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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A MORTE DOS INOCENTES. 

Avisaram-me sobre a reportagem da rede Record dando conta da morte de quase duas centenas de recém-nascidos na maternidade de Caxias. Em sendo verdadeiros os números, tratar-se-á de algo que transbordará do erro médico, da incompetência, do desleixo, para se abrigar na fronteira do crime, do assassinato de inocentes. Algo de tal forma dantesco que só encontrará paralelo no episódio bíblico da matança dos inocentes determinada por Herodes. 

Mais que o drama das famílias que perderam seus filhos para morte, chocou-me mais a situação das crianças que ficaram cegas, pois estas, carregarão para sempre o sofrimento causado pela perda da visão.

Ocorrerem mais duas vezes a média de mortos por mil nascidos vivos, quando sabemos que a média nacional já é uma das mais altas do mundo, é algo sério demais para, ao menos admitir-se que se faça uso político do episódio, como aos que acompanhei após a divulgação da matéria através de debates no parlamento estadual ou através de algumas mídias, nas quais, usaram a reportagem para atacar o atual governo. 

Governante algum, mesmo aqueles que nada têm com o episódio pode se exonerar desta responsabilidade, pois está é uma responsabilidade que atinge até aos cidadãos comuns. A morte dos inocentes, como narradas, é algo que envergonha a todos nós. Não exonera a ninguém e até mesmo o atual governo, que apesar de só ter travado conhecimento do problema agora, tem a sua parcela de responsabilidade, inclusive a de silenciar diante de tais fatos.

Entretanto, é bom que se registre, a matéria veiculada pela rede Record foi uma pauta já explorada pela rede Bandeirantes em meados do ano passado e que, apesar da ampla divulgação, as autoridade do município, do estado e federais, fizeram ouvidos moucos. Já no ano passado foi divulgado um número de óbitos bem superior ao normal e, tanto a SES quanto o Ministério da Saúde não se prontificaram para investigar as motivações de tantos óbitos numa maternidade tida como de referência para o sistema de saúde.  

Assim, se a responsabilidade, como querem fazer crer alguns iluminados da mídia ou do parlamento estadual, é do atual governo, mais razão têm os dizem sê-la do governo anterior, que se manteve omissa por todo o ano de 2014, inclusive após a eclosão da denúncia em meados do ano passado. Claro que travar o debate neste nível, com tantas vidas perdidas e em jogo é algo que envergonha tanto quanto a própria morte dos inocentes e só interessa aos politiqueiros de plantão. 

Voltando ao que realmente interessa, o certo, em todo caso, é que, a menos que as autoridades comprovem que a reportagem não faz justiça à verdade dos fatos – a rede de televisão errou, por exemplo, ao apresentar o município de Belágua como um dos mais pobres do Brasil quando o município em questão melhorou mais de setenta posições no ranking do IDHM divulgado em 2013 –, não há o que dizer,  a não ser que pedem desculpas aos familiares das vítimas, à sociedade maranhense e brasileira. Um pedido de desculpas que deverá vir de todos que tiveram participação direta ou indireta no episódio. 

Como explicar que desde muito tempo morriam mais que o dobro de crianças numa maternidade de referência e as autoridades municipais, estaduais ou federais ligadas à saúde não se deram conta? A maternidade não notificou ninguém? A SES não acompanhava o que acontecia na rede de saúde? O Ministério da Saúde não foi notificado por ninguém? E depois da reportagem da rede Bandeirantes, em meados do ano passado, por que ninguém se interessou em investigar o que acontecia e em dar uma resposta à sociedade? Se estava acima da média, alguém deveria procurar saber o que acontecia. Após a reportagem não poderiam ignorar o que vinha ocorrendo.

Em qualquer lugar do mundo seria motivo de escândalo tantas mortes numa unidade de saúde. Mais escandaloso ainda seria o fato das autoridades ignorarem o que vinha ocorrendo, não terem conhecimento do que passava nas unidades de saúde que compõem o sistema.  O sistema de saúde é chamado de SUS, porque é ÚNICO. Não podia e não podem acontecerem coisas deste tipo sem que as autoridades se dêem conta do que se passa. Todas as informações devem ficar ao alcance de toda a rede. Seria bom saber do que se ocupavam os secretários, municipal e estadual de saúde, que nunca reportaram a tragédia que ocorria dentro de suas redes.

Não morreram  duas, três ou quatro  crianças – o que já seria trágico, se tinham como salvá-las, já eram mais de cem no ano de 2014, quase duzentas até aqui, duas dezenas de cegos –, ainda assim ninguém se interessou em saber o que se passava.

Fatos desta natureza fazem-nos acreditar que nada funciona no serviço público, nem quando os fatos implicam na morte (evito o termo correto: assassinato) de quase duas centenas de crianças, na cegueira de outras duas dezenas. Onde estavam os conselhos municipal e estadual de saúde? As dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos? O Ministério Público Estadual e Federal? O que fizeram para estancar a barbárie?

A impressão que fica – ao menos para mim, que vejo os fatos de longe –, é que ninguém ligou, e continuam sem demonstrar qualquer indignação com tantas mortes, tantas crianças cegas, por se tratarem de crianças pobres, filhas de pais humildes, espalhadas pelo sertão do Maranhão, grande parte habitantes de periferias ou da zona rural. Não merecem que as tratem como vidas humanas e sim como meras estatísticas. Será que é isso?

Um ou dois jornalistas divulgaram o fato, mas a notícia já virou passado, já têm novas pautas. 

Não é crível que tantas crianças morram e ninguém chame para si a responsabilidade de, ao menos, dizer que estão fazendo algo, que o acontecido foi uma infeliz acidente. Não é aceitável que a SES e o Ministério da Saúde, estejam silentes diante da gravidade do acontecido noticiado em rede nacional de televisão. Trata-se de uma vergonha inominável.

Talvez, se alguma entidade denunciar o fato aos órgãos internacionais (ONU, OEA, UNICEF), alguém passe a se interessar em investigar e em responsabilizar os culpados. Se os fatos ficam circunscritos ao município ou ao estado ou se a repercussão nacional não é grande, tratam de abafar. Fingem que nada aconteceu.

Os fatos de Caxias, se verdadeiros, com parecem serem, são horrorosos, indesculpáveis e vergonhosos para o Maranhão, para o Brasil, para as pessoas de bem passam metade do ano pagando impostos. 

Abdon Marinho é advogado.