferno está cheio de bem intencionados –, poderia externar suas preocupações (legítimas ou não), oferecer ajuda, sugerir providências por qualquer outra forma, jamais questionando a soberania de um país com quase duzentos anos de independência sobre uma parcela de seu território.
Embora nos dias atuais a diplomacia internacional tenha se tornado uma espécie de “vale-tudo” de baixíssimo nível, o presidente da França cruzou um limite perigoso. Nem Donald Trump, também reconhecido por sua imensa capacidade de proferir tolices chegou a tanto: o máximo que fez foi sugerir a intenção de “comprar”, da Dinamarca, a Groenlândia, sendo prontamente rechaçado por aquele reino que considerou a sugestão como absurda.
Mas, como disse anteriormente, a “crise amazônica”, desde os incêndios florestais ou tresloucado surto colonialista do presidente francês – como todas as outras crises ocorridas no país desde o início do atual governo –, têm origem na falta de travas na língua do presidente brasileiro, que de tanto falar tolices, só pode ter “tomado água de chocalho”, como se dizia no meu interior.
Apesar de militar – e orgulhar-se disso –, sua excelência, parece nunca ter passado perto dos ensinamentos de Sun Tzu, antigo general, estrategista e filósofo da Dinastia Zhou (543 - 251 a.C.), para quem “um grande general não é arrastado ao combate. Ao contrário, sabe impô-lo ao inimigo”. Ou dos ensinamentos de Sócrates (469 - 399 a.C.), para quem “sob a direção de um forte general, não haverá jamais soldados fracos. Ou, ainda, do que dizia Públio Siro, por volta do ano 100 da Era comum: “o valor dos soldados depende da estratégia do general”.
Sua excelência parece não saber nada disso e, dia sim e no outro também, em prejuízo do seu governo e da nação, provoca e deixa arrastar-se para os “combates” mais desnecessários, demonstrando sua profunda incapacidade de comandar o que quer que seja.
A seu favor, talvez só prevaleça o fato de, apesar de Comandante em chefe das Forças Armadas, nunca ter ido além de capitão, e assim mesmo através de promoção de dispensa.
Abdon Marinho é advogado.