O JORNALISMO DA ESCATOLOGIA.
Escrevi outro dia o texto \\\"A ÉTICA E O JORNALISMO DE TÉO PEREIRA”. Cheguei a pensar se as coisas poderiam piorar no campo da mídia e das suas convergências voltadas à informação. Tais dúvidas foram dissipadas logo em seguida. Sempre aparece alguém a escandalizar mais que o personagem de ficção na vida real do Brasil, Maranhão incluso.
Jornalistas ou não, pessoas que escrevem precisam compreender a responsabilidade que possuem ao levar uma informação ou a difundir uma noticia, e, ainda, a relevância da mesma. Coisas que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso é capaz de distinguir. Infelizmente não fazem esse filtro.
Por estes dias três fatos dominaram as pautas sujas. Não sei os detalhes dos casos porque me recuso a clicar nas reportagens. É o meu protesto individual.
O primeiro dava conta que um estuprador morrera ao ser empalado. A imagem do indivíduo foi para os blogues e de lá para as redes sociais através de inúmeros compartilhamentos e tuítes, com direito a foto para os curiosos e/ou incautos seja conduzindo ao blogue e aumente a audiência do espetáculo escatológico.
O segundo dava conta de uma suposta relação sexual não consentida entre dois cidadãos. O cabeçalho do texto informava que um deles aproveitando-se do estado de embriaguez do outro teria cometido o ato abusivo.
O terceiro episódio – e o mais duradouro –, se arrasta por conta de desdobramentos sordidamente explorados num sadismo sem precedentes, narra e expõe o fato de um vereador de município qualquer do Brasil ter sido fotografado enquanto mantinha relações sexuais com um outro cidadão, em um banheiro público.
As imagens do fato estão expostas em blogues, sites e nas redes sociais como se se tratasse de uma reality show, com as legendas mais tenebrosas. Num sadismo sem precedentes, passaram a informar que o vereador teria cometido suicídio por conta da exposição que sofrera e depois – como a lamentar –, que a tentativa de dar cabo à própria vida fracassara. Tudo isso, explorado nos mínimos detalhes capazes de causar inveja ao blogueiro retratado no folhetim global.
Como disse anteriormente, não abri nenhuma das reportagens sobre os fatos narrados. Estas informações foram compiladas unicamente dos textos que aparecem no feed de noticias da rede social que tenho conta através de dezenas de compartilhamentos, forçando até quem não quer ou não se interesse pela escatologia explicita que se tornou a mídia brasileira, deles não escapem.
Assim como eu, milhões de brasileiros, de todas as idades, sexo ou religião tomaram conhecimento destes fatos. Aos adultos que podem distiguir ou formar um juízo de valor diferenciado não digo nada, menos mal. Entretanto, o que dizer dos milhões de crianças, adolescentes e jovens que interagem com a internet e com as redes sociais como elas fossem extensões de suas próprias vidas? Que espécie de adultos estamos formando? Como fica a mente em formação destes jovens ao conviverem com a violência, a exposição de vidas pessoal de outrem de forma tão explicita? Decerto que acharão que é normal, que é assim mesmo, quando é.
Estamos vivendo o Terceiro Milênio, uma era que deve primar pelo respeito às liberdades individuais. As pessoas devem aprender a respeitarem as pessoas e não a tratarem tudo com despudorado relativismo.
Nos episódios narrados, não há desrespeito apenas às pessoas expostas ou as suas famílias, embora isso esteja mais que presente, o desrespeito maior é aos leitores e as famílias dos leitores, o desrespeito maior é à sociedade, como um todo. Fico imaginando como fica um pai ou mãe de família tendo que explicar a uma criança de 5, 6 ou 10 anos as imagens que aparecem nos seus feed de noticias.
E tudo isso por que o cidadão que se intitula jornalista quer vender que possui muitos acessos no seu blogue, site ou canal.
A solução para isso, não é a censura prévia proposta pelo governo, que dia sim e no outro também,flerta com o autoritarismo. A solução é a sociedade repudiar esse tipo de comportamento, recusar-se a acessar esse tipo de veículo de comunicação; é o Ministério Público apurar e responsabilizar os abusos cometidos, requerendo a aplicação de multas civis; são as vítimas ou seus familiares buscarem a reparação financeira proporcional ao agravo, conforme preceitua a Constituição.
Se lucram com a baixaria têm o dever de reparar os prejudicados.
Houve um tempo em São Luís em que ocorriam muitos estupros de mulheres. Essas vítimas, tinham, talvez no estupro, o menor dos sofrimentos, pois sofriam novamente ao procurar uma policia machista, onde eram tratadas com desdém, como se fossem as causadoras e não as vítimas da violência que sofrera e de uma imprensa que, com acesso ao boletim de ocorrência, expunha a vítima, dando nome, endereço e características e muitas das vezes duvidando do fato narrado. Demorou para que aprendessem a não fazer o certo nestes casos. Hoje quando acontece é como exceção e não como a regra de outrora.
O mesmo acontece agora com os excessos praticados pela mídia convergente, que em busca de acessos, ignoram todas as regras de respeito as pessoas sobre as quais noticiam e a própria sociedade, destinatária final do que chamam de trabalho.
A sociedade, através de seus mecanismos, precisa dar um basta nisso. Os jornalistas sérios – existem muitos ainda, acreditem – precisam repudiar de forma inquestionável o comportamento desonesto de seus falsos colegas, sob pena de virarem cúmplices do desserviço que prestam e serem colocados no mesmo balaio, e, as autoridades, sobretudo, o Ministério Público precisa ficar atento ao seu papel de protetor dos interesses difusos, das crianças e dos adolescentes.
O Brasil que precisa, cada vez mais, de um jornalismo sério, responsável e ciente de seu papel, não pode permitir que isso seja prejudicado por aqueles que só enxergam cifrões.
Abdon Marinho é advogado.