AbdonMarinho - O governo Bolsonaro acabou.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O gov­erno Bol­sonaro acabou.

O GOV­ERNO BOL­SONARO ACABOU.

Por Abdon Marinho.

QUANDO se vive em um mundo binário a maior difi­cul­dade que se tem é fazer com que aque­las pes­soas que estão “fil­i­adas» numa ou outra cor­rente com­preen­dam qual­quer ver­dade, mesmo aque­las mais óbvias.

Esta­mos diante de uma delas.

Se chegou a exi­s­tir algum dia, o gov­erno do sen­hor Bol­sonaro acabou.

Já disse isso out­ras vezes, muito emb­ora as pes­soas não ten­ham dado importância.

Não estou dizendo com isso que não vá chegar a 2022 – é até pos­sível que chegue, depen­dendo do saldo nas bur­ras da viúva.

Mas não será mais o gov­erno Bol­sonaro – ou com os ideais que o elegeu –, será o gov­erno do cen­trão – se não o aban­donarem pelo meio do cam­inho, con­forme a “chapa” esquente –, ou das Forças Armadas, caso estas resolvam enveredar por mais uma aven­tura mil­i­tarista, que, segundo fontes dos quar­téis é tudo que não querem.

Mas, o certo é que o gov­erno acabou.

Não acabou por ser de dire­ita e haver uma con­spir­ação comu­nista entran­hada nas insti­tu­ições republicanas.

O gov­erno Col­lor tam­bém era “de dire­ita” e caiu.

O gov­erno da ex-​presidente Dilma Rouss­eff era “de esquerda” e, tam­bém, caiu.

Não adi­anta falar em ditadura judicial.

Não adi­anta falar em sab­o­tagem do Con­gresso Nacional;

Não diante colo­car esses “gatos pin­ga­dos” se revezando em protestos insanos todos finais de semana.

Aliás, ape­nas para reg­istro histórico, as mes­mas des­cul­pas ensa­iadas pelo atual man­datário – e seus ali­a­dos –, não diferem muito do que dizia o ex-​presidente Col­lor no longín­quo 1992 ou do que dizia a ex-​presidente Rouss­eff, ainda ontem, em 2016.

Quem não se lem­bra do que dizia Col­lor?

Quem não lem­bra do que dizia Dilma?

O atual gov­erno acabou pelo mesmo motivo que acabaram os gov­er­nos referi­dos acima: falta-​lhe capaci­dade geren­cial; falta-​lhe gov­er­nança.

O gov­erno, parece-​me, tomado por “alu­a­dos” sem a com­preen­são mín­ima do que seja o mundo atual; do que seja macro­econo­mia; do que seja política inter­na­cional; ou mesmo, pas­mem, do que seja sep­a­ração de poderes, respeito às insti­tu­ições repub­li­canas e as leis.

Outro dia um juiz deter­mi­nou que o pres­i­dente da República usasse más­cara em locais públi­cos, con­forme deter­mina um decreto do gov­erno do Dis­trito Fed­eral.

No dia que saiu a decisão uma nota da Advo­ca­cia Geral da União dizia que iria recor­rer da decisão judi­cial pois a mesma “feriria” a tal “inde­pendên­cia dos poderes”.

Ora, na cabeça dos advo­ga­dos da União – pelo menos dos respon­sáveis pela nota –, no seu “quadrado” cada um pode fazer o que quiser sem dever sat­is­fações a ninguém.

Esse é ape­nas um pequeno exem­plo do quanto anda a “moral” do pres­i­dente da República. Primeiro, ser necessário, que durante uma pan­demia, alguém entre na justiça pedindo uma medida para obri­gar o pres­i­dente a cumprir um decreto que sub­mete todos os cidadãos a cumprir nor­mas san­itárias. Segundo, que os advo­ga­dos da União, pagos com o din­heiro dos con­tribuintes, lancem uma nota estúp­ida dizendo que a imposição judi­cial fere a inde­pendên­cia dos poderes – e pior, recor­ram. Mas, pelo que soube, no recurso, usaram out­ros argumentos.

Vejam, está tudo errado.

O pres­i­dente da República dev­e­ria ser o primeiro a ter con­sciên­cia de que deve respeitar as leis e os reg­u­la­men­tos a que todos do povo devem seguir.

Mas não com­preende isso.

Aí, se sub­mete ao vex­ame de uma decisão judi­cial obrigá-​lo a fazer aquilo que dev­e­ria fazer como um exem­plo para os demais cidadãos.

Já tinha sido assim na história dos exames médi­cos.

Fez tanta con­fusão, gastou-​se tanta ener­gia para depois a justiça deter­mi­nar, e ter que entre­gar os tais exames que, ape­nas com­pro­vava que estava saudável.

Per­gunto: em plena pan­demia have­ria neces­si­dade de se arran­jar con­fusão por tão pouco?

O pres­i­dente tem um mérito: ele con­seguiu unir os poderes e insti­tu­ições con­tra ele.

Quando, ao invés de, sob o seu comando, unir o país con­tra a pan­demia do novo coro­n­avírus e sair “por cima”, como muitos out­ros chefes de gov­erno ao redor do mundo fiz­eram, ele uniu o “mundo” con­tra ele.

Vimos, aliás, ainda esta­mos vendo, muitos líderes mundi­ais, que estavam enfraque­ci­dos, e no, enfrenta­mento da pan­demia, saíram-​se – ou estão se saindo –, for­t­ale­ci­dos per­ante os seus gov­er­na­dos, são can­didatos imbat­íveis nas próx­i­mas eleições.

O sen­hor Bol­sonaro, aos olhos do mundo, e mesmo de maior parte da pop­u­lação brasileira, vai sair muito menor do que entrou.

E ele não pre­cis­aria fazer nada, abso­lu­ta­mente nada, para ter um resul­tado difer­ente e col­her os “louros” da vitória.

Bas­tava ficar cal­ado e dizer que todos os brasileiros dev­e­riam seguir as ori­en­tações do “seu” Min­istério da Saúde e das demais autori­dades san­itárias. Só isso.

Imaturo, ficou com “ciúmes” dos sub­or­di­na­dos e pas­sou a “sab­o­tar” pub­li­ca­mente seu próprio gov­erno no com­bate à pan­demia.

Tanto fez que forçou a demis­são de um min­istro que con­tava com a aprovação de setenta por cento da população.

Não sat­is­feito forçou a demis­são do segundo min­istro da saúde, um téc­nico, que não aguen­tou nem um mês as sandices do mandatário.

E, por fim, instalou um gen­eral como interino no comando da pasta com a mis­são de “obe­de­cer” as suas ordens sobre como com­bater o vírus.

O resul­tado é o que esta­mos vendo: o Brasil virou o epi­cen­tro da pan­demia, já conta com mais 56 mil mor­tos; mais de um mil­hão e duzen­tos mil infec­ta­dos; os cidadãos brasileiros, e out­ros que por aqui pas­sar, não podem entrar, em prati­ca­mente, metade do mundo.

Agora mesmo a União Europeia anun­ciou que cidadãos brasileiros não poderão, a par­tir de 1º de julho, ingres­sar em nen­hum dos países do bloco.

O ocaso do gov­erno não se dev­erá, ape­nas, ao pouco caso com que tem tratado pan­demia – muito emb­ora esse fato diga muito –, mas, tam­bém, pelos mais vari­a­dos atri­tos em diver­sas out­ras áreas.

A gestão ambi­en­tal é um assunto que assusta o mundo e que o gov­erno brasileiro tem se mostrado inca­paz de enfrentar.

Desde o iní­cio do gov­erno, em 2019, que as ima­gens de flo­restas em chamas rodam o mundo sem­pre numa cres­cente, atraindo críti­cas do mundo inteiro.

A isso, deve­mos somar a flex­i­bi­liza­ção da explo­ração das ter­ras indí­ge­nas; o avanço dos garim­pos em áreas de pro­teção e mesmo o desprezo dos inte­grantes do gov­erno pelos povos indí­ge­nas.

No mundo atual estes são temas caros.

Não faz muito tempo gru­pos de investi­dores ameaçaram tirar todos inves­ti­men­tos do país; muitos gov­er­nos, pelo mesmo motivo, já fiz­eram isso.

Em meio a tudo isso, o próprio pres­i­dente ameaça com uma rup­tura insti­tu­cional, par­tic­i­pando osten­si­va­mente de atos que pedem inter­venção mil­i­tar e o fechamento do Con­gresso Nacional e do Supremo Tri­bunal Fed­eral.

O gov­erno Bol­sonaro não con­segue enten­der que vive­mos outro momento histórico.

Difer­ente dos anos sessenta, em que havia uma certa tol­erân­cia – e algu­mas potên­cias até estim­ulavam golpes de estado –, hoje o mundo inteiro “foge” disso.

Não há mais espaço para ditaduras, tanto assim que aque­las que ainda “teimam” exi­s­tir, estão agonizando.

Não tem qual­quer cabi­mento o Brasil está deba­tendo, em pleno século XXI, o papel das Forças Armadas.

Esse debate é dos anos sessenta, quando muito dos anos oitenta, quando saiamos de uma ditadura.

Foi naquela época, em mea­dos dos anos oitenta, por ocasião da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, que inseri­ram o artigo 142 no texto con­sti­tu­cional, como forma de “acal­mar” os mil­itares que temiam uma espé­cie de “revan­chismo” do gov­erno civil.

Causa-​me per­plex­i­dade assi­s­tir juris­tas dis­cu­tirem, a sério, a pos­si­bil­i­dade de inter­venção mil­i­tar sem uma rup­tura insti­tu­cional, invo­cando o artigo 142 da Con­sti­tu­ição.

Parece que a estu­pidez toma conta do país.

Quando digo que o gov­erno Bol­sonaro acabou é porque cheg­amos ao ponto de dis­cu­tir esse tipo de coisa como algo nor­mal.

Vejo o min­istro das relações exte­ri­ores do Brasil falar em enfrenta­mento do Comu­nismo como se estivésse­mos nos anos cinquenta.

E, faz muito pior que isso, ori­enta de forma tão equiv­o­cada a política externa do Brasil com base no “fan­tasma comu­nista”, que recen­te­mente quase todos ex-​chanceleres, de todas as cor­rentes políti­cas, protes­taram con­tra a atual con­dução da política externa do país.

A nossa política externa que desde os anos quarenta tem servido de mod­elo passa por estes con­strag­i­men­tos.

O Brasil que desde a cri­ação da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas — ONU, tem o lugar de destaque, a ponto de ser a primeira nação a falar em suas sessões anu­ais, agora fala, sem pudor, em enfraque­cer a orga­ni­za­ção mundial, em sair da Orga­ni­za­ção Mundial da Saúde — OMS e de out­ros organ­is­mos mul­ti­lat­erais.

Enquanto o atual gov­erno “tra­balha” com afinco para nos tornar um pária aos olhos do mundo e nos iso­lar, no cenário interno tenta escapar de seu próprio inferno.

Agora mesmo um amigo incô­modo é local­izado pela polí­cia homiziado na casa do advo­gado “anjo” da família pres­i­den­cial.

Como explicar isso? Como jus­ti­ficar que o agora “ex-​anjo” fez tudo por sua conta? E se o tal Queiroz, como já chegaram anun­ciar, resolver “abrir a boca”?

Con­forme seja, estes fatos, além do resul­tado das diver­sas out­ras inves­ti­gações em curso, ape­nas podem pre­cip­i­tar algum acon­tec­i­mento mais extremo.

O fim do gov­erno é dev­ido ao con­junto da obra.

Abdon Mar­inho é advo­gado.