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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 25 de Abril de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

INSINUAÇÃO DE “VIADAGEM” AFLORA PRECONCEITOS ATÉ NO SUPREMO. 

Por Abdon Marinho. 

QUANDO era criança ainda ouvíamos muito um tipo de xingamento: “leproso”; “um leproso desses” e outros ligados à hanseníase, conhecida como lepra. Durante milênios a doença, até então incurável e contagiosa obrigava o encerramento dos seus infectados em leprosários e os obrigava a não ter quase nenhum contato com os seus.

Assim, durante milênios além do sofrimento a que estavam submetidos os seus portadores, seus designativos tinham o condão de servir para o xingamentos e reforçar os preconceitos.

Com o passar dos anos a doença passou a ser curada, os leprosários foram extintos e deixou-se de utilizar seus designativos como forma de xingamentos e preconceitos.

A homossexualidade existe também a milênios – desde que o mundo é mundo –, nunca foi doença – embora tenha sido classificada assim, erroneamente, durante muito tempo. 

Não sendo doença e, portanto, não sendo “contagiosa”, diferente da hanseníase, ainda hoje é usada como xingamento.

Em pleno século vinte e um é comum usarem os designativos da condição sexual das pessoas como instrumentos para a ofensa, o menosprezo, a desqualificação.

Assim, viado, baitola, qualira, sapatão, etc., são termos usados para ofender as pessoas pois, entendem estes, que seus destinatários por sua condição sexual – ou não –, merecem ser ofendidos.

Emblemático do que digo é a polêmica envolvendo dois senadores maranhenses – um recém-eleito e outro já no meio do mandato. 

Ainda no final do ano passado, em retorsão a um discurso do deputado e do presidente do seu partido, o PDT, o senador Roberto Rocha, PSDB, publicou numa rede social: “Não entendo o motivo dos constantes ataques que me fazem os pedetistas Lupi e Weverton. Logo eu que sempre torci pela felicidade do casal”. A mídia, como é seu dever, divulgou a assertiva do senador e, também, a reação do deputado.

Naquela ocasião escrevi um texto sobre o assunto intitulado “A Ofensa Gay”, onde dizia ser a mim incompreensível que um senador da República, ainda que com “pilhéria”, usasse uma suposta situação sexual de outrem (verdadeira ou não) como instrumento de ofensa. 

E, do mesmo modo, que o deputado recebesse o comentário jocoso como uma ofensa.

Conforme indaguei na oportunidade, casais heterossexuais podem ser considerados “melhores” que casais homossexuais? Não, numa sociedade, que se pretende respeitadora dos cidadãos pelo que são de essencial e não por conta de suas condições ou preferências sexuais. 

Dizia mais: que os dois parlamentares (sempre vestidos de defensores dos direitos humanos e das minorias), até pelo papel social relevante que ocupam no cenário político, não poderiam e não deveriam reforçar estereótipos e preconceitos.

Parece que caminharam em sentido justamente oposto. 

À guisa de defender a honra própria, a esposa legítima do deputado (senador eleito) foi reclamar na mais alta corte da República que o senador insinuara ser o seu esposo “viado” e que isso afetara a sua honra subjetiva como “esposa traída”. 

Nos termos da petição: “o senador teria agido no intuito de atingir a honra e a reputação do deputado e também a imagem pública de sua relação conjugal”. Afirmando ainda que: “o senador, ao insinuar a existência de um relacionamento extraconjugal de seu marido, teria manifestado um pensamento que ofende a imagem que ela tem de si, chamando-a de mulher traída”.

Como podemos ver, os envolvidos no episódio, entendem ser uma “ofensa” chamar outrem de gay. Não só, que ser chamado de homossexual atingiria a “honra” e “reputação”, além de sua imagem pública. Formidável!

Como já assistimos bem mais que insinuações de que o deputado “supostamente” teria feito fortuna enquanto ocupava cargos públicos e exercia mandatos, e que tais assertivas nunca demandaram ações judiciais nem nos juizados contra os assacadores – que dirá no Supremo –, decerto acham que ser chamado de “veado” é algo bem mais grave que ser chamado de corrupto. 

Certamente as acusações de corrupção, enriquecimento ilícito, etc., não ofendem a reputação ou a imagem pública dos envolvidos, ser chamado de homossexual, sim. Estupefaciente! 

E quando pensava que já tínhamos visto de tudo, eis que a “ofensa gay” ganha adeptos na mais elevada corte do país. 

O ministro Fux, a quem foi distribuída a ação na qual a esposa do deputado entendeu-se como ofendida, mandou arquiva-la sob o argumento da ausência da legitimidade, entendeu que “como a suposta ofensa foi dirigida ao deputado federal, apenas ele teria legitimidade para oferecer a queixa-crime. Seu entendimento foi acompanhado pelo ministro Roberto Barroso, que também entendeu não haver legitimidade da esposa, pois não teria havido intenção de ofendê-la. Para Barroso, a intenção do senador seria a de ofender o deputado, sem mencionar a mulher.

Vejam que para estes dois ministros, houve, sim ofensa à honra do deputado. Afinal o senador insinuou que o mesmo teria uma relação homossexual com o presidente nacional da agremiação partidária. E, ser chamado de homossexual é uma ofensa.

Pois bem, se somente isso já seria suficiente para demonstrar que os preconceitos, inclusive institucionais, são revelados das mais diversas formas, inclusive pelo Supremo, estes dois votos foram vencidos, não porque acharam que não houve qualquer ofensa, mas sim para reforçar que ela tanto houve que a esposa supostamente “traída” teria plena legitimidade para litigar no STF com este absurdo assunto de alcova. 

O ministro Marco Aurélio que abriu a divergência assentou: “a afirmação do senador, caso comprovado o dolo, pode configurar injúria reflexa à honra da mulher do deputado federal, conferindo a ela legitimidade ativa para propor a ação penal”.

Os ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber, com um ou outro adendo, seguiram a divergência para garantir o prosseguimento da Ação Penal contra o senador Roberto Rocha no Supremo. 

Ora, ao meu sentir, quer parecer que algo não está certo, pois se digo: fulano é heterossexual e isso não é ofensivo, porque seria ofensivo dizer fulano é homossexual? Não é a própria Constituição que assegura a igualdade entre todos, livre de qualquer tipo de discriminação? Considerar-se-ia ofensivo chamar ou insinuar que um homossexual seria hétero? Este poderia poderia ir ao STF dizer “senador fulano ofendeu-me, pois me chamou de hétero e eu sou gay, biba, bichona, mona, quero processa-lo por ‘ofensa’”. O Supremo aceitaria tal ação? 

Então ficamos assim: um senador insinuando que o deputado teria uma relação homossexual, supostamente na intenção de ofendê-lo e uma turma inteira na concordância de que uma insinuação neste sentido é ofensiva. 

O mais trágico de tudo isso é todos os envolvidos no episódio, inclusive os cinco ministros que participaram do julgamento, agiram com tanta naturalidade que sequer se deram conta de que estavam reforçando preconceitos ao entenderem que o simples insinuar que este ou aquele é um homossexual chega a ser ofensivo. Tão ofensivo que ofende, por vias reflexas, até a esposa do suposto homossexual. 

E, se não fosse trágico seria cômico, pois como a notícia do julgamento que deu provimento ao agravo da esposa do deputado “ofendido” com a alcunha de gay, chegou logo depois das eleições que o fez senador, jornalistas engajados nas hostes aliadas, decerto alguns homossexuais, festejaram a decisão do tribunal, não sei se por não se darem conta do significado ou apenas pelo vício da adulação. 

Devem ter pensado: – besta, onde já viu “xingar” o deputado de “viado”? Ora, se fosse uma insinuação de corrupção, ladroagem, desvios de recursos, enriquecimento ilícito, etc., tudo bem. ‘Viado”, não. “Viado”, não pode. 

Quando vemos como se afloram os preconceitos e discriminações, inclusive nas elevadas instâncias da Justiça e envolvendo tantos dignatários da República, logo estes que dia sim e no outro também, pregam respeito às minorias e tolerância às diversidades, entendemos que, em pleno segundo turno das eleições presidenciais, se discuta mais as preferências sexuais que o desemprego, o caos na saúde, na educação,  a corrupção desenfreada  e tantos outros assuntos que deveriam ocupar a mente das autoridades. 

Considerar como ofensivo alguém ser chamado de homossexual deve ser a grande contribuição do Brasil ao futuro da humanidade. 

Abdon Marinho é advogado.