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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 18 de Abril de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUM DIA, acredito que mais cedo do que muitos imaginam, iremos nos perguntar: o que acabou primeiro, a Justiça ou a democracia? 

E, então, talvez, nos daremos conta que a própria civilização também chegou ao fim.

A frase de François Guizot que quase se torna um aforismo jurídico – antes que alguém desista por não saber o que é aforismo esclareço tratar-se de uma máxima ou sentença que em poucas palavras contém uma regra ou um princípio de alcance moral –, sentencia: “quando a política adentra aos recinto dos tribunais, a justiça se retira por alguma porta”. 

O presente texto é o preâmbulo de uma abordagem filosófica para uma desgraça que assombra os democratas e as sociedades modernas: a interferência política na justiça e/ou a interferência da justiça na política.

Como dizia um antigo professor: a ordem dos fatores não altera o resultado final, que sempre será a aniquilação de ambos. 

Quando se ensinava direito e quando se aprendia o Direito, éramos apresentado que as leis deveriam ser o suficientemente claras para que os cidadãos comuns as compreendessem, soubessem o que era certo e o que era errado e concordasse com aquilo.

O “pacto social” entre Estado e cidadãos regido por um conjunto de normas que, razoáveis e justas, a todos submetem. 

Nesse tempo, também, se aprendia que as sociedades modernas adotavam como modelo o sistema de poderes independente e harmônicos entre si, nos quais o Legislativo, o Executivo e o Judiciário tinham cada um o seu papel a ser desempenhado seguindo aquele conjunto de normas razoavelmente estabelecidas e aceitas pela sociedade. 

De outro mestre de igual sabença colhia-se a lição: — duvidem de leis complexas e de interpretações rebuscadas, a baliza da lei é a compreensão do homem médio, aquilo que o cidadão comum, mesmo sem muito ou estudo nenhum, compreende como aceitável. A lei não pode conter charada ou pegadinhas. 

Ao longo dos séculos sempre que um líder ou grupo político tentou ou conseguiu manipular ou dominar os demais poderes o resultado alcançado foi regime autoritário, ditadura, destruição da sociedade. 

O mundo vive novamente sob esse espectro.

Em diversos países do mundo assistimos líderes ou seus partidos políticos tentarem manipular os demais poderes, sobretudo, o Poder Judiciário. 

Mesmo democracias que se reputavam consolidadas enfrentam estágios de manipulação ou dominação da Justiça. 

O pior é que, para muitos, isso é tido como uma prática normal. Agora mesmo, nos Estados Unidos, o bilionário Elon Musk, como já fizera nas eleições presidenciais, tentou, com o seu imenso poderio econômico, influenciar na escolha de um juiz para a Suprema Corte de um dos estados – felizmente, sem êxito. Dizem que gastou cerca de 25 milhões de dólares na tentativa de influir no resultado final da escolha dos cidadãos pois lá os juízes são eleitos. 

Nos mesmos Estados Unidos – outrora referência de democracia consolidada –, assistimos decisões sendo desrespeitadas e mesmo o enfrentamento das decisões pelo poder político do governante de plantão. 

E, mais, juízes e procuradores sendo coagidos e constrangidos pelo Departamento de Justiça e o próprio presidente falando em impeachment de juizes. 

Os excessos em quererem controlar as decisões judiciais chegou a tal ponto que o presidente da Suprema Corte, de quem pouco se ouve falar, manifestou-se publicamente para dizer que o impeachment não é o meio adequado para substituir os recursos judiciais. 

Vejam, isso vem acontecendo naquela que já foi considerada como um modelo de democracia para o mundo ocidental. 

Estamos diante da política (ou politicagem) “arrobando” os pórticos da Justiça. 

Em diversos outros países o Poder Judiciário – e com ele as noções de Justiça e Direito que aprendemos –, vem sendo aniquilado para atender aos interesses políticos da força dominante. Fazem isso mediante a substituição de juízes (muitos, inclusive, sendo presos ou exilados), o aumento da composição das cortes para acrescentar os “seus” ou através de alterações nas leis para submeter as decisões judiciais aos interesses políticos de quem se encontra no poder. 

Em todos esses países o que temos assistido é a consolidação de ditaduras, modelos de governos autoritários onde as minorias sociais e/ou os opositores são afastados do poder – mesmo que tenham sido eleitos –, ou presos sem qualquer base legal ou crime cometido. 

Aliás, o “crime” é ser oposição ao governo e/ou uma ameaçar a hegemonia do seu poder. 

Nas últimas décadas o Brasil vem avançando no seu “projeto” de destruição da Justiça. Talvez muitos dos artífices de tal projeto nem se dêem conta disso, seguem na linha do “todo mundo faz  por que não eu?”. 

Assim, esses governantes, das mais variadas esferas de poder vão preenchendo os cargos de juízes dos tribunais com pessoas que, a despeito de suas capacidades técnicas, possuem uma vinculação política e/ou pessoal ou de parentesco com aquele que o indicou. 

Isso acontece desde sempre, é verdade, mas nunca com esse nível de vinculação. De cima a baixo em todos os tribunais de justiça ou de contas, os governantes de plantão não têm constrangimento de “colocar os seus” e até mesmo de “quebrarem lanças” por essas nomeações, e se tiverem o mesmo sangue, melhor, bem melhor. 

Em tempos idos, ainda me recordo, ninguém questionava uma decisão judicial. Mesmo que dela se discordasse, buscava-se os recursos cabíveis, tinha-se, por certo, que aquele era o entendimento do julgador a quem se deveria respeitar.

Não passava pela cabeça de ninguém que por trás da decisão se escondiam interesses políticos e/ou de outros matizes. 

Hoje, mesmo decisões do Supremo Tribunal Federal, vemos sendo esquadrinhadas nas mesas de bares com questionamentos sobre suas motivações. 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal possuíam tal grau de respeitabilidade e de ilibada conduta que a ninguém – do camponês mais rude ao presidente da República –, passava pela cabeça duvidar da seriedade de uma de suas decisões. 

Hoje, repito, com ou sem razão, se esquadrinha decisões com a mesma intensidade que se questiona a arbitragem de uma partida de futebol. 

A democracia brasileira vai perdendo um dos seus ativos mais caros: a credibilidade das decisões judiciais. 

Conforme costumo dizer: a justiça na qual ninguém confia não é justiça. 

A “descredibilização” da justiça é o caminho mais curto para implantação de regimes autoritários, de ditaduras, onde todos poderes, inclusive, o de dispor sobre os bens, a liberdade e a vida das pessoas, se concentram na mão do ditador e daqueles no seu entorno. 

O mundo está cheio desses exemplos, não são apenas exemplos históricos, são, também, exemplos atuais, que estão acontecendo enquanto escrevo esse texto. 

O fenômeno global de “desacreditar” a Justiça – e, podemos citar como exemplo, EUA, Rússia, China, Venezuela, Cuba, El Salvador, Nicarágua, Turquia, Hungria, até a França –, encontra no Brasil o mais fértil dos terrenos, basta ver os últimos números sobre a credibilidade do Judiciário brasileiro. 

Não faz muito tempo, em 8 de janeiro de 2023, a turba enfurecida dispensou ao STF o mesmo tratamento dado aos outros poderes: invadiram, vandalizaram, destruíram, além de outros comportamentos escatológicos que ficaram registrados. Não duvido que se tivessem encontrado por lá algum ministro o teriam linchado. 

Dentro e fora do Judiciário mas gravitando em seu entorno, vemos pessoas se devotando aos regimes autoritários, defendendo ditaduras, viradas de mesa, supressão da democracia. 

Quer me parecer que ninguém consegue entender que a Justiça é a última trincheira da democracia e da liberdade. Parece-me que nem mesmo o Poder Judiciário tem essa compreensão, pois se tivesse buscaria a autopreservação. Não faz isso, dia após dia, alimenta os escândalos com benesses e penduricalhos injustificados, com decisões absurdas e com comportamentos incompatíveis. 

Não duvidem, logo, logo, estaremos fazendo a pergunta que fiz no início do presente texto. 

Abdon C. Marinho é advogado.