AbdonMarinho - O PAÍS DO PUXADINHO CONTA E CHORA SEUS MORTOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Segunda-​feira, 29 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O PAÍS DO PUXAD­INHO CONTA E CHORA SEUS MORTOS.

O PAÍS DO PUXAD­INHO CONTA E CHORA SEUS MOR­TOS.

Por Abdon Mar­inho.

NADA talvez seja mais rep­re­sen­ta­tivo do país do que aquele “puxad­inho” no Cen­tro de Treina­mento do Fla­mengo, onde se hospe­davam, e mor­reram dez ado­les­centes num incên­dio ocor­rido nos últi­mos dias.

Aqui não se procura – não agora –, imputar respon­s­abil­i­dades a quem quer que seja. Este é o papel das autori­dades que, diante da tragé­dia ocor­rida, devem, final­mente, abrir os olhos e apu­rar as cir­cun­stân­cias e as respon­s­abil­i­dades pelo perec­i­mento de tan­tos jovens em tão tenra idade.

Ape­nas reg­istro: aquele puxad­inho ali era o Brasil, era o retrato de um país que não liga – ou onde ninguém liga –, para as responsabilidades.

O puxad­inho estava ali, à vista de todos e, segundo todos, em condições ade­quadas para hospedar os jovens, ninguém viu nada demais ou de errado. Entre­tanto, após o ocor­rido o que mais aparece são espe­cial­is­tas para dizer que aquele tipo de con­strução não era ade­quada.

Se nada tivesse acon­te­cido, ainda hoje estaria lá abri­g­ando os jovens. Assim como devem exi­s­tir mil­hares de out­ros Brasil afora.

Dias antes do incên­dio no CT do clube foi o rompi­mento da bar­ragem de Bru­mad­inho, MG, que ceifou a vida de mais de trezen­tas pes­soas.

Depois do acon­te­cido revelou-​se ao país que o aci­dente era anun­ci­ado desde sem­pre, que o tipo de con­strução de bar­ra­gens ado­tado era o mais barato e, tam­bém por isso, o mais perigoso.

Ainda assim, uma das maiores empre­sas do mundo – segu­ra­mente a segunda maior min­er­adora do mundo –, adota esse tipo de con­strução em Minas Gerais e em diver­sos out­ros lugares do país.

Nem mesmo a tragé­dia de Mar­i­ana, ocor­rida três anos antes, motivou a min­er­adora a mudar as práti­cas, tudo con­tin­uou como antes: nada fez. Ou fez bem pior: man­teve um restau­rante e o seu setor admin­is­tra­tivo abaixo da bar­ragem, no cam­inho do “mar de lama”.

Já cam­in­hando para o franco desafio à leg­is­lação penal, foram além, nos dias ante­ri­ores à tragé­dia humana e ambi­en­tal tomaram con­hec­i­mento do risco imi­nente e ainda assim nada fiz­eram para impedir ou mino­rar os efeitos da tragé­dia, pelo con­trário, segundo depoi­mento, “foçaram a barra” para obterem um cer­ti­fi­cado de esta­bil­i­dade da bar­ragem.

Emb­ora tudo apon­tando em sen­tido dis­tinto, custo acred­i­tar que tivessem a intenção “delib­er­ada” de matar seus empre­ga­dos, assim como as demais víti­mas. Então, por que nada fiz­eram? Por que não avis­aram a ninguém dos riscos? Sim­ples, porque falta profis­sion­al­ismo; porque acred­i­tam que nada acon­te­cerá.

Por isso assumi­ram o risco de causar a tragé­dia que provo­caram.

E não é de agora, não é de hoje. Há vinte anos que as estru­turas estavam ali, na posição de risco com todos fin­gindo que estava tudo bem. Sabiam que mais cedo ou mais tarde – e sabiam ser cedo –, a bar­ragem ruiria. Ainda assim, pagaram para ver. Ou, sim­ples­mente, como é tão comum, deixaram “nas mãos de Deus”.

Mesmo depois de Mar­i­ana per­manece­ram cegos à real­i­dade, ao óbvio.

Na mesma sem­ana, um ou dois dias antes do incên­dio, uma tem­pes­tade provo­cou enormes pre­juí­zos e per­das de vidas, no Rio de Janeiro.

Uma tem­pes­tade, emb­ora pre­visível, não tem como se impedir que ocorra, mas os seus efeitos podem e devem ser mino­ra­dos.

Não é o que ocorre. Nas últi­mas décadas, tam­bém con­fiando na providên­cia div­ina, as autori­dades car­i­o­cas per­mi­ti­ram todo tipo de ocu­pação des­or­de­nadas em todos os lugares da cidade e, prin­ci­pal­mente, nas encostas dos mor­ros.

O resul­tado foi aquele que se viu, mais sete mortes víti­mas das chu­vas? Não. Víti­mas da improvidên­cia. Do “é assim mesmo”; do “Deus quis assim”.

Só para com­ple­men­tar a sucessão de tragé­dias que ocor­reram no país neste começo de ano, um aci­dente de helicóptero tirou a vida do jor­nal­ista Ricardo Boechat e do piloto da aeron­ave em que via­javam. Detalhe: a empresa não tinha autor­iza­ção para fazer táxi aéreo. Ape­sar disso, exer­cia a ativi­dade sem ser molestada por ninguém.

Assim como todo mundo via – e sabia –, que o “puxad­inho” do Fla­mengo era irreg­u­lar, mas nunca ninguém disse nada – segundo noticia-​se o clube car­i­oca rece­beu mais de trinta mul­tas pelo sei Cen­tro de treina­mento, nen­huma por conta do alo­ja­mento impróprio ou irreg­u­lar dos jovens atle­tas.

O mesmo acon­te­ceu com a bar­ragem de Bru­mad­inho. Todos, pelos agora, dizem que sabiam dos riscos, que o perigo era imi­nente – e era. Tanto que um engen­heiro respon­sável por uma das das vis­to­ria, disse, em depoi­mento, que se tivesse um filho tra­bal­hando lá man­daria que saísse, e, ainda assim, ninguém fez ou disse nada para impedir a tragé­dia que suced­e­ria dias depois.

E os fil­hos dos out­ros, mari­dos, esposas, ami­gos, etc.?

Todos preferi­ram o silên­cio, a o omis­são, a cumpli­ci­dade, man­ter os volu­mosos con­tratos com a gigante da min­er­ação em detri­mento das vidas humanas e dos pre­juí­zos ambi­en­tais.

Há, ainda, a omis­são cúm­plice das autori­dades que silen­ciam e acoitam todos os malfeitos e até coon­es­tam com eles em troca de alguns tro­ca­dos ou de out­ras van­ta­gens.

Ninguém liga para os “puxad­in­hos” que vão se for­mando em todo o país; ninguém liga para as suas respon­s­abil­i­dades; ninguém quer pare­cer “chato” ou se indis­por com pes­soas ou empresas.

É essa “cegueira cole­tiva” que faz sur­gir as con­struções irreg­u­lares nas encostas; que oculta o alo­ja­mento “clan­des­tino”, onde todos achavam ser uma garagem; a empresa de táxi aéreo pirata ou os “Bru­mad­in­hos” da vida.

Essa é a cul­tura do puxad­inho, capaz de con­t­a­m­i­nar um dos maiores clubes de fute­bol do mundo; a segunda maior min­er­adora do mundo; uma pequena empresa de trans­porte aéreo ou mesmo o cidadão que, com des­culpa de não ter onde morar, con­strói, ante a omis­são das autori­dades, em lugares inde­v­i­dos.

Todos sabem que fazem o errado, mas ninguém liga, con­fiam na providên­cia div­ina para que o pior não acon­teça.

Só que o pior acon­tece. Deus “can­sou” de segu­rar a barra de tanta irresponsabilidade.

Enquanto con­tin­uar­mos tolerando todo tipo de malfeitos, falta de com­pro­misso com o certo, cor­rupção e ban­dal­heira, con­tin­uare­mos con­tanto os nos­sos mor­tos de cada dia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.