AbdonMarinho - PATRIMÔNIO HISTÓRICO: DE CAFETEIRA A KÁTIA BOGÉA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 26 de Dezem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO: DE CAFETEIRA A KÁTIA BOGÉA.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO: DE CAFETEIRA A KÁTIA BOGÉA.

Por Abdon Mar­inho.

RECEBO de um amigo uma coleção de fotografias do Com­plexo Deodoro (Praça Deodoro, Praça do Pan­teon, alamedas Silva Maia e Gomes Cas­tro). Ainda não tive opor­tu­nidade de ir con­statar com os próprios olhos a revi­tal­iza­ção daque­les logradouros que tan­tas recor­dações trazem de uma parte da minha juven­tude. Pelas fotografias, entre­tanto, é pos­sível ver­i­ficar a grandiosi­dade do tra­balho exe­cu­tado e, em ape­nas duas palavras defini-​lo: encan­ta­mento e gratidão.

Só quem tem amor e vivên­cia com a cap­i­tal do estado dimen­siona, com exatidão, sua importân­cia para cidade. Só lamento que a reforma e revi­tal­iza­ção não tenha alcançado o entorno do Liceu Maran­hense (onde estudei) indo até o Giná­sio Costa Rodrigues, cobrindo quase todo o Campo de Ourique. Mas, o que está feito rep­re­senta uma extra­ordinária obra.

Há mais de trinta anos quando cheguei a essa ilha, chamava tudo no entorno da Bib­lioteca Bened­ito de Leite de Praça Deodoro, a exceção do Pan­teão que ficava mais abaixo.

Eram os tem­pos da rede­moc­ra­ti­za­ção do país, Sar­ney acabava de tomar posse no lugar de Tan­credo Neves. Ini­ciá­va­mos as trata­ti­vas para fun­dação dos grêmios estu­dan­tis na cidade e em todo Maran­hão, aque­les ban­cos quadra­dos de pedra ou as escadarias da bib­lioteca, não raro, eram nos­sos locais de reuniões, tanto para tratar das pau­tas estu­dan­tis como para apoiar os movi­men­tos dos tra­bal­hadores, como o foi na greve dos pro­fes­sores de 1986.

Já naquela época a velha Deodoro estava degradada – o que foi pio­rando nos anos seguintes –, mas era nosso espaço, nossa trincheira de lutas.

Anos depois, não me recordo o que fui fazer no cen­tro, pas­sei pela Deodoro. A Praça fora trans­for­mada numa feira de imundice, com o mau cheiro de tudo que é pro­duto, empeste­ando o ambi­ente, gor­dura e sujeira, veícu­los, bar­ra­cas, tudo em tamanha des­or­dem, que fui tomado por um sen­ti­mento de imensa tris­teza – a Praça Deodoro já não era mais o espaço do povo, como o céu é do con­dor, nas palavras do baiano Cas­tro Alves.

O desalento só aumen­tou ao pas­sar em frente a bib­lioteca e me deparar com um hor­rendo gradeado con­fi­nando a escadaria. Mais que um pré­dio bonito como aquele encer­rado em grades, senti o apri­sion­a­mento do próprio saber e das min­has memórias.

Voltei triste para casa. Lem­brava das amizades feitas e con­sol­i­dadas naque­les ban­cos de pedras, em frente ao Colé­gio Rosa Cas­tro, quando saíamos do Liceu para pegar os ônibus que nos levaria as nos­sas casas, ou das vezes que lá ficá­va­mos esperando a sirene tocar para cor­rermos para entra no colé­gio; ou, ainda, de quando ficá­va­mos nas escadarias da bib­lioteca, primeiro para con­tem­plar o pôr do sol e depois para ficar num bate papo enquanto esperá­va­mos os ônibus que nos levariam emb­ora esvaziar um pouco.

Tudo pálido reg­istro em meio a tanta sujeira, des­or­dem urbana e grades hor­ren­das.

É destas lem­branças que ressurgem todo o encan­ta­mento e gratidão com a revi­tal­iza­ção do Com­plexo Deodoro (que depois ainda será somado à revi­tal­iza­ção da Rua Grande), sinto que estão devol­vendo à cidade uma parte de sua história, cabendo aos gov­er­nantes de agora e do futuro, a mis­são de con­ser­var e man­ter o extra­ordinário serviço feito.

Talvez seja pedir muito aos nos­sos gov­er­nantes, tendo em vista a falta de zelo com que trataram e tratam o Cen­tro Histórico, revi­tal­izado pelo ex-​governador Cafeteira através do Pro­jeto Reviver há trinta anos.

O Com­plexo Deodoro – que não sei se engloba a Rua Grande –, é a maior obra de revi­tal­iza­ção feita no estado depois do Pro­jeto Reviver, inau­gu­rado em 1989.

No livro Reviver, de 1992, que mostra em detal­hes, com fotografias e doc­u­men­tos tudo que foi real­izado no Cen­tro Histórico de São Luís e que tem o pre­fá­cio de Américo Azevedo Neto, o extinto ex-​governador escreve: “Muitos pen­sam e por isso afir­mam haver eu con­quis­tado São Luís e o Maran­hão. A real­i­dade é o inverso: não fui eu quem con­quis­tou essa cidade e este Estado, eu é que fui por ambos con­quis­tado. Não fui eu quem pren­deu, eu é que fui a presa. Tudo o que fiz ou venha fazer terá que ser visto em razão do fato de ter me ren­dido aos encan­tos desta cidade e do seu povo e às pos­si­bil­i­dades deste Estado. Chegado aqui, logo a cidade me con­siderou filho e me bati­zou Cafeteira; logo o povo me chamou irmão e eu me senti escravo”.

Faço essa obser­vação para reg­is­trar que as duas maiores obras de revi­tal­iza­ção da nossa cap­i­tal deve­mos a “estrangeiros” que con­seguiram enx­er­gar aquilo que nós, maran­henses, pouca ou nen­huma importân­cia temos dado: o nosso Cen­tro Histórico.

O primeiro, o ex-​governador Epitá­cio Cafeteira, paraibano de João Pes­soa, porém maran­hense de coração, que tendo son­hado em fazer um poema para agrade­cer a hos­pi­tal­i­dade e o car­inho com o qual foi rece­bido, fê-​lo de uma das mais extra­ordinárias maneiras, um “Poema em Pedra e Cal”, legando-​nos uma das mais com­plexas e com­ple­tas obras de revi­tal­iza­ção que o Maran­hão já assis­tiu, investindo recur­sos volu­mosos e con­tratando a mais qual­i­fi­cada equipe téc­nica com o propósito de devolver a cap­i­tal a grandiosi­dade histórica do seu pas­sado.

A segunda, a pres­i­dente do Insti­tuto do Patrimônio Histórico e Artís­tico Nacional – IPHAN, Kátia Bogéa, sergi­pana de Lagarto, rad­i­cada na cap­i­tal desde 1979, tendo ded­i­cado toda sua vida profis­sional de his­to­ri­adora e servi­dora pública, desde seu ingresso como estag­iária no IPHAN, em 1980, à pesquisa do patrimônio maran­hense e ao tra­balho de preser­vação e pro­teção do Cen­tro Histórico de São Luís e Alcân­tara.

Se, ape­sar de tanta ded­i­cação e tenaci­dade, assis­ti­mos a per­das irreparáveis no nosso patrimônio histórico, dá para imag­i­nar o teria acon­te­cido sem ela é sua equipe.

Por este tra­balho, sobre­tudo, no cargo de super­in­ten­dente regional, que ocupou de 2003 a 2015, foi alvo das insat­is­fações de muitos maran­henses que, sem con­strag­i­men­tos e indifer­entes ao mag­ní­fico tra­balho que sem­pre desem­pen­hou, tra­ma­ram e con­seguiram afastá-​la do cargo, nos ester­tores do gov­erno Dilma Rousseff.

Essa a maior “con­tribuição” ao tra­balho de revi­tal­iza­ção do Com­plexo Deodoro, pois alçada à presidên­cia do órgão, Kátia Bogéa pode imple­men­tar com mais efi­ciên­cia o PAC Cidades Históri­cas que artic­u­lara com sua equipe durante a sua gestão frente ao órgão regional junto à prefeitura da cap­i­tal.

Essa “con­tribuição” fez um grande bem ao Cen­tro Histórico de São Luís, a Alcân­tara, a Pindaré-​Mirim, e a diver­sas out­ras man­i­fes­tações cul­tur­ais e ao patrimônio ima­te­r­ial do nosso Estado, como o reg­istro do Tam­bor de Crioula e do Com­plexo Cul­tural do Bumba Meu Boi.

O que dizem é que neste pouco tempo frente ao IPHAN, não faz mais pelo nosso patrimônio dev­ido ao desin­ter­esse das autori­dades locais que, muitas das vezes, nem a aten­dem ao tele­fone ou come­tem a descorte­sia de inau­gu­rar como suas obras onde não deram um prego.

O Maran­hão, assim, talvez, esteja per­dendo uma opor­tu­nidade única de avançar na recu­per­ação de uma grande parcela do seu Cen­tro Histórico, con­cluindo out­ras eta­pas do Pro­jeto Reviver, ide­al­izado por Cafeteira há trinta anos, além de con­ser­var aquilo que foi feito com tanta ded­i­cação naquela opor­tu­nidade.

É bem pos­sível que isso seja só um fux­ico, mas me per­mito dar-​lhe crédito diante da infor­mação de que, até hoje, ape­sar de tudo que já fez e con­tinua fazendo pelo nosso Estado, nunca as excelên­cias estad­u­ais ofer­e­ce­ram ou aprovaram a Dra. Kátia Bogéa um título de cidadã maran­hense. Um dos poucos esta­dos com essa falta. E olha que já deram título de cidadão maran­hense a tan­tos tipos que até o desval­ori­zou, mas não a quem tem con­tribuição efe­tiva dada ao Maranhão.

Mas é assim mesmo. Nossa velha Deodoro está de volta. Vamos torcer – e rogar a Deus –, para que as autori­dades a zele e a con­serve como patrimônio da cidade que tanto amamos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.