AbdonMarinho - Home
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 27 de Abril de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

SOBRE FILTROS, SENTINAS E A EXPLORAÇÃO DA MISÉRIA. 

Por Abdon Marinho.

A IMAGEM do prefeito de Paço do Lumiar, senhor Domingos (PCdoB), com parte de seu secretariado fazendo a entrega de um filtro de barro numa comunidade do município ganhou o mundo (pelo menos o digital), este fim de semana. 

A fotografia, difundida inicialmente pelo próprio prefeito –  e por seus aliados –, foi, posteriormente, explorada pelos seus adversários como exemplo cristalizado do atraso a que se encontra submetido o município de Paço do Lumiar, na região metropolitana. 

Por fim, o próprio prefeito “esclareceu” a história da fotografia entregando o filtro. Segundo ele, não se tratou unicamente da entrega de um filtro de barro, mas também, de uma “casinha” com louça sanitária e pia para aqueles que nada têm. 

Pronto, tudo esclarecido!

O retrato do prefeito entregando um filtro de barro junto com a explicação de que não se tratava apenas de um filtro mas, também, de um conjunto com uma “sentina” é o verdadeiro retrato do Maranhão neste, já avançado, século vinte um. E não é uma imagem gloriosa como sonhada e prometida, mas sim, da vergonha e do atraso.

Acredito que o governador do estado, senhor Flávio Dino, do mesmo partido do prefeito, vá chamá-lo para uma sessão de admoestação, não por ter exibido nossas vergonhas para todo mundo, mas sim, por ter se antecipado a ele, o governador, no proceder, pois já tinha anunciado, nas suas redes sociais, que faria a entrega de algumas centenas de “casinhas” ao longo deste ano que principia. 

Como o prefeito ousou “queimar” a largada de tanto “progresso”?

Peço desculpas aos leitores pelo tom irônico das colocações, mas não consigo me conter diante de tais fatos, a menos que substituísse a ironia pela cólera. 

Estamos em pleno século vinte um, bem avançado, até, e vejo um governador de Estado anunciar que vai melhorar a situação sanitária do Maranhão com a entrega de milhares de sentinas e, depois, vejo um prefeito da região metropolitana “queimando” a largada e já fazendo a entrega de alguns “sinais” de tal progresso. Isso na região metropolitana, quando se esperava, água encanada, esgoto e banheiros dentro das residências. 

Aqui não estou reclamando que façam essa entrega, pelo contrário. Faz pouco tempo que um programa da Rede Globo, o Globo Rural, em edição especial sobre as quebradeiras de coco do estado, exibiu as péssimas condições sanitárias do nosso povo, com as pessoas tomando banho em banheiros de meia-parede de palha e fazendo as demais “necessidades” no mato, como bem disse uma envergonhada cidadã para a repórter que a entrevistara. Sentinas, portanto, são mais que necessárias.

O que me causa horror é que autoridades não sintam qualquer constrangimento em explorar e fazer proselitismo político com este tipo de situação, com essa miséria que ainda agride nossos irmãos.

Falta pudor as autoridades, falta-lhes noção de civilidade e respeito à miséria alheia. Lembro do tempo em que as pessoas tinham vergonha de convidar alguém às suas casas pelo fato das mesmas, embora asseadas, não possuírem um banheiro. Hoje a autoridade “invade” os quintais para mostrar a “sentina” que deu a família.

Tratar-se de um total desrespeito – e isso não vem de hoje. 

Lembro que ainda no governo anterior, durante uma crise de abastecimento de água na capital, o secretário de saúde, também responsável pela administração da empresa distribuidora do líquido precioso anunciou com pompa e circunstância que iria resolver o problema: perfuraria alguns poços artesianos para atender uma parte da população e a outra parte seria abastecida com carros-pipas. 

Uma solução extraordinária.

O pior foi ver, alguns dias depois, o secretário “passando os carros-pipas em revista”. 

Isso mesmo, os veículos enfileirados e o secretário, com seu porte avantajado, passando-os em revista, como fazem os oficiais militares com seus comandados.

A cena, festejada e cantada por muitos, sobretudo, pela mídia “amilhada”, ao meu sentir, até aquele momento, me pareceu patética e ridícula, tanto que escrevi sobre. 

Então a solução para o abastecimento de água era distribuí-la em carros-pipas, talvez colocar os mesmos em pontos estratégicos para que as pessoas fossem buscar o líquido como modernas latas, baldes ou bacias? 

Não socorria a autoridade a necessidade de melhorar o sistema de captação, inclusive com a recuperação dos rios, e fazer a água chegar nas torneiras dos cidadãos, tratada e com qualidade, como é feito no mundo civilizado? Talvez impedir a ocupação desordenada nas margens dos rios da ilha e recuperar o Sistema Butantã?

O tempo passou, um novo governo se instalou e aquilo que à época já me parecia ridículo, patético e uma exploração da miséria dos cidadãos, ao invés de deixar de existir, parece-me, que fez foi aumentar ou alguém consegue imaginar algo mais “extravagante” que o anúncio, pelo próprio governador, autoridade máxima do estado, registre-se, que vai distribuir centenas, talvez, milhares,  de “sentinas”? 

Pois é, o governador não só anunciou como fez questão de mostrar a fotografia da “casinha” na sua rede social. 

Embora a inauguração de “sentinas” seja a primeira vez que veja – e olhe que no caso do governador, ele “inaugurou a intenção”, com direito a foto e tudo mais –, o atual governo estadual tem sido “useiro e vezeiro” nestas práticas.

Há um tempo, acho que na quadra final de 2017, assisti estarrecido, o governador suando “em bicas” inaugurando um poço artesiano no Município de Santo Amaro, um dos mais pobres do estado. Até registrei nas minhas redes sociais. 

Claro que não reclamei da inauguração de poço, assim como não reclamei da “inauguração da intenção de se entregar sentinas”, o que causa-me espécie é verificar que as autoridades não sentem nenhuma vergonha e até festejam diante de tamanha miséria.

Lá estava o governador tomando um “banho” ao abrir a chave e fazer jorrar a água que tanto servirá aquela comunidade. 

A minha curiosidade é saber se o governador, a exemplo do prefeito de Paço do Lumiar, vai fazer, pessoalmente, a entrega das “sentinas” que anunciou. 

A título de sugestão, pode fazer a inauguração literal do sanitário e puxar a cordinha da descarga para o “clique” e deleite dos xerimbabos. Será o ápice em matéria de realização.

Mais uma vez peço desculpas pelo tom irônico mas não consigo me conter diante de tanta mesquinharia, com prefeitos e até o governador se ocupando da inauguração de poço artesiano aqui, uma sentina ali é por aí vai. 

Mesmo o projeto “Escola Digna” que apresentam como a jóia da redenção do Maranhão, está muito longe disso, é apenas a substituição das “taperas” por  “escolinhas” com um pouco mais de estrutura, mas que não resolverá o grave problema educacional no estado, estamos com séculos de atraso.

Quatro anos depois da posse era para vermos inauguração de empreendimentos que trouxessem riquezas e empregos para o nosso povo; escolas grandes com educação de qualidade; obras estruturantes que ajudassem a desenvolver o estado, etc.

Tanto tempo depois e com tristeza, vejo pessoas chorarem de emoção ao participar da inauguração de uma escolinha, de um poço artesiano ou mesmo de “kit sanitário”. 

As pessoas acreditam que aqueles benefícios as libertarão da sede, da falta de educação e mesmo da miséria. 

Só que quem “arma o circo” sabe que não é nada disso, trata-se apenas da manutenção dos “cativos” numa situação de melhor conforto para poder manter a exploração secular. 

— Ah, foi prefeito fulano que trouxe essa sentina; — Ah, foi o governador beltrano que “trouxe” esse poço e essa escola.

Já se passaram quatro anos desde a ruptura do “antigo regime” e grande mudança é a mão que segura o chicote. 

Por vezes, sinto que parece  existir a intenção deliberada de manter o Maranhão encravado no atraso. 

Vejam, temos um dos melhores portos do mundo, temos um Centro de Lançamento, temos, ainda, um grande potencial hídrico, riquezas minerais diversas, um solo quase todo agricultável, mas, apesar de tudo isso, continuamos “patinando” nas últimas colocações nos rankings internacionais de desenvolvimento econômico, social, humano, educacional e tudo mais. 

Não pode ser só incompetência gerencial, só pode ser de propósito. Aos governantes deve “sobrar” alguma “vantagem” em manter nosso povo tão miserável a ponto de aplaudir e agradecer pela inauguração de um poço, de uma escolinha e, até mesmo, de uma sentina. 

Por estes dias, na sua cruzada obsessiva para insere-se no cenário político nacional e “vender-se” como alternativa de candidatura das forças de esquerda, o governador, “cavou” uma entrevista à Globo News, onde reconheceu que a miséria aumentou no estado – na verdade não teve como contornar os números –, mas, como se tornou praxe, a culpa é sempre dos outros, agora foi a vez da conjuntura econômica desfavorável. 

A ninguém socorreu a ideia de perguntar se não seria, também, falta de habilidade e ideias para fazer avançar economicamente um estado com tantas potencialidades. Como os jornalistas, parecem ignorantes quanto às potencialidades do Maranhão – só conhecem os péssimos indicadores –, deixaram o governador vender como verdade seus próprios mitos. 

O pior é que você olha para o horizonte e não enxerga qualquer possibilidade de mudança. Isso, sim, é verdadeiramente triste. 

Abdon Marinho é advogado. 

.