AbdonMarinho - Sobre o lugar e o papel das mulheres.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 03 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Sobre o lugar e o papel das mulheres.


SOBRE O LUGAR E O PAPEL DAS MULHERES.

Por Abdon C. Marinho.

CON­FORME já expus em out­ras crôni­cas, sem­pre que viajo aproveito os grandes per­cur­sos das estradas para obser­vações e para reflexões.

Nos últi­mos dias tinha uns com­pro­mis­sos em Belém (PA) e out­ros em Luís Domingues (MA). Só con­segui pas­sagem para o Ferry-​Boat das 13 horas. O amigo e con­ta­dor Max Harley, com­pan­heiro das via­gens que faço para a região, fez o trans­bordo no Junco do Maran­hão e seguiu para Luis Domingues enquanto que eu segui para Belém. Cheguei ao des­tino perto das onze horas da noite, no cam­inho pude obser­var que a rodovia que per­cor­ria sofreu uma boa mel­ho­rada ao atrav­es­sar­mos a ponte que sep­ara os esta­dos; observei que Belém e as cidades que a ante­cede pas­sam por sig­ni­fica­ti­vas obras de mobil­i­dade.

Pas­sei o dia inteiro nos com­pro­mis­sos e quando des­ocu­pei, já depois das dezen­ove horas, decidi ir para Luis Domingues, para os com­pro­mis­sos no dia seguinte. Por conta dos engar­rafa­men­tos, con­seguimos deixar a cidade depois das vinte horas.

Seguimos viagem, já era madru­gada quando aden­tramos no Maran­hão.

Na estrada, por conta da hora não me dei conta de con­ferir, observei um con­flito agrário que se desen­rola no Municí­pio do Junco ou Amapá. Faixas na rodovia cla­mando con­tra a “gri­lagem” de ter­ras e prote­s­tando con­tra a prisão de uma líder cam­ponesa e pedindo sua liber­dade; out­ras dizendo que a “Camp­ina” resiste.

Em mais de vinte vinte anos atuando na região, até onde me recordo, é a primeira vez que vejo um con­flito tão latente e que pode ter con­se­quên­cias graves.

Durante o expe­di­ente da manhã recebe­mos um con­vite para par­tic­i­par de uma reunião com a pres­i­dente do CMDCA (Con­selho Munic­i­pal dos Dire­itos das Cri­anças e Ado­les­centes) e o Con­selho Tute­lar local.

O assunto prin­ci­pal – e mais grave –, da reunião com as con­sel­heiras e con­sel­heiros tute­lares foi a denún­cia que os mes­mos fiz­eram em relação a falta de estru­tura e/​ou com­pro­me­ti­mento das autori­dades poli­ci­ais e da área da saúde em relação ao atendi­mento pri­or­itário que deve ser dis­pen­sado as cri­anças e ado­les­centes em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade.

Nar­raram, por exem­plo, que o hos­pi­tal regional não pos­sui estru­tura ou médi­cos per­i­tos para aten­der as cri­anças, sendo que não têm con­seguido fazer os necessários exames de con­junção car­nal nos casos de estupro, que são mais comuns do imag­i­namos. Nar­raram que em ape­nas um mês o municí­pio reg­istrou oito casos de estupros, isso numa local­i­dade que pos­sui menos de sete mil habi­tantes.

Sem con­tar que sabe­mos que para cada caso de estupro relata­dos inúmeros out­ros casos não chegam ao con­hec­i­mento dos con­sel­hos.

A situ­ação, de tão grave, já os tin­ham lev­a­dos a mar­car uma reunião dos con­sel­hos tute­lares dos qua­tros municí­pios da região para o dia seguinte: Caru­ta­pera, Luís Domingues, God­ofredo Viana e Cân­dido Mendes, para a qual eu “já” estava con­vi­dado.

Naquele dia só con­segui chegar na pou­sada tarde da noite, quando, “por alto”, pas­sei a acom­pan­har a reper­cussão do dis­curso da dep­utada estad­ual do Maran­hão, Mical Dam­a­s­ceno (PSD).

No dia seguinte, ausentei-​me do expe­di­ente na prefeitura e fui até a câmara munic­i­pal para reunião com os qua­tro con­sel­hos tute­lares.

Con­sel­heiras e con­sel­heiros tute­lares relataram as mes­mas coisas que já me fora relatadas no dia ante­rior.

Sug­eri que os qua­tros con­sel­hos fizessem um doc­u­mento comum rela­tando as difi­cul­dades em desem­pen­harem seus papéis de con­sel­heiros e encam­in­has­sem a todas autori­dades com­pe­tentes: Gov­erno do Estado, Procu­rado­ria Geral de Justiça; Assem­bleia Leg­isla­tiva; Comis­sões de Defesa da Cri­ança e Ado­les­centes da Câmara, Senado, OAB, etc.

Na opor­tu­nidade me com­pro­meti a ajudá-​los a fazer chegar ao des­tino final suas inqui­etações e denún­cias.

Fiz essas con­sid­er­ações ini­ci­ais antes de aden­trar nos aspec­tos “insti­tu­cionais” da fala dep­utada estad­ual, para mostrar que o Maran­hão (e nosso país) pos­sui prob­le­mas muito maiores e dev­e­riam, efe­ti­va­mente, serem objeto da pre­ocu­pação das excelências.

São con­fli­tos agrários, são prob­le­mas na estru­tura viária, são prob­le­mas na saúde, como esses relata­dos por con­sel­heiros tute­lares que não con­seguem (ou tem difi­cul­dades para con­seguir) um mísero exame de con­junção car­nal para uma cri­ança vítima de estupro – e são cen­te­nas, talvez mil­hares –, prob­le­mas na edu­cação, que ainda pos­sui baixos indi­cadores, prob­le­mas soci­ais cau­sa­dos pelo baixo desen­volvi­mento do estado, etc. etc.

São tan­tos desafios que pre­cisam ser ven­ci­dos, com o con­sór­cio e colab­o­ração de todos, que chego a con­clusão que uma das pou­cas pes­soas que não sabem do seu papel é a nobre par­la­men­tar.

Uma pes­soa homem ou mul­her somente se torna dep­utada ou dep­utado – após con­seguir a votação da pop­u­lação –, depois que faz um juramento.

Diz o reg­i­mento interno da Assem­bleia: “Exam­i­nadas e deci­di­das, pelo Pres­i­dente, as dúvi­das, se as hou­ver, ati­nentes à relação nom­i­nal de Dep­uta­dos, será tomado o com­pro­misso somente dos empos­sa­dos. De pé todos os pre­sentes, o Pres­i­dente pro­ferirá o seguinte com­pro­misso: “PROMETO MAN­TER, DEFENDER E CUMPRIR A CON­STI­TU­IÇÃO DO BRASIL E CON­STI­TU­IÇÃO DO ESTADO, OBSER­VAR AS LEIS, DESEM­PEN­HANDO COM LEAL­DADE, DED­I­CAÇÃO E ÉTICA O MAN­DADO QUE ME FOI CON­FI­ADO PELO POVO DO MARAN­HÃO”. Ato con­tínuo, feita a chamada, cada Dep­utado, de pé, rat­i­fi­cará o com­pro­misso dizendo: “ASSIM PROMETO”.

Vejam que o primeiro com­pro­misso dos “rep­re­sen­tantes do povo” é man­ter, defender e cumprir a Con­sti­tu­ição do Brasil.

Quando a par­la­men­tar, mesmo den­tro do Par­la­mento, e gozando de todas as imu­nidades que cargo lhe con­fere, se “insurge” con­tra a Con­sti­tu­ição ou defende o oposto do ela esta­b­elece, ao meu sen­tir, pre­cisa ser chamada a atenção, admoes­tada ou sofrer alguma punição.

Pode­ria ter sido na hora, pela pres­i­dente ou por qual­quer outro par­la­men­tar.

A Con­sti­tu­ição do Brasil, que todos eles prom­e­teram, solen­e­mente, man­ter defender e cumprir é bas­tante clara.

Esta­b­elece logo no artigo 5º, que é cláusula pétrea:

Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:

I — homens e mul­heres são iguais em dire­itos e obri­gações, nos ter­mos desta Constituição”.

Vejam que a cabeça do artigo já esta­b­elece como parâmetro a igual­dade entre todos per­ante a lei, não admitindo dis­tinção de qual­quer natureza.

E, como, que para reforçar, o inciso primeiro do mesmo artigo arremata dizendo que homens e mul­heres são iguais em dire­itos e obri­gações.

É de se obser­var que a par­la­men­tar ao pre­gar a “sub­mis­são” da mul­her em relação ao homem defende o oposto do que esta­b­elece a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

A polêmica fala da dep­utada, parece que tinha como “pano de fundo” a “defesa da família” em uma sessão mar­cada para o dia 15 de maio próximo.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, tam­bém, trata da família. No art. 226, está dito: “A família, base da sociedade, tem espe­cial pro­teção do Estado”. E, o pará­grafo quinto do mesmo artigo, arremata: “§ 5º — Os dire­itos e deveres ref­er­entes à sociedade con­ju­gal são exer­ci­dos igual­mente pelo homem e pela mulher”.

Como podemos perce­ber a única “sub­mis­são” exis­tente na sociedade con­ju­gal é a de todos per­ante a Con­sti­tu­ição.

Vive­mos tem­pos “tão banais” que mesmo após a imensa reper­cussão neg­a­tiva da fala e da imagem da dep­utada, a Assem­bleia Leg­isla­tiva não se deu conta da gravi­dade dos fatos emitindo uma nota dizendo a sessão do 15 maio próx­imo será aberta à par­tic­i­pação de “todos e todas”. Ora, seria admis­sível que se vedasse a entrada de mul­heres no par­la­mento para assi­s­tir ou par­tic­i­par de uma sessão (qual­quer que fosse) alu­siva ao Dia da Família? Colo­cariam um car­taz ou alguém para “revis­tar” para con­ferir se ape­nas os “machos” entrariam no recinto?

Sobre o pro­nun­ci­a­mento da dep­utada a nota esclarece tratar-​se de “uma “opinião” da par­la­men­tar, “respeitada” den­tro da plu­ral­i­dade que com­põe o Par­la­mento Estad­ual, que rep­re­senta todos os seg­men­tos da sociedade maran­hense, em suas diver­sas forças políti­cas e lin­has ideológicas”.

Então, pelo que entendi, se temos um seg­mento da sociedade que defende a “sub­mis­são” das mul­heres em relação aos homens, está tudo bem? Dar-​se-​ia o mesmo se tivésse­mos um seg­mento defend­endo a suprema­cia racial? A volta da escravidão, etc.?

Quer me pare­cer que tão grave quanto o pro­nun­ci­a­mento da dep­utada é o posi­ciona­mento insti­tu­cional da Casa e dos seus pares.

Colo­car na cat­e­go­ria de “opinião” ou de “linha ide­ológ­ica” a afronta da Con­sti­tu­ição Fed­eral e Estad­ual, me parece um grave equívoco que poderá trazer out­ros des­do­bra­men­tos.

Entendo que os demais par­la­mentares – menos os que con­cor­dam com o que foi dito –, dev­e­riam ter protes­tado na hora ou encam­in­hado pedido de apu­ração junto ao Con­selho de Ética. Ainda que seja para tal Con­selho dizer a dep­utada que desde a Procla­mação da República, em 1989, a igreja encontra-​se sep­a­rada do Estado; que a fé de cada um é assunto pri­vado e que o Estado deve “se meter” o mín­imo pos­sível, se não, nunca; lembrá-​la que jurou man­ter, defender e cumprir a Con­sti­tu­ição do Brasil; que a “sub­mis­são” defen­dida por ela para as mul­heres não encon­tra amparo em qual­quer dis­pos­i­tivo legal além de aten­tar con­tra a ética e o decoro do cargo.

Nem reputo “mal­dade” na fala da dep­utada, mas, sim ignorân­cia, descon­hec­i­mento sobre a real­i­dade de mul­heres e cri­anças no Brasil e no Maran­hão.

Uma real­i­dade de abu­sos, desigual­dades, vio­lên­cias e vio­lações.

Ao usar como púl­pito a tri­buna da Assem­bleia para pre­gar con­tra a Con­sti­tu­ição Fed­eral e con­tra os avanços civ­i­liza­tórios que tenta igualar em dire­itos e obri­gações os gêneros, a dep­utada presta um desserviço à sociedade e esquece que só tem a opor­tu­nidade para dizer tais enormi­dades graças a luta incan­sável de out­ras mul­heres que a pre­ced­eram.

Para ela, as palavras do Cristo pre­gado na cruz: “per­doai, eles não sabem o que fazem”.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.