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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

Reflexões para a democracia. 

Por Abdon C. Marinho*.

HÁ POUCO mais de três anos, se não me falha a memória, 10 de janeiro de 2021, escrevi sobre a tentativa de insurreição nos EUA. O texto teve como título “Os EUA vivem seu dia de República de Bananas” e abordava a gravidade que fora a invasão do Congresso Americano pelos aliados do presidente derrotado Donald Trump – insuflados, claramente, pelo próprio –, para impedirem a certificação do resultado das urnas e confirmar a eleição de Joe Biden. 

As imagens em tempo real da ação dos insurrectos mostravam cenas típicas das republiquetas da América Central, América do Sul, do Caribe ou de alguma nação perdida nos cafundós da África. Os parlamentares tiveram que ser retirados às pressas do plenário para locais seguros, enquanto vândalos depredavam tudo que encontravam pela frente. 

Quem em sã consciência iria imaginar tais cenas na nação que sempre foi reconhecida pela solidez de sua democracia? As cenas remetiam a tudo, menos que se estávamos assistindo a um atentado ao coração da democracia americana. 

Ao saldo de tudo, quatro ou cinco mortos, dezenas de feridos e a certeza de que nem mesmo a democracia mais importante é consolidada do mundo encontra-se imune às ondas do radicalismo que alastra pelo mundo. 

As forças de segurança identificaram e prenderam os participes da “tentativa de golpe” e justiça do país, até aqui, já condenou e mandou para cadeia (com penas altas) grande parte deles. 

Uma comissão do Congresso Americano que apurou os fatos ocorridos em 06 de janeiro de 2021 apontou responsabilidade do ex-presidente Trump que responde em diversos estados as diversas acusações civis e criminais – inclusive a de atentar contra a democracia americana –, mas que segue candidato pelo Partido Republicano (com chances de vitória), ainda que seja condenado por delitos de tamanha gravidade. 

Dois anos depois da – por assim dizer –, “tomada do Capitólio” foi a vez da “graça” chegar nas terras tupiniquins. Milhares de brasileiros “fantasiados” de patriotas acharam que deveriam invadir e depredar as sedes dos três poderes da República. 

Na defesa dos que foram presos – e alguns já condenados a duras penas –, alegam que há excesso na aplicação da lei; que aqueles atos foram apenas “um piquenique que deu errado”; que badernas como aquela Brasília já estava “cansada” de assistir. 

Pois bem, lá atrás, acho que em meados de 2022, escrevi um texto onde dizia que com a democracia não se deveria brincar, o título é mais ou menos esse, caso alguém deseje pesquisar. 

Caso examinemos isoladamente apenas os acontecimentos no dia 8 de janeiro de 2023, sabemos que aquelas pessoas, sozinhas, “armadas” com paus e pedras não teriam como “tomarem” o poder. Na verdade, acredito, que muitos não passaram de inocentes úteis utilizados como “bucha” para desencadearem algo maior – que não aconteceu. 

A “baderna” era o estopim – ou a última cartada de pressão –, para que outros agentes entrassem em ação e promoverem a ruptura. 

Hoje sabemos que generais fardados (ou de pijamas) tramaram por um golpe de estado; sabemos que estes mesmos – e outros –, tinham as demais instituições da república como “inimigas”; sabemos que uma minuta de golpe surgida lá atrás não se tratava apenas de um exercício retórico; sabemos que a mobilização, por sessenta dias, em frente aos quartéis não era um movimento espontâneo; sabemos que empresários, militares e tantos outros pressionaram por uma ruptura; sabemos que adversários políticos, autoridades civis dos demais poderes e até aliados do então governo estava, sendo bisbilhotados e monitorados ilegalmente pela chamada “Abin paralela”. 

A ousadia foi tamanha que gravaram uma reunião para tratar de golpe de estado, virada de mesa,  contato direto com o inimigo, e tudo mais. 

Quem teve tempo – e disposição –,  para assistir a “reunião do golpe” que foi disponibilizada pelo STF, deve ter percebido que, exceto pelas baixarias e palavrões, o “colóquio” faz lembrar aqueles filmes da Segunda Guerra Mundial, onde os nazistas discutiam sobre os passos da guerra ou a solução final para os judeus, homossexuais, ciganos, etc., enquanto degustavam pratos e bebidas ou fumavam um charuto. 

Muito vagamente, até pelo que disse acima,  me lembrou o clássico “Vestígios do Dia”. 

Esses dois exemplos, seja o americano, seja o brasileiro, sevem para mostrar o quanto são frágeis os arranjos democráticos na atualidade. 

Mesmo democracias consolidadas passam por situações como as que estão narradas. 

Os seres humanos são capazes de tudo por suas próprias ambições. A principal dela é pelo poder. Não é de hoje a frase de que poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. 

Normal – mas não moral –, que aqueles que estejam no poder não queiram deixá-lo relativizem as regras democráticas para não “largarem o osso”. 

Mas a  democracia, como disse no texto já referido e repito aqui, é coisa séria, não comporta determinados “fetiches” e, talvez, prescinda de mecanismos legais que a proteja de projetos autoritários. 

Vejamos o ocorrido nos EUA, à míngua de qualquer prova, o presidente de plantão alegava fraudes inexistentes para manter-se no poder. 

Esse “desejo” mobilizou cidadãos radicais de todo o país e os fez invadir o prédio do congresso causando a situação descrita no início e que rendeu no final daquele dia perdas de vidas humanas, e depois a prisão e condenação de centenas deles. 

Não canso de dizer que isso aconteceu numa nação que tinha a democracia solidificada há mais de 200 anos. 

Nem mesmo essa solidez impediu o dia de vergonha americana para o mundo. E é essa mesma solidez que permite ao ex-presidente Trump que mesmo condenado por acusações criminais diversas possa ser candidato à presidência novamente e até ser eleito. 

No caso do Brasil, talvez pelos sustos que já passamos ao longo da nossa história republicana, temos mecanismos que suspendem os direitos políticos em determinadas situações, como é o caso do ex-presidente da República já inelegível até o ano de 2030, se outras condenações não surgirem na esteira das investigações já em curso e aumentarem esse prazo.

Essas duas situações em relação as democracias americana e brasileira são o objeto da minha primeira reflexão. 

Muito embora ainda estejamos falando em tese, nada impede que Donald Trump apesar de claramente ter atentado contra a democracia americana concorra e até venha a ganhar as eleições – sem qualquer garantia de que não tente novamente promover um golpe. Ele próprio já disse que gostaria de exercer poderes ditatoriais por um dia para fazer determinadas coisas. 

Apesar disso, pelo que tenho acompanhado, a Suprema Corte daquele país vai caminhar no sentido de dizer que a proteção da democracia é papel dos cidadãos americanos e não do Judiciário e que impedir que esse ou aquele cidadão – por mais grave que tenha sido os delitos cometidos –, tem o direito de concorrer as eleições porque impedir feriria os direitos dos cidadãos/eleitores. 

A Suprema Corte ainda não  decidiu sobre a “elegibilidade de Trump”, essa é uma conjectura que faço. 

Já no Brasil há várias previsões de inelegibilidade dos seus cidadãos. 

Quem estará certo? 

Como proteger – e se devemos proteger –, as democracias dos projetos de poder dos tiranos? 

Ainda que não seja oportuno “fechar questão” sobre o certo e o errado, os exemplos das democracias que foram destruídas “de dentro pra fora” estão aí à vista de todos. 

Eleição não é, por si, garantia de democracia ou de liberdade. 

Vejo inúmeros defensores de ditaduras, de direita ou de esquerda, dizerem que o ditador fulano ou beltrano foi eleito e que, por isso, tem a legitimidade para fazer o que quiser. 

Não é assim que as coisas funcionam ou são. 

O Iraque tinha eleições regularmente as quais Saddam Hussein ganhava com quase cem por cento dos votos; na  Coreia do Norte o líder supremo é adorado como um Deus; na Venezuela com eleições previstas para esse ano (ainda sem data) os opositores foram excluídos do processo; na Rússia sequer se fala em opositor, o último grande nome, Alexey Navalny, foi morto na prisão aos 47 anos de idade. Nas eleições do próximo mês Putin deverá ganhar de “lavagem” e ficar no poder até os fins dos seus dias. 

Navalny foi o último exemplar de oposição russa com capilaridade nacional – e por isso foi morto –, outro não surgirá enquanto o autocrata Putin não cair ou morrer. 

E assim são tantos outros exemplos. 

É dizer, repito, em tempos extremos, as democracias, em todos os lugares, encontram-se ameaçadas cabendo aos cidadãos de bem exercerem a vigilância das liberdades individuais antes que sobrevenham os males maiores. 

Abdon C. Marinho é advogado.