AbdonMarinho - INSINUAÇÃO DE “VIADAGEM” AFLORA PRECONCEITOS ATÉ NO SUPREMO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 04 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

INSIN­U­AÇÃO DEVIADAGEMAFLORA PRE­CON­CEITOS ATÉ NO SUPREMO.

INSIN­U­AÇÃO DEVIADAGEMAFLORA PRE­CON­CEITOS ATÉ NO SUPREMO.

Por Abdon Mar­inho.

QUANDO era cri­ança ainda ouvíamos muito um tipo de xinga­mento: “lep­roso”; “um lep­roso desses” e out­ros lig­a­dos à hanseníase, con­hecida como lepra. Durante milênios a doença, até então incurável e con­ta­giosa obri­gava o encer­ra­mento dos seus infec­ta­dos em lep­rosários e os obri­gava a não ter quase nen­hum con­tato com os seus.

Assim, durante milênios além do sofri­mento a que estavam sub­meti­dos os seus por­ta­dores, seus des­ig­na­tivos tin­ham o condão de servir para o xinga­men­tos e reforçar os preconceitos.

Com o pas­sar dos anos a doença pas­sou a ser curada, os lep­rosários foram extin­tos e deixou-​se de uti­lizar seus des­ig­na­tivos como forma de xinga­men­tos e preconceitos.

A homos­sex­u­al­i­dade existe tam­bém a milênios – desde que o mundo é mundo –, nunca foi doença – emb­ora tenha sido clas­si­fi­cada assim, erronea­mente, durante muito tempo.

Não sendo doença e, por­tanto, não sendo “con­ta­giosa”, difer­ente da hanseníase, ainda hoje é usada como xingamento.

Em pleno século vinte e um é comum usarem os des­ig­na­tivos da condição sex­ual das pes­soas como instru­men­tos para a ofensa, o menosprezo, a desqualificação.

Assim, viado, baitola, qualira, sap­atão, etc., são ter­mos usa­dos para ofender as pes­soas pois, enten­dem estes, que seus des­ti­natários por sua condição sex­ual – ou não –, mere­cem ser ofendidos.

Emblemático do que digo é a polêmica envol­vendo dois senadores maran­henses – um recém-​eleito e outro já no meio do mandato.

Ainda no final do ano pas­sado, em retorsão a um dis­curso do dep­utado e do pres­i­dente do seu par­tido, o PDT, o senador Roberto Rocha, PSDB, pub­li­cou numa rede social: “Não entendo o motivo dos con­stantes ataques que me fazem os pede­tis­tas Lupi e Wev­er­ton. Logo eu que sem­pre torci pela feli­ci­dade do casal”. A mídia, como é seu dever, divul­gou a assertiva do senador e, tam­bém, a reação do deputado.

Naquela ocasião escrevi um texto sobre o assunto inti­t­u­lado “A Ofensa Gay”, onde dizia ser a mim incom­preen­sível que um senador da República, ainda que com “pil­héria”, usasse uma suposta situ­ação sex­ual de out­rem (ver­dadeira ou não) como instru­mento de ofensa.

E, do mesmo modo, que o dep­utado recebesse o comen­tário jocoso como uma ofensa.

Con­forme indaguei na opor­tu­nidade, casais het­eros­sex­u­ais podem ser con­sid­er­a­dos “mel­hores” que casais homos­sex­u­ais? Não, numa sociedade, que se pre­tende respeita­dora dos cidadãos pelo que são de essen­cial e não por conta de suas condições ou prefer­ên­cias sex­u­ais.

Dizia mais: que os dois par­la­mentares (sem­pre vesti­dos de defen­sores dos dire­itos humanos e das mino­rias), até pelo papel social rel­e­vante que ocu­pam no cenário político, não pode­riam e não dev­e­riam reforçar estereóti­pos e preconceitos.

Parece que cam­in­haram em sen­tido jus­ta­mente oposto.

À guisa de defender a honra própria, a esposa legí­tima do dep­utado (senador eleito) foi recla­mar na mais alta corte da República que o senador insin­uara ser o seu esposo “viado” e que isso afe­tara a sua honra sub­je­tiva como “esposa traída”.

Nos ter­mos da petição: “o senador teria agido no intu­ito de atin­gir a honra e a rep­utação do dep­utado e tam­bém a imagem pública de sua relação con­ju­gal”. Afir­mando ainda que: “o senador, ao insin­uar a existên­cia de um rela­ciona­mento extra­con­ju­gal de seu marido, teria man­i­fes­tado um pen­sa­mento que ofende a imagem que ela tem de si, chamando-​a de mul­her traída”.

Como podemos ver, os envolvi­dos no episó­dio, enten­dem ser uma “ofensa” chamar out­rem de gay. Não só, que ser chamado de homos­sex­ual atin­giria a “honra” e “rep­utação”, além de sua imagem pública. Formidável!

Como já assis­ti­mos bem mais que insin­u­ações de que o dep­utado “suposta­mente” teria feito for­tuna enquanto ocu­pava car­gos públi­cos e exer­cia mandatos, e que tais asserti­vas nunca deman­daram ações judi­ci­ais nem nos juiza­dos con­tra os assacadores – que dirá no Supremo –, decerto acham que ser chamado de “veado” é algo bem mais grave que ser chamado de cor­rupto.

Cer­ta­mente as acusações de cor­rupção, enriquec­i­mento ilíc­ito, etc., não ofen­dem a rep­utação ou a imagem pública dos envolvi­dos, ser chamado de homos­sex­ual, sim. Estu­pe­fa­ciente!

E quando pen­sava que já tín­hamos visto de tudo, eis que a “ofensa gay” ganha adep­tos na mais ele­vada corte do país.

O min­istro Fux, a quem foi dis­tribuída a ação na qual a esposa do dep­utado entendeu-​se como ofen­dida, man­dou arquiva-​la sob o argu­mento da ausên­cia da legit­im­i­dade, enten­deu que “como a suposta ofensa foi dirigida ao dep­utado fed­eral, ape­nas ele teria legit­im­i­dade para ofer­e­cer a queixa-​crime. Seu entendi­mento foi acom­pan­hado pelo min­istro Roberto Bar­roso, que tam­bém enten­deu não haver legit­im­i­dade da esposa, pois não teria havido intenção de ofendê-​la. Para Bar­roso, a intenção do senador seria a de ofender o dep­utado, sem men­cionar a mulher.

Vejam que para estes dois min­istros, houve, sim ofensa à honra do dep­utado. Afi­nal o senador insin­uou que o mesmo teria uma relação homos­sex­ual com o pres­i­dente nacional da agremi­ação par­tidária. E, ser chamado de homos­sex­ual é uma ofensa.

Pois bem, se somente isso já seria sufi­ciente para demon­strar que os pre­con­ceitos, inclu­sive insti­tu­cionais, são rev­e­la­dos das mais diver­sas for­mas, inclu­sive pelo Supremo, estes dois votos foram ven­ci­dos, não porque acharam que não houve qual­quer ofensa, mas sim para reforçar que ela tanto houve que a esposa suposta­mente “traída” teria plena legit­im­i­dade para lit­i­gar no STF com este absurdo assunto de alcova.

O min­istro Marco Aurélio que abriu a divergên­cia assen­tou: “a afir­mação do senador, caso com­pro­vado o dolo, pode con­fig­u­rar injúria reflexa à honra da mul­her do dep­utado fed­eral, con­ferindo a ela legit­im­i­dade ativa para pro­por a ação penal”.

Os min­istros Alexan­dre de Moraes e Rosa Weber, com um ou outro adendo, seguiram a divergên­cia para garan­tir o prossegui­mento da Ação Penal con­tra o senador Roberto Rocha no Supremo.

Ora, ao meu sen­tir, quer pare­cer que algo não está certo, pois se digo: fulano é het­eros­sex­ual e isso não é ofen­sivo, porque seria ofen­sivo dizer fulano é homos­sex­ual? Não é a própria Con­sti­tu­ição que asse­gura a igual­dade entre todos, livre de qual­quer tipo de dis­crim­i­nação? Considerar-​se-​ia ofen­sivo chamar ou insin­uar que um homos­sex­ual seria hétero? Este pode­ria pode­ria ir ao STF dizer “senador fulano ofendeu-​me, pois me chamou de hétero e eu sou gay, biba, bichona, mona, quero processa-​lo por ‘ofensa’”. O Supremo aceitaria tal ação?

Então ficamos assim: um senador insin­uando que o dep­utado teria uma relação homos­sex­ual, suposta­mente na intenção de ofendê-​lo e uma turma inteira na con­cordân­cia de que uma insin­u­ação neste sen­tido é ofen­siva.

O mais trágico de tudo isso é todos os envolvi­dos no episó­dio, inclu­sive os cinco min­istros que par­tic­i­param do jul­ga­mento, agi­ram com tanta nat­u­ral­i­dade que sequer se deram conta de que estavam reforçando pre­con­ceitos ao enten­derem que o sim­ples insin­uar que este ou aquele é um homos­sex­ual chega a ser ofen­sivo. Tão ofen­sivo que ofende, por vias reflexas, até a esposa do suposto homos­sex­ual.

E, se não fosse trágico seria cômico, pois como a notí­cia do jul­ga­mento que deu provi­mento ao agravo da esposa do dep­utado “ofen­dido” com a alcunha de gay, chegou logo depois das eleições que o fez senador, jor­nal­is­tas enga­ja­dos nas hostes ali­adas, decerto alguns homos­sex­u­ais, fes­te­jaram a decisão do tri­bunal, não sei se por não se darem conta do sig­nifi­cado ou ape­nas pelo vício da adu­lação.

Devem ter pen­sado: – besta, onde já viu “xin­gar” o dep­utado de “viado”? Ora, se fosse uma insin­u­ação de cor­rupção, ladroagem, desvios de recur­sos, enriquec­i­mento ilíc­ito, etc., tudo bem. ‘Viado”, não. “Viado”, não pode.

Quando vemos como se aflo­ram os pre­con­ceitos e dis­crim­i­nações, inclu­sive nas ele­vadas instân­cias da Justiça e envol­vendo tan­tos dig­natários da República, logo estes que dia sim e no outro tam­bém, pregam respeito às mino­rias e tol­erân­cia às diver­si­dades, enten­demos que, em pleno segundo turno das eleições pres­i­den­ci­ais, se dis­cuta mais as prefer­ên­cias sex­u­ais que o desem­prego, o caos na saúde, na edu­cação, a cor­rupção desen­f­reada e tan­tos out­ros assun­tos que dev­e­riam ocu­par a mente das autori­dades.

Con­sid­erar como ofen­sivo alguém ser chamado de homos­sex­ual deve ser a grande con­tribuição do Brasil ao futuro da humanidade.

Abdon Mar­inho é advo­gado.