AbdonMarinho - A POLITIZAÇÃO DA DESGRAÇA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A POLI­TI­ZA­ÇÃO DA DESGRAÇA.

A POLI­TI­ZA­ÇÃO DA DES­GRAÇA.
Por Abdon Mar­inho.
QUANDO nos tor­namos seres indifer­entes à quais­quer sen­ti­men­tos e movi­dos, uni­ca­mente, pelos inter­esses de cunho político-​ideológicos?
Nesta madru­gada, logo que acordei, foi este o pen­sa­mento que me assaltou. Refle­tia sobre o grau de poli­ti­za­ção que tomou de conta do assas­si­nato e inves­ti­gação da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro.
O que vejo, com estu­pe­fação, são os dois lados, o que se auto­de­nom­ina esquerda e o que se auto­de­nom­ina dire­ita, ten­tando tirar alguma van­tagem de um crime bár­baro.
O primeiro grupo ten­tando colo­car na costa do gov­erno a respon­s­abil­i­dade pelo homicí­dio (coloco no sin­gu­lar por razões que expli­carei depois) – inclu­sive na costa do próprio Temer, como se o man­datário maior da nação estivesse encomen­dando o aten­tado – trans­for­mando o velório da morta numa espé­cie de comí­cio ante­ci­pado das eleições de out­ubro, com dire­ito a vaias e a palavras de ordem: –– Fora Temer! Fora Temer! Abaixo a inter­venção!
Ora, estavam em um velório e não num comí­cio. Pior que fazer comí­cio em velório só mesmo a tor­cida sec­reta (não tão sec­reta assim) para que alguns, desajus­ta­dos da poli­cia este­jam por detrás do crime. Como se o desejo de trans­for­mar tal homicí­dio em um crime de Estado fosse maior que a dor da perda.
O com­por­ta­mento indifer­ente ao perec­i­mento da vida humana, ao meu sen­tir, é como colo­car a “ban­deira” do enfrenta­mento político numa posição de maior destaque que o assas­si­nado em si.
A visível colo­cação da ban­deira política à frente da vida humana per­dida levou um cidadão a fazer uma piada de gosto duvi­doso, disse ele: “Esta­mos diante de um novo tipo penal, um “comicí­dio», a mis­tura de comí­cio com homicí­dio”.
A coisa mais impor­tante da humanidade é … a vida. Um amigo, aliás, cos­tuma dizer que o dire­ito à vida pre­cede todos os demais, até porque, sem vida não há como usufruir dos demais.
Na explo­ração política da morte da vereadora esque­ce­ram da vida, do quanto ela se sobrepõe às ban­deiras políti­cas.
A ação crim­i­nosa que ceifou a vida da vereadora, ceifou, tam­bém, a vida o motorista Ander­son Gomes. Não só isso, é bem bem pos­sível que os mes­mos pro­jéteis que tiraram a vida da vereadora ten­ham tirado a vida do motorista – que estava ali fazendo um “bico«para mel­ho­rar a renda famil­iar.
O trata­mento dis­pen­sado ao cidadão Ander­son Gomes, vitima no mesmo aten­tado, atingido, provavel­mente, pelos mes­mos tiros, aquilata bem o nível de respeito que se dis­pensa a vida humana: uma vida vira ban­deira, sím­bolo, a outra um numero na estatís­tica dos homicí­dios car­i­o­cas.
Por que a dis­tinção se foram duas vidas que pere­ce­ram? Uma, acaso, tinha mais valia que a outra? Não, de forma alguma. A difer­ença é que uma serve ao pros­elit­ismo politico, a outra, ape­nas como estatís­tica.
Na mesma noite em que o aten­tado viti­mou a vereadora Marielle Franco e o motorista Ander­son Gomes, um pai de família tam­bém tombou, apan­hado em meio a uma troca de tiros entre ban­di­dos e poli­ci­ais.
Um fato torna mais dramática a sua morte: ela ocor­reu na frente do filho, uma cri­ança, que, cer­ta­mente, con­viverá com esse trauma pelo resto da vida.
E, ape­sar da cru­el­dade de sua morte, a mídia, afora os pro­grama poli­ciale­scos, não lhe deram grande destaque, tombou, prati­ca­mente, anôn­imo, como aliás tombam mil­hares de brasileiros todos os anos, ape­nas mais um a engrossar os números da vio­lên­cia.
E, para ficar no campo das estatís­ti­cas, no mesmo dia do aten­tando que ceifou a vida da vereadora e seu motorista, tombou, vitima do crime orga­ni­zado, o trigésimo quarto poli­cial mil­i­tar no Rio de Janeiro, só este ano, o que nos leva a pen­sar que man­tido este ritmo, o mor­ticínio de poli­ci­ais mil­itares super­ará as mais de cento e trinta víti­mas do ano de 2017, ape­nas no Rio de Janeiro.
Pois bem, se de um lado a chamada esquerda brasileira – que con­hecia a vitima, que tinha afinidade com seus pen­sa­men­tos –, não se con­strangeu de, ao invés de velar o corpo e cla­mar por Justiça, fazer um comí­cio sobre o caixão e dis­parar palavras de ordem con­tra a poli­cia, con­tra os gov­er­nos: estad­ual e fed­eral; e con­tra a inter­venção fed­eral na segu­rança do Rio de Janeiro – em que pese os sinais evi­dentes de sua neces­si­dade –, igual­mente desprezível tem sido o com­por­ta­mento de parte da chamada dire­ita brasileira.
Desde que foi noti­ci­ado o aten­tado que viti­mou a vereadora e o motorista, estes valentes têm se ocu­pado em ofender e a bus­car na biografia da vitima motivos e cir­cun­stân­cias para culpá-​la por sua morte.
Trata-​se, por óbvio, de um com­por­ta­mento covarde, uma vez que muitos dos fazem isso (cul­par a vítima) não a enfrentaram ou a acusaram pub­li­ca­mente quando viva, seja nas redes soci­ais, seja através de denún­cias na Câmara Munic­i­pal por qual­quer má con­duta capaz de torná-​la indigna do mandato ou mesmo relataram sus­peitas de algo capaz de interditá-​la ao exer­cí­cio da rep­re­sen­tação pop­u­lar.
Agora, no afã de desqual­i­ficar a vitima e colocá-​la com autora do próprio assas­si­nato, vão atrás de quais­quer fatos ou cir­cun­stân­cias que pos­sam ser usa­dos para fazê-​la mere­ce­dora da morte. Uma bar­bari­dade.
Numa sanha doen­tia, não dis­pen­sam, sequer, os aspec­tos da vida pes­soal da vitima, sejam eles ver­dadeiros ou ape­nas fru­tos das inven­cionice do que hoje é con­hecida como “fake news”.
Neste aspecto a dire­ita brasileira é o que mais se aprox­ima da esquerda brasileira.
A falta de escrúpu­los no ataque à honra das pes­soas. Quando não têm o que dizer no campo do enfrenta­mento das ideias, partem para a explo­ração da vida pri­vada. Uma ver­gonha!
Outro aspecto que colo­cam a esquerda e a dire­ita clientes do mesmo cocho no Brasil é a intol­erân­cia à liber­dade de expressão. Mesmo estes que protes­tam com veemên­cia ímpar con­tra o assas­si­nato da vereadora, no poder e fora dele, não titubeiam em cecear a liber­dade de expressão dos seus opos­i­tores, por todos os meios: proces­sos judi­ci­ais, intim­i­dação, o uso de um exército de adu­ladores para achin­cal­har a voz destoante nos meios de comu­ni­cação e mídias soci­ais.
A difer­ença é que só enx­ergam para os seus lados. A questão de fundo é a mesma: a intol­erân­cia à divergên­cia.
Chega a ser estar­rece­dor que no Brasil, em pleno século XXI, tan­tas pes­soas sofram as con­se­quên­cias de se expres­sarem livre­mente, por diz­erem o que pen­sam.
São jor­nal­is­tas, blogueiros, agentes políti­cos. Todos, igual­mente viti­mas da intol­erân­cia, do obscu­ran­tismo, do pen­sa­mento monolítico, que só con­sid­era como ver­dade o con­sta no seu ideário politico-​ideológico.
Os crimes moti­va­dos pela intol­erân­cia à liber­dade de expressão, em que pese a banal­i­dade das moti­vações, não são dis­tin­tos dos mais de sessenta mil homicí­dios que ocor­rem anual­mente no país, assim como estes, não são menos impor­tantes que os crimes ocor­ri­dos con­tra as cen­te­nas de poli­cias, como forma de afronta ao próprio Estado con­sti­tuído.
Em todos os crimes, seja con­tra políti­cos, no caso desta, e de tan­tos out­ros vereadores e políti­cos assas­si­na­dos, muitos por diz­erem ou terem posições políti­cas diver­gentes; seja dos poli­ci­ais assas­si­na­dos, por serem agentes do Estado e estarem na posição de enfrenta­mento à ban­didagem; seja dos cidadãos comuns que per­dem a vida no cam­inho do tra­balho, na volta para casa, nos assaltos, nas mais vari­adas lutas diárias, em todos eles temos vidas humanas per­di­das, famílias que ficaram desam­para­das, vazios que não serão nunca preenchi­dos.
Somos todos víti­mas. Nada mais que isso.
Abdon Mar­inho é advogado.