AbdonMarinho - A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 19 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.

A CRUZADA EM DEFESA DA CORRUPÇÃO.

Por Abdon Marinho.

UM AMIGO se rev­elava pre­ocu­pado com os últi­mos acon­tec­i­men­tos viven­ci­a­dos no Brasil. Dizia ele que pare­cia haver no país uma Cruzada em defesa da cor­rupção. Achei curioso o termo, talvez “Cruzada” seja o que vem ocor­rendo de fato.

Em um texto ante­rior “NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL”, denun­ci­ava isso, essa Cruzada em defesa da cor­rupção “armada” entre as elites para soltar os malfeitores que saltearam o país, ainda que, para isso, tivessem (ten­ham) que destruir os der­radeiros resquí­cios de nossa civil­i­dade.

Já no texto acima aler­tava para a Ação Declaratória de Con­sti­tu­cional­i­dade com Pedido de Lim­i­nar pro­posta pelo Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, junto ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, ainda pen­dente de jul­ga­mento, cujo pedido em sede de medida caute­lar é o seguinte: a) “impedir e tornar sem efeito qual­quer decisão que importe em exe­cução pro­visória de pena pri­v­a­tiva de liber­dade sem a existên­cia de decisão con­de­natória tran­si­tada em jul­gado;” b) “sub­sidiari­a­mente, impedir e tornar sem efeito qual­quer decisão que importe em exe­cução pro­visória de pena pri­v­a­tiva de liber­dade antes da existên­cia de decisão con­de­natória tran­si­tada em jul­gado de forma automática, sem fun­da­men­tação a indicar a pre­sença dos req­ui­si­tos pre­vis­tos no artigo 312 do CPP.”. c) “Em suma, lato sensu, tornar sem efeito (blo­quear, ex nunc e ex tunc) qual­quer decisão de prisão após con­de­nação em segunda instân­cia dec­re­tada sob o fun­da­mento de que é obri­gatória a exe­cução ante­ci­pada da pena – suspendendo-​se, igual­mente, a súmula 122 do TRF4, por afronta à decisão do STF no HC 126.292 e nas lim­inares das ADC 43 e 44, uma vez que somente dois votos apon­taram para a auto­mati­ci­dade da prisão”.

No pedido de mérito a agremi­ação pre­tende que seja con­fir­mada a tutela na forma do seu primeiro pedido ou nos for­matos sub­sidiari­a­mente.

Emb­ora o lin­gua­jar pareça com­pli­cado o que o par­tido deseja é que ninguém, repito, ninguém, seja lev­ado a cumprir a pena sem a existên­cia de decisão “tran­si­tada em jul­gado”, ou seja, sem que tenha esgo­tado toda e qual­quer chance de recur­sos nos tri­bunais. Noutras palavras, pela ideia do par­tido comu­nista, somente dev­erá ser preso e cumprir pena o pobre mis­erável que não disponha de recur­sos para pagar um advo­gado.

Mas não só, o par­tido comu­nista pre­tende soltar todos que já este­jam pre­sos cujas penas não ten­ham “tran­si­tado em jul­gado”. Esse é o sig­nifi­cado do “tornar sem efeito”.

Quando o min­istro do Supremo Marco Aurélio Mello, no último dia de tra­balho do ano pas­sado, con­cedeu uma lim­i­nar neste sen­tido – não sei se nesta ação ou noutra de igual sen­tido –, calculou-​se que o “saidão” alcançaria cerca de 180 mil encar­cer­a­dos. Todo tipo de ban­dido, de crim­i­nosos de colarinho-​branco, cor­rup­tos a assas­si­nos, estupradores, latro­ci­das, traf­i­cantes, chefes de orga­ni­za­ções crim­i­nosas, etc.

O número, acred­ito, é pos­sível que seja bem maior, quando se levar em con­sid­er­ação a pos­si­bil­i­dade de se aplicar tal medida em sede de revisões criminais.

Como sabe­mos, a decisão do min­istro foi sus­pensa pelo pres­i­dente do tri­bunal e o “saidão” acabou por não se con­cretizar.

Pois bem, a ação do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, emb­ora quando anal­isadas suas con­se­quên­cias pareça (e é) absurda e insana – não é todos os dias que alguém propõe soltar quase duzen­tos mil crim­i­nosos de alta per­icu­losi­dade, que são os que pos­suem condições de pagar advo­ga­dos para con­tin­uarem a recor­rer de suas con­de­nações e ainda que nen­hum delin­quente seja lev­ado ao cumpri­mento da pena antes de tran­si­tar em jul­gado seus proces­sos –, ela pos­sui uma fun­da­men­tação legal, uma lóg­ica jurídica dis­cutível, muito emb­ora na “con­tramão” dos ver­dadeiros anseios da sociedade e do que se entende por justiça.

Afi­nal, não é con­ce­bível que se mande para casa tan­tos malfeitores e que, dora­vante, víti­mas (e/​ou seus famil­iares) e seus algo­zes saiam das sessões de jul­ga­mento pela mesma porta.

Mas, como dizia, por mais absurda que seja a pre­ten­são do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, ela pos­sui uma fun­da­men­tação jurídica esco­rada na carta con­sti­tu­cional e no dire­ito proces­sual penal, pior mesmo – mul­ti­pli­cando por mil –, foi a decisão da Segunda Turma do STF que, por estes dias, sem qual­quer amparo legal decidiu anu­lar uma sen­tença de juiz de primeira instân­cia, ou seja, “zerar” um processo porque em sede de ale­gações finais, os réus (dela­tor e delatado) tiveram o prazo comum para se man­i­fes­tar.

Aquela turma, por maio­ria, enten­deu que o réu delatado dev­e­ria ser o último a se man­i­fes­tar.

O entendi­mento das excelên­cias não tem amparo em qual­quer lei do país. Trata-​se, tão somente, de uma alter­na­tiva, “um jeit­inho”, que estão ten­tando dar para anu­lar as con­de­nações dos con­de­na­dos da Lava Jato e soltar quase todos que, já con­de­na­dos, estão cumprindo pena, den­tre os quais o ex-​presidente Lula, tam­bém ben­efi­ciário e inspi­rador da ini­cia­tiva do Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB.

Desde sem­pre, encontra-​se cod­i­fi­cado, que a defesa fala por último, mas não existe em lugar algum a pre­visão de dis­tinção entre réus, con­forme a novel inter­pre­tação da maio­ria dos inte­grantes da Segunda Turma do STF.

E não me ven­ham dizer que agora existe uma nova cat­e­go­ria de réus, não há.

Desde sem­pre, quando se pren­dia e jul­gava uma quadrilha ou bando, invari­avel­mente, um ou outro colab­o­rava com as inves­ti­gações e, por isso mesmo, tinha a pena apli­cada “in con­creto” reduzida, mino­rada. Essa é uma pre­visão legal. Mas nunca estes réus que par­tic­i­param da mesma ação crim­i­nosa tiveram momen­tos dis­tin­tos para a sua man­i­fes­tação em sede de ale­gações finais.

Todos sabem disso, os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, sabem disso mais ainda. São estu­diosos, pelo menos em tese, dota­dos de notável saber jurídico e con­duta ilibada. São con­hece­dores da lei e sabem que a lei não con­tem­pla a “ino­vação” que empurraram “goela abaixo” da sociedade.

Como disse, a lei não mudou, con­tinua a mesma, o que mudou foram os con­de­na­dos.

Antes os ricos só lidavam, nos tri­bunais, com matérias civis e os pobres com as matérias penais. Agora os ricos, os bem nasci­dos, as elites, tam­bém estão “lidando” com as matérias penais e pre­cisam, cada vez mais, de leis bran­das, de favores legais, de impunidade, que os seus crimes não sejam jul­ga­dos, que seus deli­tos sejam anis­ti­a­dos, que sejam inim­putáveis per­ante a lei.

Há muito tempo que con­de­na­dos em segunda instân­cia já podiam ini­ciar o cumpri­mento de pena e, tam­bém, há muito tempo que Supremo Tri­bunal decidira que isso não ofendia ao orde­na­mento jurídico con­sti­tu­cional, sem que isso tenha mobi­lizado par­tidos políti­cos como o PCdoB. Aliás, quando a corte se debruçou sobre tal matéria o min­istro Gilmar Mendes, que desde a investidura no cargo de min­istro sem­pre se por­tou como uma espé­cie de “soltador-​geral da República”, disse que final­mente o Brasil ingres­sara no mundo civ­i­lizado; há muito tempo, aliás desde sem­pre, que existe a figura do réu-​colaborador que recebe bene­fí­cios legais por conta disso e nunca o Supremo Tri­bunal Fed­eral – ou qual­quer outra corte –, enten­deu que este dev­e­ria falar antes dos réus não colab­o­radores, em sede de ale­gações finais.

Reit­ero o que disse acima: a única mudança é que existe no Brasil uma nova cat­e­go­ria de con­de­na­dos: os políti­cos, servi­dores públi­cos de escalão supe­rior e riquís­si­mos empresários.

Só isso para fazer o STF dar um “salto triplo carpado” para inter­pre­tar uma regra não exis­tente no orde­na­mento jurídico.

Os juízes estão tendo suas sen­tenças refor­madas (se o juízo do STF não retornar e isso, de fato, vier a acon­te­cer) porque estes não deram inter­pre­tação diversa ao que con­sta no texto lit­eral da lei.

O Brasil, aos poucos – e cada vez com mais veloci­dade –, vai se tor­nando o lugar onde tudo é pos­sível, inclu­sive sen­tenças serem refor­madas pelo fato dos juízes de piso inter­pretarem a lei como ela se encon­tra expressa e por não con­seguirem adi­v­in­har que os min­istros do STF, no futuro, con­forme a natureza dos con­de­na­dos, vão inter­pre­tar a mesma norma de forma diversa.

O “novo” entendi­mento dos min­istros, assim como a ini­cia­tiva do PCdoB, terá sérias con­se­quên­cias para o país.

Não serão ape­nas os cor­rup­tos do andar de cima, por quem empreen­dem essa Cruzada em defesa da cor­rupção, que serão ben­e­fi­ci­a­dos, são mil­hares de out­ros del­i­quentes de todos os naipes, que serão alcança­dos: os proces­sos que estão em curso, os que pos­suem prazo de rescisórias e mesmo as con­de­nações sem qual­quer prazo que poderão ser revis­tas, através de habeas cor­pus, pelo princí­pio de que a lei (no caso, “entendi­mento”) nova retroage para ben­e­fi­ciar o réu.

Como podemos con­statar, o “pacto das elites” não mede qual­quer con­se­quên­cia ou os danos que a suas ações pos­sam causar à sociedade e, por isso mesmo, se lançam nesta Cruzada em defesa da cor­rupção.

Só Deus é por nós. Deus salve o Brasil!

Abdon Mar­inho é advo­gado.