AbdonMarinho - A ILHA PROIBIDA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 19 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A ILHA PROIBIDA.

A ILHA PROIBIDA.

Por Abdon Marinho.

MADRU­GADA de domingo, um tro­vão mais intenso acordou-​me. Eram três e quinze. A par­tir daí pas­sei a acom­pan­har a chuva per­sis­tente que caia sobre a Ilha de São Luís. A chuva não ces­sava. Acos­tu­mado com as con­se­quên­cias, sai à varanda enquanto pen­sava nos transtornos que o agua­ceiro estaria provo­cando nos vários pon­tos que con­hece­mos bem.

Quando dia clareou, antes mesmo de rece­ber as notí­cias, des­mar­quei com dois ami­gos que ficaram de vir ao sítio olhar umas coisas. Sabia que as estradas não dariam passagem.

Logo após o café da manhã, pelas redes soci­ais, come­cei a rece­ber as ima­gens do caos que tomara conta dos municí­pios da região met­ro­pol­i­tana. Estrada de Riba­mar, inter­di­tada em vários, pon­tos, Estrada da Maioba, a mesma coisa, Estrada da Mata Fechada, MA 204, tomada por um mar de água na região do Beira-​Rio, tam­bém sem per­mi­tir pas­sagem.

No cen­tro da cap­i­tal um pré­dio histórico ruiu, em diver­sos pon­tos da cidade a água tomou conta de casas, inva­diu pon­tos com­er­ci­ais, esta­ciona­men­tos, nas áreas de risco, casas ruíram e famílias foram desa­lo­jadas, etc.

A Ilha de São Luís tornou-​se uma espé­cie de “ilha proibida”, com a pop­u­lação impe­dida de se loco­mover, vis­i­tar algum par­ente, fazer os pas­seios domini­cais, ir à igreja ou mesmo aos almoços de família.

Em situ­ação bem pior, aque­les que pas­saram o domingo, limpando suas casas ou empre­sas e con­tabi­lizando os pre­juí­zos, os móveis, os veícu­los e, até mesmo, os lares per­di­dos.

Decerto que as autori­dades não podem ser respon­s­abi­lizadas pelo vol­ume de chu­vas que caiu sobre a Ilha (e mesmo o estado) nos últi­mos dias, segundo dizem, em ape­nas 24 horas, choveu a metade da média histórica pre­vista para todo o mês de março.

Mas, tão pouco, é cor­reto deb­itar todo o caos ocor­rido na conta de São Pedro.

As chu­vas foram inten­sas, é ver­dade, mas tam­bém é ver­dade que os pon­tos prin­ci­pais de alaga­mento e de transtornos são os mes­mos de sem­pre.

Desta vez, encheram mais, provo­caram mais danos, mas são os mes­mos que con­hece­mos de cor: a Estrada de Riba­mar, nas prox­im­i­dades do Rio Paciên­cia – que no primeiro ano de man­dado, em 2015, o gov­er­nador, em pes­soa, durante um alaga­mento foi lá prom­e­ter que solu­cionaria o prob­lema e qua­tro anos depois con­tinua, prati­ca­mente, a mesma coisa –, nas ime­di­ações do Pátio Norte, cujo o alaga­mento piorou após a sua implan­tação; na entrada do Maiobão/​Lima Verde; depois do Maiobão, no Tam­baú; na ponte sobre o Rio São João; nas prox­im­i­dades do Wang Park, no acesso a sede de Paço do Lumiar; na MA 204, no Beira-​Rio; na Avenida Gua­ja­jaras; no Anil; no Mer­cado Cen­tral; no Renascença próx­imo ao Curso Welling­ton.

Estes são os pon­tos prin­ci­pais de alaga­men­tos respon­sáveis pelo “trava­mento” da ilha em dias de chuva.

São prob­le­mas con­heci­dos de todos e que, pela sua con­stante repetição, poder-​se-​ia usar as fotos do pas­sado como se fos­sem do último alaga­mento.

Um amigo que morava nas ime­di­ações da Lagoa da Jansen teve que aban­donar seu imóvel após se cansar e se angus­tiar com as repeti­das inun­dações da sua casa todos os anos. Isso após reit­er­a­dos pedi­dos de socorro as autori­dades estad­u­ais e munic­i­pais, de reit­er­adas matérias jor­nalís­ti­cas exter­nando o prob­lema.

Cansou-​se depois que viu, depois de tan­tos ape­los, as autori­dades preferirem inve­stir uma pequena for­tuna na con­strução de praças no local ao invés de fazer a drenagem e resolver o prob­lema dos moradores.

Foi se endi­vi­dar com­prando outro imóvel para viver com a família, longe do alaga­mento certo como o movi­mento das marés.

Exceto pelo vol­ume de chu­vas, as autori­dades maran­henses – da ilha, prin­ci­pal­mente –, não estão diante de uma novi­dade, não podem ale­gar sur­presa, diz­erem que estão sur­preen­di­dos com o que acon­te­ceu e anun­ciar com pompa “medi­das emer­gen­ci­ais”.

O gov­er­nador está no quinto ano con­sec­u­tivo de mandato e foi teste­munha ocu­lar deste tipo de situ­ação desde o primeiro inverno que pas­sou no cargo, sendo aler­tado todos os anos por fatos idên­ti­cos.

O prefeito da cap­i­tal com seis anos no cargo, tam­bém não pode dizer que não sabia que isso pode­ria acon­te­cer.

Os demais prefeitos, do mesmo modo – talvez a exceção da prefeita do Municí­pio da Raposa, que não tem muita exper­iên­cia admin­is­tra­tiva, até pela pouca idade –, não podem, ale­gar que descon­hecem os prob­le­mas que agora mar­t­i­riza os munícipes, lhes causam pre­juí­zos e desassossego.

Vou além, antes os prefeitos e mesmo os gov­er­nadores, tin­ham como des­cul­pas o fato de serem de par­tidos adver­sários, inimi­gos políti­cos.

Hoje não, são todos ali­a­dos do gov­er­nador desde cri­anc­in­has.

Dizem, que se o gov­er­nador pedir a algum deles que fique sem res­pi­rar 5 min­u­tos, o indig­i­tado morre, mas não con­traria o “chefe”.

A afinidade é tamanha que fazendo troça à situ­ação de vas­salagem, outro dia um amigo contou-​me que deter­mi­nado prefeito chegou para o gov­er­nador:

— Chefe, chefe, sabe as duas pes­soas que mais gosto na vida?

O gov­er­nador pen­sou que ele fosse dizer a esposa, o filho, a amante, etc., mas per­gun­tou:

— Quem, fulano?

Ao que o cidadão respon­deu:

— A primeira é o sen­hor.

— E a segunda? Insis­tiu o gov­er­nante.

— A segunda é quem o sen­hor man­dar. Respondeu-​lhe o alcaide.

Claro que isto é uma ale­go­ria desde meu amigo, mas serve para retratar muito bem, o nível de relação entre as autori­dades da região met­ro­pol­i­tana e o governador.

Assim, parece-​nos injus­ti­ficável, que todos eles sabendo dos prob­le­mas oca­sion­a­dos aos munícipes no período das chu­vas não ten­ham travado um “diál­ogo” – para usar o termo que virou moda –, visando resolver os prob­le­mas decor­rentes das chu­vas.

Não sabiam que os rios, que insis­tem em cor­tar a Ilha pre­cisam ser limpos? recu­per­a­dos? Pas­sarem por um processo que lhes per­mi­tam rece­ber um vol­ume maior de água, uma vez que estão assore­a­dos?

Quan­tas vezes, os cidadãos, não aler­ta­mos as autori­dades para as con­struções irreg­u­lares, den­tro das faixas de domínio das rodovias e às mar­gens dos rios e igara­pés? Eu perdi as con­tas.

Quan­tas vezes não aler­ta­mos que sem drenagem pro­funda não se resolve­ria o prob­lema do excesso de água sobre as pis­tas nos dias de chuva?

Quan­tas vezes não foram aler­ta­dos para a situ­ação caótica dos pré­dios do Cen­tro Histórico da capital?

Pois é, ninguém nunca ouviu, ou, se ouvi­ram, fiz­eram pouco caso, acharam que era coisa de quem era “do con­tra”, quando na ver­dade o que se que­ria era con­tribuir com a cidade.

Outro dia veio abaixo o teto do giná­sio Castelinho.

Recordei que antes mesmo da posse dos atu­ais donatários do poder, recomende-​lhes que a Sec­re­taria de Esportes ficasse com o encargo de cuidar ape­nas daquele do Com­plexo Castelão, pas­sando todos os demais giná­sios que estivesse próx­imo de alguma escola para a respon­s­abil­i­dade da Sec­re­taria de Edu­cação – que pos­sui muito mais recur­sos e ver­bas para esta final­i­dade –, fiz­eram ouvi­dos moucos.

O teto do Castelinho caiu e colo­caram a culpa em São Pedro, emb­ora aquele giná­sio esteja encravado num bairro pop­u­lar e não se tenha notí­cia que out­ras residên­cias do bairro ten­ham ruído.

Como se Éolo – o deus dos ven­tos –, tivesse lançado sua fúria somente sobre a praça esportiva, talvez zan­gado com os maus resul­ta­dos.

Como ser­tanejo aprendi que a chuva não é um prob­lema, é ela que traz far­tura, alivia a nossa sede, coloca o ali­mento na nossa mesa.

Tanto assim, que quando avis­ta­mos nuvens negras no hor­i­zonte não digo que o dia está feio e sim, que está bonito para chover.

Não temo, nunca temi a chu­vas, o que me apa­vora, mesmo, são gestores imprev­i­dentes. Aque­les que inca­pazes de apren­derem algo com a história, ten­tam cor­rer com medi­das emer­gen­ci­ais para mino­rar os prob­le­mas que não exi­s­tiriam se tivessem agido no tempo certo.

Com medo de qual­quer con­tratempo e não chegar em casa, hoje sai do escritório bem mais cedo, a tempo de atrav­es­sar as áreas de risco na baixa-​mar.

A Ilha do Maran­hão evoluiu tanto que volta­mos a nos loco­mover de acordo com a tábua da maré.

Abdon Mar­inho é advo­gado.