AS VÍSCERAS EXPOSTAS DA REPÚBLICA.
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- Criado: Quinta, 13 Abril 2017 23:32
- Escrito por Abdon Marinho
AS VÍSCERAS EXPOSTAS DA REPÚBLICA.
NO INÍCIO desta Semana Santa, logo na segunda-feira, recebi a visita de um amigo e este indagou-me qual a leitura que fazia do atual quadro político, sobretudo, o estadual.
A minha resposta a ele foi que achava precipitada qualquer análise, ainda mais, se considerássemos que a Operação Lava Jato, poderia apresentar novidades sobre os atores envolvidos no processo político nacional e/ou estadual.
Fui além, disse-lhe: uma pesquisa que coloca o atual governo estadual com apenas 60% (sessenta por cento) de preferência, não deveria ser motivo de comemoração, mas de levar os governistas a acenderem o alerta vermelho.
E, explicava o por quê. Ponderava que este um governo que simboliza toda a esperança de um povo que não conhecia outro modelo de governança que não o representado pelos quase cinquenta anos do grupo Sarney. Dizia mais. O governo estava «ditando pauta», governando sozinho, sem, praticamente ninguém, com estatura política se apresentando para lhe fazer sombra ou lhe causar embaraços.
Aproveitei para fazer troça. Imaginemos uma luta de MMA (disse boxe), o locutor com sua empolgação peculiar narraria: – vaaaaai começar a luta. De um lado o desafiado, peso pesadíssimo, com 1,90 m de altura, pesando 140 kg(?); do outro lato, o desafiante, conhecido por ninguém, sem altura, sem peso.
Incompreensível que nestas condições, o desafiado tivesse apenas sessenta por cento e «ninguém», o desafiante, dominasse os outros quarenta.
Concluía a análise ponderando que dependendo do real desafiante poderia até ser que o desafiado crescesse, mas que tudo isso dependeria, também, dos desdobramentos das operações judiciais em andamento.
Voltarei ao Maranhão na conclusão deste texto.
Na tarde do dia seguinte o Supremo Tribunal Federal — STF, divulgou a relação dos inquéritos que abriria, no caso dos que possuem foro por prerrogativa de função (foro privilegiado), o encaminhamento dos demais envolvidos as autoridades autoridades competentes. Na edição especial do diário da Corte, os despachos contendo um breve resumo do que os colaboradores falaram de cada um. Fez mais, levantou o sigilo dos casos sobre sua alçada e permitiu que a sociedade tivesse acesso, as narrativas dos bastidores da nação, as propinas pagas, a troca de favores, as negociações de interesses, os sacrifícios da nação em proveito da casta de políticos. O Brasil foi apresentado ao Brasil de verdade. Num outro paralelo, foi como se saíssemos do Jornal Nacional, da Globo, para o Brasil Urgente, da Band. Só que este Brasil Urgente está sendo exibido por todas as emissoras, todos os dias, todas as horas.
Desde a noite de terça-feira, talvez pelo volume amazônico de informações, a nação parece está em suspense, uma espécie de delírio coletivo, um estupor, um sentimento de incredulidade. Não é para menos, os fatos narrados são de gravidade ímpar. Parece que tudo vimos antes e que sabíamos existir, era apenas um aperitivo para o estamos assistindo agora.
Por incrível que pareça não estamos, ainda, no ápice, embora a Odebrecht seja a maior corruptora, sua atuação era mais restrita. O próprio comandante da empresa, no seu depoimento, deixou claro que não se metia na esfera municipal, por exemplo, deixando esta atuação para outras «parceiras» e, que ao fazer isso, descontaria a propina da conta corrente de propina do governo central.
Apesar disso o que temos revelado até aqui mostra claramente o nível de relacionamento promiscuo entre empresas e agentes públicos e como a corrupção foi se institucionalizando a ponto desta empresa (sabe-se que outras tantas) criasse um setor específico para tratar do assunto. Temos a impressão que o poder central era exercido, na verdade, por esta é por outras empreiteiras ou grupos econômicos – isso em pleno governo dito, «dos trabalhadores » –, onde estes mantinham os governantes e sua base política como «terceirizados».
Vejam, o que está dito é que o senhor Lula, a senhora Dilma, através dos senhores Antônio Palocci e Guido Mantega, mantiveram uma conta-corrente no departamento de propina da Odebrecht; o que está dito, é que além, disso, executivos da empresa negociavam dentro do Palácio, dos ministérios e das casas do parlamento, leis, medidas provisórias, incentivos fiscais, empréstimos bilionários, junto a bancos oficiais.
Não temos dúvidas – e os depoimentos apontam para isso – de que a corrupção alcançou à todos, com as muito honradas exceções para justificar a regra, mas no caso dos governos petistas, ela foi muito além. Eles, tão refratários à política de terceirização de mão de obra, terceirizaram o Estado inteiro e eram bancados pelos donos do poder econômico.
É isso que se depreende dos depoimentos do Marcelo Odebrecht e dos executivos e ex-executivos da empresa que teve a delação revelada esta semana.
Noutra quadra, apesar do volume extraordinário de informações, é necessário que se separe o joio do trigo. Como vimos, para os empresários corruptores, todo dinheiro que saía dos cofres das empresas era corrupção, independente de ser doação eleitoral nos termos permitidos pela legislação eleitoral, doação ao chamado «caixa 2″, propina, terceirização do Estado e outras modalidades.
Ao colocarmos tudo no mesmo saco, embora pareça tentador, apenas está se igualando os desiguais e cometendo injustiças.
Ora, para os corruptores, Brasília – e extensível aos palácios estaduais – é um imenso shopping center, logo tudo mercadoria a ser comprada, a ser vendida, tudo na conta única da corrupção. A assertiva, embora não seja de todo descartada, há que se ponderar que existe uma diferença imensa entre doação para campanha eleitoral e manter uma conta-corrente no departamento de propina de uma empresa. Ainda uma doação através de «caixa 2″ é diferente de se negociar pagamento para não ser chamado a depor ou pela aprovação de uma lei que, em detrimento do interesse público beneficie uma empresa ou grupo econômico.
Assim, faz-se necessário esse distinguir.
Oportuno lembrar que até o ano de 2014, dentro dos limites estabelecidos na legislação eleitoral, eram permitidas doações de empresas a candidatos. E, embora, desde sempre proibido, uma campanha fazer despesas não contabilizadas ou fazer de empresas para pagar as despesas que sobraram ao final do pleito, não era coisa de «outro mundo». Na verdade, até então, as prestações de contas eleitorais, sempre foram mais ficcionais que reais.
Ao meu sentir, é desarrazoado examinar, com rigor inquisitório e sem as devidas gradações, condutas que, até então, não eram criminosas ou consideradas como tais no momento de sua prática. Noutras palavras, equivocam-se aqueles que colocam no mesmo balaio alguém que nos anos noventa pediu doações de campanha (e aí nem se faz distinção sobre por qual caixa) com alguém que negociou empréstimos, medidas provisórias ou terceirizou aos empresários seus governos. Repito: é necessário separar crime do que era uma prática «normal».
Voltemos ao Maranhão de que tratávamos no início do texto.
A citação do nome do governador do Maranhão, Flávio Dino, no contexto do que tratamos anteriormente, merece uma consideração especial.
O governador é referido «no termo de depoimento do colaborador José de Carvalho Filho (Termo de Depoimento n. 2), o qual relata que, no ano de 2010, participou de reuniões com o então Deputado Federal Flávio Dino, tratando de questões acerca do Projeto de Lei 2.279÷2007, o qual atribuiria segurança jurídica a investimentos do Grupo Odebrecht. Num desses encontros, teria lhe sido solicitada ajuda para campanha eleitoral ao governo do Estado do Maranhão, pagamento efetuado no total de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). A senha para receber o repasse teria sido entregue à época ao próprio parlamentar, sendo a operação realizada pelo Setor de Operações Estruturadas e registrada no sistema “Drousys”.«
Na esteira do que externamos acima, a situação do governador maranhense, como todas as demais, merece o exame sob a luz da gradação. Ela não é grave pelo que está dito e sim pela forma como foi dita. A versão do fato se sobrepondo aos mesmos. A versão na visão do delator que «linka» uma coisa à outra.
Vejamos: era/é perfeitamente normal que executivos de empresas, representantes de sindicatos, de grupos ou de quaisquer categorias com interesses numa determinada matéria em tramitação nas casas do Congresso Nacional, visitem os parlamentares, peçam audiências e exponham seus argumentos, ainda mais, quando este parlamentar tem influência no parlamento – que era a situação do referido. Também, «perfeitamente normal», até então, que parlamentares sonhando com voos mais altos, solicitassem contribuições de campanha, sim, era/é promíscuo, mas fazia (e, embora proibido, ainda faz) parte da política brasileira.
Então, no contexto em que se teria dado o fato, empresa defender uma matéria, um político pedir contribuição para campanha (nem questiono, se por qual caixa), estava dentro das regras «democráticas» vigentes.
A desgraça (se o fato tivesse existido, como negam os governistas) seria o «link» entre as duas coisas: apoio à medida em troca do numerário, não que isso fosse um escândalo no parlamento nacional, mas por se tratar deste parlamentar, especialmente, com carreira jurídica sólida e oriundo da magistratura nacional.
E, ainda, se o fato tivesse existido, talvez tenha se dado apenas uma interpretação do executivo. Acostumado a comprar tudo e a todos no shopping Brasília, teria intuído que o deputado ao solicitar uma contribuição de campanha, estaria, na verdade, condicionando uma coisa à outra.
Convém salientar que, até aqui, as ações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, dos magistrados envolvidos nesta operação conhecida como Lava-Jato, têm sido mais exitosas que fracassadas e têm se pautado com muito rigor, isso não significa, talvez pelo açodamento do tema, que estejam imunes a equívocos ou erros de interpretação, estes, sempre existirão.
Nada é pior ao ser humano que ser vítima de acusação injusta, por isso mesmo, por toda sua história e por, principalmente, representar um sopro de esperança, torço para que o governador consiga esclarecer a todos este episódio, não permitindo que paire uma névoa de dúvida sobre o maior patrimônio do homem digno: sua honra.
Abdon Marinho é advogado.