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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 05 de Maio de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


UMA GUERRA DESUMANA.

Por Abdon C. Marinho*.

DURANTE a semana, em uma plataforma de streaming, assisti ao filme Golda - A Mulher de Uma Nação, que retrata a guerra do Yom Kippur, em 1973, quando Sírios e Egípcios, aliás, as duas nações atacaram nesse feriado o Estado Israelense. 

Trata-se de um filme sobre a aquela guerra sem ser um filme de guerra. Mostra o conflito a partir da visão da primeira mulher a ocupar o posto de primeira-ministra de Israel – de 1969 a 1974, já com 70 anos de idade, enfrentando problemas graves de saúde –, tendo que tomar decisões de alto risco que poderiam significar, inclusive, a extinção do estado judeu. 

No filme o papel de Golda Meir é desempenhado pela extraordinária Helen Mirrem, que de tão perfeita na caraterização temos dificuldades para  identificar (eu mesmo só fui saber quem era quando vi nos créditos). 

Golda Meir era judia ucraniana que viveu de 1898 a 1978, antes de migrar para a Palestina, em 1921 - e depois -, assistiu a perseguição contra os judeus na Europa Ocidental durante a infância e juventude. Durante a guerra do Yom Kippur, como diplomata experiente, Golda mostrou forte liderança e habilidade ao conduzir o conflito, que, como já dito acima, poderia ter culminado como o fim de Israel. Já com a saúde debilitada renunciou a cargo de primeira-ministra em 1974 e faleceu, aos 80 anos, em 1978. Em setembro do ano de sua morte ocorrida em dezembro, foi assinado o primeiro acordo de Camp David, entre Egito e Israel, que rendeu aos líderes dos dois países (Anwar Sadat e Menachem Begin) o Prêmio Nobel da Paz de 1978. 

Fui “conhecer” Golda Meir dez anos depois da sua morte, nos anos 1988/89, quando durante alguns meses fiz o preparatório para o vestibular no cursinho do professor José Maria do Amaral, na Rua dos Afogados. O professor José Maria do Amaral é um grande entusiasta da “causa judaica” e uma espécie de fã número um da antiga primeira-ministra de Israel, citando-a sempre que surgia oportunidade nas suas aulas ou nos intervalos das mesmas. Como se fosse hoje, lembro que pronunciava o nome dela “carregando” no sobrenome Golda “meiiir”. Nunca esqueci. 

Acredito que a partir dessa “introdução” passei a interessar-me mais pelos acontecimentos do Oriente Médio. Li diversos livros, artigos, assisti outros filmes e séries sobre os inúmeros conflitos entre Israel e seus vizinhos (acho que tem um livro ou filme com esse nome). Com o saudoso amigo e jornalista Walter Rodrigues, sobretudo depois da primeira intifada, fizemos muitos debates sobre os conflitos e guerras daquela região. WR dizia com certa mofa ter certeza que não existiria uma única pedra no Oriente Médio que não tivesse já sito atirada contra alguém. 

Embora já tenha tratado aqui, mais de uma vez, da atual guerra que se desenvolve em Gaza, a estreita faixa que funciona como uma prisão ou campo de concentração para mais de dois milhões de palestinos, o filme assistido sobre a Guerra do Yom Kippur e, principalmente, o papel dos líderes do país daquele momento e de agora me permitiram fazer um paralelo entre os dois conflitos, inclusive, para dizer que, quem nasceu Bibi Netanyahu jamais será Golda Meir. 

O homem (ou mulher) é a sua história e circunstâncias. Isso também serve para os acontecimentos históricos. 

Quando fazemos os recortes dos fatos ocorridos no final dos anos sessenta e setenta e que culminam com a Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973; e o ataque terrorista de 07 de outubro de 2023 que culminaram na guerra atual, vemos que há um grave descompasso. 

A despeito de termos sérias controvérsias sobre a gestão de Golda Meir e mesmo as mortes de palestinos durante a gestão e principalmente durante a guerra, nada se compara ao que vem ocorrendo. 

Em outubro de 1973, tínhamos dois países, Egito e Síria, no norte e no sul, atacando de surpresa o Estado Israelense com vistas à sua aniquilação, a sua extinção enquanto estado soberano. 

Em outubro de 2023, tivemos um grupo terrorista, Hamas, promovendo um ataque contra Israel. Ataque bárbaro, inqualificável mas, que, independente de qualquer coisa, muito longe esteve de se comparar aos ataques do Yom Kippur. 

Logo, a reação de Israel a tal ataque não poderia ser nos moldes que vem se desenrolando com a população civil sendo aniquilada à desculpa de combater o Hamas. 

O Hamas, registre-se, é um grupo terrorista que ganhou “musculatura” política e militar graças ao apoio de Israel. 

Até o dia que assisti o filme (acho que dia 10 de janeiro), o número de mortos palestinos na guerra já alcançava a horrenda quantia de 23 mil vítimas, destas, setenta por cento, repito, SETENTA POR CENTO, mulheres e crianças. Os demais mortos, não estamos dizendo terroristas,  mas, civis. 

Isso tudo em apenas 90 dias de guerra. 

Quem assiste a guerra de longe, pode achar que é apenas um número, uma estatística. Mas, imagine empilhar os corpos de 17 mil mulheres e crianças. Imagine visualizar tal cena. 

Quantos terrorista as forças armadas de Israel eliminou para justificar a matança de civis? Dezessete mil só de mulheres e crianças? 

Sob qualquer aspecto que examine a questão não consigo encontrar uma justificativa razoável para aceitar que para eliminar um punhado de terroristas se matem tantos civis. 

E não se trata apenas de mortes em si, já terríveis, estamos falando de quase dois milhões de pessoas desalojadas, assombradas, vivendo na certeza de logo podem ser as próximas vítimas; estamos falando de milhares de feridos passando por tratamentos médicos sem as mínimas condições; estamos falando da fome, da sede e do frio a que estão submetidas essas pessoas. 

O ataque terrorista do Hamas, por mais violento e abjeto que tenha sido não justifica a reação desproporcional do estado israelense contra os civis palestinos. 

Não é desculpa dizer que os terroristas utilizam os civis como “escudos humanos”. São quase 25 mil civis mortos, setenta por cento de mulheres e crianças. 

Não existe justificativa para isso. 

Muito mais cedo do que tarde a história cobrará dos envolvidos a responsabilidade de cada um. Cobrará o fato dos líderes do mundo apoiarem ou silenciarem diante de tanto sofrimento imposto aos inocentes. 

Como disse anteriormente, não há justificativa plausível para Israel eliminar tantos civis inocentes com a desculpa de que combate o grupo terrorista que o atacou. 

Isso fica muito mais evidente quando fazemos os comparativos entre os dois recortes históricos   e mais ainda quando comparamos os homens e mulheres e aquilatamos suas reações ao redor do mundo. 

Em boa hora – embora já tardiamente –, a África do Sul protocolou denúncia no Tribunal Penal Internacional contra Israel, medida apoiada pelo Brasil. 

Toda guerra é desumana. A guerra da Rússia contra a Ucrânia, por exemplo, é outra aberração histórica que já causou milhares de mortos mas que diante do que vem ocorrendo em Gaza parece um “acontecimento distante”. 

Os cidadãos de bem precisamos deixar claro que não estamos de acordo com o que vem acontecendo no mundo. Precisamos externar isso de forma bastante firme. Precisamos que nossas vozes façam cessar as barbáries.

Abdon C. Marinho é advogado.