AbdonMarinho - NARRATIVAS EM VERTIGEM.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 31 de Out­ubro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NAR­RA­TI­VAS EM VERTIGEM.


NARRA­TI­VAS EM VER­TIGEM.

Por Abdon Marinho.

O BRASIL dos dias atu­ais vive uma guerra de nar­ra­ti­vas. O cidadão que dese­jar acom­pan­har todas elas não pode pis­car – sob pena de perder o próx­imo “lance”.

Outro dia um mili­ciano foi morto – segundo a ver­são ofi­cial –, em um con­fronto com o polí­cia. Horas depois as redes soci­ais estavam “entul­hadas” de vídeos, áudios e/​ou tex­tos, dizendo que se tratava de uma “queima de arquivo”, que o min­istro da justiça e segu­rança pública seria o respon­sável por tal des­do­bra­mento para ben­e­fi­ciar o pres­i­dente da República e seus familiares.

Nos dias seguintes as nar­ra­ti­vas não arrefe­ce­ram e, pior, não vin­ham ape­nas de pes­soas comuns ou enga­ja­dos “mil­i­tantes”.

Entre seus propa­gadores dire­tos ou respon­sáveis por insin­u­ações mali­ciosas acu­sando o min­istro da justiça e o pres­i­dente con­stavam autori­dades, como gov­er­nador de estado, dep­utado fed­eral, ex-​governador, etc., todos dizendo que a respon­s­abil­i­dade pela extinção do “mili­ciano” era do min­istro e do pres­i­dente.

A ninguém ocor­ria uma análise cuida­dosa dos fatos. Ora, o tal do mili­ciano mor­reu em uma oper­ação poli­cial em um estado coman­dado há mais de uma década pelo prin­ci­pal par­tido de oposição ao atual gov­erno; a oper­ação poli­cial foi super­vi­sion­ada pelo próprio secretário de segu­rança daquele estado, que atestou terem as forças de segu­rança por ele coman­dadas agido den­tro dos protocolos.

Mesmo com tais esclarec­i­men­tos, dep­uta­dos do próprio par­tido do gov­er­nador da Bahia e seus ali­a­dos con­tin­u­avam a insi­s­tir na tese con­spir­atória de que o min­istro da justiça e o pres­i­dente seriam os respon­sáveis pela tal “queima de arquivo”. Tem vídeos dis­sem­i­nando tais coisas, chamou minha atenção um do dep­utado Paulo Pimenta (PT/​RS), sus­ten­tando a patranha.

Ora, pelo raciocínio destas pes­soas e seus “seguidores”, o min­istro da justiça ou o próprio pres­i­dente da República teriam “com­bi­nado” com secretário de segu­rança da Bahia, ou talvez, com o próprio gov­er­nador (de um par­tido arquir­rival) para darem cabo ao mili­ciano e queimarem o suposto arquivo do pres­i­dente e famil­iares; estes – secretário ou gov­er­nador – teriam pas­sado aos inte­grantes da mis­são tal deter­mi­nação.

Quando vi tais nar­ra­ti­vas comentei: — agora las­cou, o PT se tornou o “queimador” de arquivos dos Bolsonaro.

É impres­sio­n­ante como coisas “sem pé nem cabeça” são dis­sem­i­nadas, inclu­sive, por “autori­dades”.

Faz algum sen­tido o Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, que comanda o Estado da Bahia há tanto tempo fazer esse tipo de serviço sujo em bene­fí­cio de adver­sários políti­cos?

Mas as nar­ra­ti­vas não ligam para a lóg­ica, o que importa é “mitar”.

Ainda na intenção de “mitar” – e no mesmo assunto –, um dep­utado da oposição rad­i­cal ao gov­erno ata­cou o min­istro da justiça em uma audiên­cia pública da Câmara dos Dep­uta­dos com acusações de que o min­istro seria “capanga de milí­cias” e “capanga da família Bol­sonaro”.

O min­istro ape­nas respon­deu que o dep­utado era um desqual­i­fi­cado.

No dia seguinte, pelas redes soci­ais, o min­istro lem­brou que o par­tido do dep­utado que o ata­cou fora con­tra diver­sas medi­das do pacote anti­crime, de sua auto­ria, que endure­cia o jogo con­tra o crime orga­ni­zado, con­tra as milí­cias, inclu­sive.

Parece que não há no país a intenção de esclare­cer os fatos e de se tra­bal­har com a ver­dade ou de se con­struir um futuro mel­hor para todos.

Vejam, no episó­dio da suposta queima de arquivo, se a oper­ação poli­cial tivesse ocor­rido em algum estado ali­ado ao pres­i­dente da República ou mesmo sim­pático a ele – se é que existe algum –, a nar­ra­tiva pas­saria a ser a ver­dade inques­tionável. Para sociedade ficaria a infor­mação (certeza) que o pres­i­dente e o min­istro, em con­luio com o gov­erno estad­ual, teriam elim­i­nado uma pes­soa que pode­ria ter “seg­re­dos” com­pro­m­ete­dores. Se, com um fato ocor­rido em um estado gov­er­nado pela oposição, com o secretário de segu­rança pública asse­gu­rando a reg­u­lar­i­dade da oper­ação, as “nar­ra­ti­vas” gan­haram tanto espaço, inclu­sive, em veícu­los de comu­ni­cação social ditos sérios, imag­inem se fosse em um estado “ali­ado” do gov­erno federal.

O que se con­stata é a men­tira, difer­ente do que apren­demos, não tem per­nas tão curta

Des­mas­carada a nar­ra­tiva, quem pas­sou a explorá-​la, em sen­tido con­trário e de forma, para dizer o mín­imo, irre­spon­sável, foi o próprio pres­i­dente da República, acu­sando a polí­cia baiana – e até mesmo o gov­er­nador –, pelo fato da oper­ação ter cul­mi­nado na morte do miliciano.

O país parece girar em torno de insanidades.

Vejam outra “his­tor­inha”. Por estes dias saiu uma “pesquisa” no Jor­nal El País, dando conta que o gov­er­nador do Maran­hão estaria em ter­ceiro lugar na prefer­ên­cia do eleitorado brasileiro, com treze por cento dos votos, algo em torno de 20 mil­hões de eleitores.

A infor­mação, prin­ci­pal­mente no Maran­hão, foi explo­rada à exaustão. Diziam: “o gov­er­nador já está com treze por cento”, como a dizer, logo , logo, ultra­passa os demais e se torna o favorito; talvez ganhe a eleição de 2022 logo no primeiro turno. Coisa de maluco.

Recebi com incredul­i­dade a notí­cia. E tinha razões para isso. Dias antes saíra uma pesquisa de um insti­tuto nacional recon­hecido por seus acer­tos, pro­je­tando cenários para as eleições de 2022, onde o tal gov­er­nador nem apare­cia.

Como é pos­sível que poucos dias depois, sem que nada de extra­ordinário tivesse acon­te­cido, o mesmo cidadão não só apareça numa pesquisa, mas que apareça com um vol­ume de votos tão expres­sivos? Ao meu sen­tir não fazia qual­quer sen­tido.

Mas a infor­mação do “El País” com a tal pesquisa gan­hou o mundo.

Entre­tanto, um ou dois dias depois uma nova pesquisa, desta vez da Veja/​FSB, con­fir­mou os números ante­ri­ores e os trezes pon­tos que o gov­er­nador do estado “tin­ham” viraram pó, desapareceram.

Não é crível ou aceitável que entre três pesquisas de opiniões, uma apre­sente um dado tão dis­crepante em relação às out­ras duas. Como já se dizia lá no sertão “jabuti em cima de árvore, ou foi enchente ou mão de gente”.

Alguém dev­e­ria per­gun­tar como duas pesquisas fiz­eram para “sumir” com 20 mil­hões de eleitores em questão de dois ou três dias ou, como a pesquisa divul­gada pelo Jor­nal El País fez para que tais eleitores “apare­cerem” onde – antes e depois –, havia um traço.

Nem a Segunda Guerra Mundial “sumiu” com tanta gente. Não em tão pouco tempo.

Bem sei que uma pesquisa pode lhe dá a resposta que se queira, desde que feita a per­gunta certa.

Por outro lado, acred­ito que seria inter­es­sante que as autori­dades bus­cassem saber o que – e/​ou quanto –, se oculta por trás de infor­mações tão des­en­con­tradas e/​ou manip­u­ladas.

Uma outra nar­ra­tiva que envolveu (e ainda envolve) o Maran­hão e suas autori­dades, foi o “aumento fake” con­ce­dido aos pro­fes­sores estad­u­ais e “ven­dido” pelo próprio gov­er­nador como uma coisa extra­ordinária.

No “fri­gir dos ovos” o tal aumento não rep­re­sen­tava nem a metade do rea­juste con­ferido pelo gov­erno fed­eral para o piso salar­ial do mag­istério, a chamada Lei do Piso. O gov­erno fed­eral con­cedeu quase 13% (treze por cento) enquanto que aqui as faixas salari­ais que tiveram aumento supe­rior a isso foi ape­nas para alcançar o valor do piso nacional. Todas as demais faixas salari­ais ficaram com um aumento per­centual em torno de 5% (cinco por cento), menos da metade do con­ce­dido pelo gov­erno federal.

Quer dizer, se o valor bruto pas­sou dos 6 mil reais isso se deve a con­quis­tas históri­cas da cat­e­go­ria que o gov­erno atual não teve qual­quer ingerên­cia ou par­tic­i­pação.

O que fez, na ver­dade, foi des­cumprir a leg­is­lação (o Estatuto do Mag­istério) que asse­gura aos mestres locais o mesmo per­centual de aumento con­ce­dido pelo gov­erno federal.

Durante a votação do pro­jeto de lei que con­cedeu o “aumento” testemunhou-​se uma situ­ação inusi­tada, enquanto os gov­ernistas votavam enver­gonhados os pro­fes­sores protes­tavam das gale­rias da “casa do povo”.

Os protestos dos pro­fes­sores não foram maiores porque muitos tiveram negado o acesso às gale­rias e a porque a rep­re­sen­tação da cat­e­go­ria virou “linha aux­il­iar” do gov­erno, negando aquilo que é uma con­quista e que con­sta da lei.

Assim cam­inha o país e o estado, ao sabor das narrativas.

Abdon Mar­inho é advo­gado.