AbdonMarinho - A urna, a democracia e o golpe.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A urna, a democ­ra­cia e o golpe.

A URNA, A DEMOC­RA­CIA E O GOLPE.

Por Abdon Marinho.

AO DEIXAR o hos­pi­tal onde esteve inter­nado para tratar de uma obstrução no intestino o pres­i­dente da República, sen­hor Bol­sonaro, declarou que “Eu já disse, só Deus me tira daquela cadeira” e disse, ainda, “Não existe eleições sem transparên­cia, isso é fraude. Não quer­e­mos isso”.

Sem­pre acho com­pli­cado quando, em qual­quer dis­cussão, metem o nome Deus.

Primeiro, que o Altís­simo não pode vir a público des­dizer o dito ou dizer: – alto lá! Me inclua fora dessa.

Segundo, que dando-​se uma coisa ou outra, ambas podem parar na conta d’Ele.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, segundo con­sta no seu preâm­bulo, foi pro­mul­gada sob a pro­teção de Deus, o que nos leva a crer que o seu con­teúdo é inspi­ração “divina”.

Pois bem, a Con­sti­tu­ição, como sabe­mos, esta­b­elece eleições reg­u­lares a cada qua­tro anos, quando os eleitores, de forma livre e sober­ana, escol­hem quem vai sen­tar “naquela” e nas out­ras cadeiras.

A Con­sti­tu­ição, tam­bém, esta­b­elece causas de cas­sação de mandatos por crimes de respon­s­abil­i­dades daque­les que foram eleitos para sentarem naquela cadeira.

Logo, tanto a reg­u­lar­i­dade eleitoral quadrienal quanto a pos­si­bil­i­dade de imped­i­mento do pres­i­dente da República são situ­ações nor­mais den­tro democ­ra­cia e até pos­suem inspi­ração divina.

Ape­sar disso, é opor­tuno que deix­e­mos o santo nome de Deus para tratar­mos de assun­tos mais ter­renos, mesmo porque, con­forme con­sta dos Man­da­men­tos que Ele, pes­soal­mente, entre­gou a Moisés: “Não pro­nun­cia­rás em vão o nome de Javé, o Sen­hor teu Deus”.

O certo é que um pequeno grupo no entorno pres­i­dente – e ele próprio –, total­mente desconec­ta­dos da real­i­dade do país e do mundo, son­ham e tra­bal­ham com a pos­si­bil­i­dade da implan­tação de uma “nova” ditadura no país.

Há mais de um ano já aler­tava para a estraté­gia do atual gov­erno querer “melar«a democ­ra­cia brasileira.

No texto “Bol­sonaro ensaia para o Impeach­ment ou para o golpe”, de maio de 2020, tratei do assunto.

Este ano, temos assis­tido a soluços golpis­tas de alguns esbir­ros da ditadura que resolveram se man­i­fes­tar depois de 36 anos de nor­mal­i­dade democrática.

Não é papel das Forças Armadas inter­virem em assun­tos políti­cos, devendo se reser­varem à defesa da pátria e da inte­gri­dade do ter­ritório nacional.

A democ­ra­cia brasileira não é com­patível com tutela mil­i­tar.

Já passa da hora dessa mino­ria golpista acor­darem para a real­i­dade de que o mundo mudou, não vive­mos mais nos anos sessenta e que não é pos­sível impor uma ditadura a 211 mil­hões de brasileiros.

Em um gov­erno onde a maluquice parece ter con­t­a­m­i­nado até setores das Forças Armadas uma voz lúcida que se ouviu foi a do vice-​presidente da República, Hamil­ton Mourão, que é egresso das Forças Armadas, ao dizer que essas ideias malu­cas de “melarem” as eleições não têm cabi­mento e que Brasil não é uma “república de bananas”.

A des­culpa para os golpis­tas “melarem” a democ­ra­cia brasileira é que, segundo eles, o sis­tema eleitoral exis­tente no país há 25 anos e que todos que estão no exer­cí­cio de man­da­dos pas­saram por ele, é “fraudulento”.

Dizem isso com o maior descara­mento, sem apre­sentarem um fiapo de provas e sem se darem conta que enver­gonham a nação aos olhos do mundo.

Ao meu sen­tir, a primeira medida destas pes­soas que sus­ten­tam a existên­cia de fraudes nas urnas eletrôni­cas e que foram eleitas em eleições que as uti­lizaram seria renun­ciar aos mandatos.

Con­heço a história das eleições no Brasil.

Desde os tem­pos de eu menino, lá por 1982, já estava acom­pan­hando de perto os proces­sos eleitorais.

Con­heço as histórias de fraude através de “voto car­retilha”, do chamado “mapismo”, e tan­tos out­ros.

A minha mono­grafia, quando formei em dire­ito na Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA, abor­dou, em parte, esse assunto, fazendo uma linha do tempo desde as primeiras eleições ocor­ri­das no país até aque­las de 1996, quando con­clui o curso.

Nar­ra­ti­vas de fraudes eleitorais con­heço muitas.

No Maran­hão, prati­ca­mente, desde a fol­clórica história da “41ª Zona de Zé meu filho”.

É diante disso que tenho por certo que a implan­tação da urna eletrônica reduziu as fraudes eleitorais.

Na ver­dade, mudou-​se a natureza das fraudes eleitorais que antes ocor­riam no processo.

Hoje as fraudes exis­tentes ocor­rem medi­ante a com­pra de votos, o abuso do poder econômico, dos meios de comu­ni­cação e do uso de recur­sos públi­cos para finan­ciar as eleições dos deten­tores de mandatos.

Essa é a ver­dadeira fraude a ser com­bat­ida e que poucos se dão ao tra­balho de anal­isar, voltando-​se para o debate estéril de que a urna eletrônica não é segura e que é suscetível a fraudes.

Nos últi­mos 25 anos acom­pan­hei diver­sas denún­cias de que os votos desse ou daquele can­didato teriam “sum­i­dos”.

Quando me chegam essas notí­cias a primeira coisa que per­gunto é: — o bole­tim de urna está difer­ente do que foi total­izado pelo TSE?

Até hoje ninguém nunca me apre­sen­tou um único bole­tim diver­gente.

Ape­sar disso ficam falando tolices nas redes sociais.

O processo de votação brasileiro é muito sim­ples e fácil de ser audi­tado – como querem.

Vejamos: a urna eletrônica é insta­l­ada pelo pres­i­dente da seção e seus aux­il­iares na pre­sença dos fis­cais dos par­tidos e can­didatos, podendo ter um para cada seção; a urna não tem qual­quer con­tato com redes de inter­net, é ape­nas lig­ada na tomada da rede elétrica; antes de ini­ci­ada a votação é emita a “zerésima”, com­pro­vando que nen­hum dado se encon­tra naquela urna; ao final é emi­tido o bole­tim de urna, con­tendo o número de eleitores que votaram, os votos atribuí­dos a cada can­didato, os bran­cos e nulos.

A urna eletrônica faz a apu­ração dos próprios votos, emite o resul­tado, entre­gando a cada fis­cal de par­tido e can­didatos o BU.

Ape­nas depois disso os dados são remeti­dos para total­iza­ção, quando os votos já foram apu­ra­dos.

Até hoje, como disse ante­ri­or­mente, não vi um bole­tim de urna afix­ado na seção eleitoral diver­gir daquele bole­tim de urna emi­tido pelo TSE após a total­iza­ção.

Ah, mais pode ser que a urna tenha sido “pro­gra­mada” para con­tar para o can­didato adver­sário os votos atribuí­dos a outro can­didato.

Existe pre­visão legal para sortear em todo ter­ritório nacional urnas para ser feita essa ver­i­fi­cação.

Os del­e­ga­dos do par­tidos podem solic­i­tar audi­to­ria na urna 001, local­izada na seção 005, da escola Chico Mendes, em Xapuri, Acre ou na urna local­izada na seção 003, no Colé­gio Ban­deirantes de Gonçalves Dias, Maran­hão, que uma ou outra estarão à dis­posição para auditoria.

Como é que o sis­tema não é auditado?

A título de teste pode se colo­car um grupo de pes­soas para “votarem em aberto”, ape­nas para saber se aquela urna apre­senta alguma pos­si­bil­i­dade de haver sido frau­dada.

Repito, até hoje com todos mecan­is­mos pos­tos à dis­posição dos par­tidos e can­didatos, não houve uma única situ­ação com­pro­vando que o sis­tema eleitoral brasileiro apre­senta pos­si­bil­i­dade de fraude.

O processo de total­iza­ção, tam­bém, é feito de forma trans­par­ente podendo os par­tidos políti­cos nomearem del­e­ga­dos para acom­pan­harem todas as suas fases, bem como, nomearem assis­tentes per­i­tos.

As fraudes eleitorais no país exis­tem, mas são aque­las que já trata­mos ante­ri­or­mente.

O sen­hor Bol­sonaro e seus seguidores insis­tem nessa can­tilena de o sis­tema eleitoral é frágil não por acred­itarem que isso seja ver­dadeiro, mas como “tábua de sal­vação” a jus­ti­ficar uma ten­ta­tiva de golpe na democ­ra­cia brasileira.

Querem o tumulto, a des­or­dem, como forma de se man­terem no poder.

O pres­i­dente da República, desde que chegou ao poder tra­balha com essa per­spec­tiva.

Tudo que faz é com o cál­culo eleitoral que passa longe do que cos­tuma chamar “as qua­tro lin­has da Con­sti­tu­ição”.

Infe­liz­mente alguns mil­itares brasileiros, talvez pic­a­dos pela mosca azul da política ou deslum­bra­dos pelo poder, acham que podem apos­tar num retro­cesso insti­tu­cional devol­vendo o país aos som­brios anos da ditadura.

Mil­itares descom­pro­mis­sa­dos com a nação, ten­tam a todo custo, levarem a política para den­tro das Forças Armadas, igno­rando o risco que isso pode trazer à nor­mal­i­dade democrática con­quis­tada depois de uma longa noite de ditadura que durou 21 anos.

Assan­hados como vivan­deiras de quar­téis acham que podem ameaçar a democ­ra­cia com suas bra­vatas.

Fazem um jogo muito arriscado.

Como já dizia o velho Ulysses Guimarães: “o povo tem ódio e nojo de ditaduras”.

Abdon Mar­inho é advogado.