AbdonMarinho - A EMARANHADA IDEIA DOS GRÊMIOS ESTUDANTIS CHAPA BRANCA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 27 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A EMARAN­HADA IDEIA DOS GRÊMIOS ESTU­DAN­TIS CHAPA BRANCA.

A EMARAN­HADA IDEIA DOS GRÊMIOS ESTU­DAN­TIS CHAPA BRANCA.

Por Abdon Mar­inho.

POR ESTES dias os opos­i­tores ao gov­erno denun­cia­ram o uso da estru­tura estatal para cri­ação de grêmios estu­dan­tis que, segundo estes denun­ciantes, nada mais seria que um ali­ci­a­mento de mil­hares de jovens para a cam­panha do gov­er­nador comu­nista, can­didato à reeleição. Neste propósito reunira cen­te­nas de ado­les­centes na cap­i­tal num encon­tro inti­t­u­lado: “Emaran­hando Son­hos: I Encon­tro Estad­ual de Grêmios Estu­dan­tis do Maranhão”.

À guisa de defesa a Sec­re­taria de Estado da Edu­cação, emi­tiu nota ofi­cial, onde assenta que este é um dos eixos da edu­cação den­tro do enten­dem como gestão esco­lar democrática; que o gov­erno insti­tuiu o “Pro­grama Mais Grêmios”; que per­cor­reu 19 Unidades Region­ais de Edu­cação com mais de 10 mil jovens em debates sobre infraestru­tura, ali­men­tação esco­lar e out­ros; que o “Emaran­hando” é o resul­tado de um processo de diál­ogo per­ma­nente entre a sec­re­taria e os estu­dantes implan­tado na atua gestão; que no final do encon­tro foi entregue ao gov­er­nador as deman­das da juven­tude estu­dan­til.

Con­forme se extrai da nota ofi­cial, quer me pare­cer que, por descon­hec­i­mento ou de forma delib­er­ada, o gov­erno estad­ual esta­b­ele­ceu ofi­cial­mente, através de um pro­grama público, o “Mais Grêmios”, uma estraté­gia para coop­tação de jovens estu­dantes para o seu pro­jeto político de reeleição ou mais grave, para o pro­jeto político per­ma­nente do seu partido.

Veja, se fosse a intenção do gov­erno reforçar a “gestão democrática” da esco­las estad­u­ais, o meio cor­reto seria o for­t­alec­i­mento dos con­sel­hos esco­lares (e tem diver­sos) com a par­tic­i­pação dos dis­centes, docentes, setores admin­is­tra­tivos, os pais dos estu­dantes e a rep­re­sen­tação do Seduc; e mais, seria dotar as esco­las de por­tais próprios de transparên­cia onde os gas­tos e aproveita­mento do inves­ti­mento do con­tribuinte estivesse ao alcance de todos, sejam estu­dantes, sejam pro­fes­sores, seja a comu­nidade de uma forma geral.

A par­tir do momento que o gov­erno cria um pro­grama estatal para fomen­tar a cri­ação de grêmios estu­dan­tis – e os estu­dantes inad­ver­tida­mente aceitam tal tutela –, estar se fazendo jus­ta­mente aquilo que sem­pre o movi­mento estu­dan­til com­bateu: a intro­mis­são do Estado naque­las que são ini­cia­ti­vas autôno­mas da sociedade civil, no caso os estu­dantes, garan­ti­das em lei.

A menos que este­jamos falando de “Grêmios Chapa Branca”, ou como se dizia antiga­mente, “pele­gos”, que se vestem de defen­sores dos estu­dantes, mas que na ver­dade suas lid­er­anças estão a serviço de gov­er­nos ou de pro­je­tos políti­cos eleitorais ou par­tidários.

Este, aliás, sem­pre foi o sonho mais dese­jado pelo par­tido do gov­er­nador, Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, através do seu braço juve­nil, a União da Juven­tude Social­ista, mais con­hecida por UJS.

Ao que me parece – espero estar errado –, o gov­erno estad­ual, através de um pro­grama ofi­cial, cumpre uma “mis­são” par­tidária nefasta que é, com a des­culpa e o dis­curso bonito, de for­t­alec­i­mento da par­tic­i­pação juve­nil na gestão “esco­lar democrática”, inserir seus sim­pa­ti­zantes den­tro destes grêmios para que o par­tido tenha con­t­role de tais orga­ni­za­ções e tra­bal­hem, doutri­nar­i­a­mente, a eleição dos seus membros.

Só isso jus­ti­fi­caria a cri­ação de pro­grama estatal para ori­en­tar e fomen­tar a cri­ação de grêmios estu­dan­tis.

Estes grêmios devem exi­s­tir, é uma neces­si­dade que exis­tam, mas sem a inter­venção de gov­er­nos e par­tidos – até para que pos­sam man­ter sua inde­pendên­cia –, por ini­cia­tiva dos estu­dantes.

Quando muito con­tar com o apoio de enti­dades que con­greguem tais enti­dades.

Soa pre­ocu­pante quando vemos a ini­cia­tiva ofi­cial do Estado em relação a estes organ­is­mos.

A inde­pendên­cia, a autono­mia, a liber­dade é a própria essên­cia dos grêmios estu­dan­tis.

Ainda lem­bro, como se fosse hoje, o tra­balho que tive­mos, eu e out­ros cole­gas, para a cri­ação de grêmios estu­dan­tis na nossa cap­i­tal.

Cor­ria o ano de 1985, já no segundo semes­tre – ou um pouco antes –, ini­ci­amos a dis­cussão para cri­ação dos grêmios do Liceu Maran­hense, Barce­lar Portela, Gonçalves Dias, Escola Téc­nica Fed­eral do Maran­hão, entre out­ros.

A lei que autor­izaria o fun­ciona­mento de tais enti­dades, ainda era uma promessa, estava em dis­cussão no Con­gresso Nacional e só viria a ser san­cionada em novem­bro daquele ano, a Lei 7.398, de 4 de novem­bro de 1985.

A nossa movi­men­tação era toda “clan­des­tina” nos reuníamos, no caso do Liceu Maran­hense, num canto da quadra, debaixo de uma árvore, ao lado da escola. Out­ras vezes, e para dis­cussões mais amplas nos reuníamos na Casa do Estu­dante Secun­darista, na Rua do Pas­seio, na maio­ria das vezes naquela varanda da frente.

No fim daquele ano ou iní­cio de 1986, o Grêmio do Liceu Maran­hense, que após votação rece­beu o nome de Aluízio de Azevedo, estava fun­dado. Out­ros, no mesmo período ou logo em seguida, tam­bém estavam fun­cio­nando.

Uma vitória graças ao empenho de estu­dantes como eu, Ronald Pereira, Josué Sousa, Marcelo, Bispo Júnior e tan­tos out­ros que, pas­sa­dos tan­tos anos, a memória me trai.

Foi um movi­mento de estu­dantes para estu­dantes. Ape­sar das insistên­cias, nunca per­miti­mos a inter­fer­ên­cia de par­tidos políti­cos den­tro do Grêmio ou no movi­mento para cri­ação destas enti­dades noutras esco­las.

Eram tem­pos difí­ceis, ape­sar da lei garan­ti­ndo a cri­ação dos grêmios, os dire­tores de esco­las relu­tavam em aceitar este mod­elo de orga­ni­za­ção, preferindo incen­ti­var a cri­ação dos “Cen­tros Cívi­cos” ou out­ros organ­is­mos com menos autono­mia ou mais queda­dos ao não enfrenta­mento do poder insti­tuído na busca dos dire­itos dos estu­dantes.

Foi uma “guerra”, por exem­plo, con­seguirmos uma sala que estava des­ocu­pada no Liceu Maran­hense, para pas­sar­mos a fun­cionar após a cri­ação do nosso Grêmio Estu­dan­til.

Ape­sar do esforço, naque­les primeiros anos não tive­mos êxito na cri­ação de Grêmios Estu­dan­tis nas prin­ci­pais esco­las pri­vadas da cap­i­tal que prefe­riam as ini­cia­ti­vas ofi­ci­ais dos Cen­tros Cívi­cos.

A lei que autor­i­zou a cri­ação dos grêmios, já referida, e que veio na esteira das diver­sas promes­sas de Tan­credo Neves, de mais democ­ra­cia e liber­dades soci­ais, tais como o fim do bipar­tidarismo, a autor­iza­ção de fun­ciona­mento dos par­tidos comu­nistas, etc., é bem sim­ples, com ape­nas três arti­gos, onde con­sta: “Art . 1º — Aos estu­dantes dos esta­b­elec­i­men­tos de ensino de 1º e 2º graus fica asse­gu­rada a orga­ni­za­ção de Estu­dantes como enti­dades autôno­mas rep­re­sen­ta­ti­vas dos inter­esses dos estu­dantes secun­daris­tas com final­i­dades edu­ca­cionais, cul­tur­ais, cívi­cas esporti­vas e soci­ais. § 2º — A orga­ni­za­ção, o fun­ciona­mento e as ativi­dades dos Grêmios serão esta­b­ele­ci­dos nos seus estatu­tos, aprova­dos em Assem­bléia Geral do corpo dis­cente de cada esta­b­elec­i­mento de ensino con­vo­cada para este fim. § 3º — A aprovação dos estatu­tos, e a escolha dos diri­gentes e dos rep­re­sen­tantes do Grêmio Estu­dan­til serão real­izadas pelo voto direto e secreto de cada estu­dante observando-​se no que cou­ber, as nor­mas da leg­is­lação eleitoral. Art . 2º — Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art . 3º — Revogam-​se as dis­posições em contrário.”

A lei, emb­ora sim­ples, garante um dire­ito aos estu­dantes de se orga­ni­zarem através de enti­dades autôno­mas, qual seja, livre da inter­fer­ên­cia de quem quer que seja.

Os estu­dantes têm esse dire­ito, assim como, de dis­por sobre sua orga­ni­za­ção e fun­ciona­mento através de estatu­tos aprova­dos em Assem­bleia Geral con­vo­cadas com esta final­i­dade.

Assim, a cri­ação dos grêmios estu­dan­tis são fac­ul­dades dos estu­dantes e não uma imposição estatal. Aliás, o pará­grafo primeiro do artigo primeiro da lei foi vetado pelo pres­i­dente da República de então, José Sar­ney, por con­ter essa obri­ga­to­riedade, essa imposição, que os estu­dantes fos­sem com­peli­dos, ainda que não quisessem, a cri­arem grêmios.

Vejam que curioso, há trinta e três anos, e antes, por­tanto, da Con­sti­tu­ição de 1988, os gov­er­nantes tin­ham a com­preen­são que estas orga­ni­za­ções estu­dan­tis dev­e­riam ser livres e autôno­mas, nascerem da von­tade livre e sober­ana dos estu­dantes, sem imposição ou inter­fer­ên­cia, ainda que através de lei, do poder estatal.

Não parece esquisito que tanto tempo depois um gov­erno estad­ual – ainda que se diga com as mel­hores das intenções –, tente inter­ferir nesta matéria? Será que não con­hecem a história do movi­mento estu­dan­til? Será que querem colo­car as enti­dades par­tidárias ou seus agentes den­tro das esco­las? Trata-​se-​á de uma mis­são só eleitoral ou tam­bém é partidária?

Uma coisa que me chamou a atenção no tal encon­tro foi o tit­ulo: “Emaran­hando Son­hos”. Fui bus­car o sen­tido da palavra e desco­bri que sig­nifica: 1 Misturar(˗se) des­or­de­nada­mente; embaraçar(˗se), enredar(˗se): 2 Tornar(˗se) con­fuso e com­pli­cado; atrapalhar­‑se, complicar‑se.

A intenção do gov­erno talvez esteja refletida nas duas acepções do verbo “emaranhar”.

O Maran­hão, defin­i­ti­va­mente, é a terra das esquisitices.

Abdon Mar­inho é advo­gado.